Do coração da Dinamarca para o mundo: a trajetória de uma das cervejarias mais influentes da história
No sétimo episódio da série Cada Cerveja, uma História, o Surra de Lúpulo pousou na Dinamarca para contar a jornada da Carlsberg, uma companhia que transformou o cenário cervejeiro global por meio da ciência, da inovação e até da generosidade, ao compartilhar técnica e conhecimento.
Aliás, você já parou para pensar que sua lager favorita só existe graças à Carlsberg? É isso mesmo!
Sendo assim, Ludmylla, Henrique e Gabriel conduzem um passeio pela origem dessa icônica cervejaria dinamarquesa que, além de ser uma potência global, teve um impacto decisivo na evolução de técnicas-chave da produção de cerveja.
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O nascimento da Carlsberg
Para entender a história da Carlsberg, é preciso conhecer Jacob Christian Jacobsen, carinhosamente apelidado no programa de JC. Visionário, determinado e — segundo os próprios apresentadores — um legítimo virginiano (com direito a treta familiar decorrente disso), ele era, antes da Carlsberg, herdeiro de uma pequena cervejaria familiar em Copenhague.
Então, inspirado pelas novas tecnologias da época e motivado a produzir cervejas tipo lager, elaboradas em baixas temperaturas, com leveduras especializadas, ele sabia que precisava expandir sua operação. Assim, em 1847, no topo de uma colina chamada Valby, das mãos de JC surgiu a Carlsberg.
O nome da cervejaria é, aliás, uma homenagem ao filho dele: é a junção de Carl e bjerg, “montanha” em dinamarquês, em referência à localização da fábrica. Uma mistura, assim, de afeto e identidade geográfica.
Por que uma colina? E por que mais afastada da cidade?
Na era pré-refrigeração, cavas, câmaras frias e outros arranjos ofereciam condições ideais para armazenar gelo e conservar cerveja, sobretudo no verão. É daí, aliás, que vem o nome lager, do alemão lagern, que significa “armazém”, “depósito”. Sendo assim, lager bier seria uma “cerveja de armazém”, ou “cerveja armazenada”, no caso, em baixas temperaturas, dentro de estruturas que se valiam de gelo natural, neve etc.
O espaço mais amplo proporcionado pelas instalações em Valby, além das rotas para a coleta desses recursos naturais, foi muito importante.
Além disso, a localidade é próxima de rios, garantindo, assim, fácil acesso à água, elemento essencial na produção de cerveja, não podemos esquecer.
Uma curiosidade: mesmo com a expansão da capital dinamarquesa, tendo se alastrado para além da colina onde surgiu e se localiza a sede da Carlsberg até hoje, a expressão “a oeste de Valby”, ou “para lá de Valby”, ainda é bastante corrente, indicando qualquer coisa ou ocorrência fora de Copenhague, “nas províncias”. No passado, era mesmo um ponto limítrofe da cidade.
Tecnologia, incêndio e reinvenção
🔥 Em 1867, um incêndio devastador destruiu parte da fábrica. Mas o desastre serviu como combustível para uma reforma. JC, então, reconstruiu tudo com materiais à prova de fogo e implementou sistemas modernos de refrigeração artificial, que vinham sendo patenteados e apresentados em palcos de grande influência internacional, como as Exposições Universais.
A Carlsberg não apenas sobreviveu, renasceu dando sinais de como seria no futuro: referência tecnológica no mundo cervejeiro.
Entre os marcos interessantes imediatamente seguintes a esse “ressurgimento das cinzas”, podemos citar as primeiras exportações da dinamarquesa para a Grã-Bretanha, para a China e para a Índia, entre 1868 e 69; e, pelo menos desde 1877, exportações de Carlsberg também para o Brasil! 🇧🇷
Na época, a estimativa era a de que a exportação chegasse a 1.500.000 garrafas por ano.
O Laboratório
🔬 Também não podemos nos esquecer do laboratório! Fundado em 1875, ele foi o palco de vários avanços científicos importantes.
- Em 1883, o cientista Emil Christian Hansen, chefe do departamento de fisiologia da organização, fez uma descoberta que revolucionaria a indústria cervejeira: a “cerveja ruim” não era apenas resultado de infecções bacterianas, como havia divulgado o ilustríssimo e influente Louis Pasteur. Emil descobriu também que uma certa quantidade de cepas de leveduras selvagens no levedo inoculado durante a produção acabava levando também à “doença da cerveja” — terminologia da época.
- Ele então trabalhou para isolar uma única célula de levedura “boa” e a propagou em uma cultura pura, o que tornou possível produzir cerveja de determinada qualidade de modo previsível. Assim, a nova Saccharomyces carlsbergensis foi usada pela primeira vez em escala de produção, e com grande sucesso, em novembro de 1883. 🧫
- Como a “doença da cerveja” era um problema generalizado na época, Jacobsen distribuiu aquela levedura pura gratuitamente para outros cervejeiros.
- Outros avanços creditados às investigações e testes do Laboratório de Pesquisa Carlsberg incluem a invenção da escala do pH, em 1909; e o sequenciamento do genoma da cevada, em 2012.
Agora, de volta à história…
Velha Carlsberg x Nova Carlsberg: fermentando a rixa
O filho de JC, Carl Jacobsen, havia sido enviado por alguns anos a outros países para estudar mais sobre a produção cervejeira, tendo como destinos a França, a Áustria, a Prússia, a Inglaterra e a Escócia. Quando retornou à terra natal, em 1867, enquanto o pai trabalhava no restabelecimento da cervejaria depois do susto pirotécnico, ele foi recebido com a oportunidade de operar em uma “cervejaria secundária” da fábrica principal, chamada literalmente de Anexo, produzindo suas próprias cervejas.
Mas as visões opostas de pai e filho logo entraram em conflito — e isso fermentou uma rivalidade marcante.
Entre 1882 e 1886, Carl foi abertamente um concorrente do pai, estabelecendo a Nova Carlsberg, enquanto a Carlsberg de JC passou a ser chamada de “Velha”. A rixa chegou a envolver até a nomeação da rua que passava entre as duas fábricas, materializada numa disputa de posicionamento de diversas placas com o nome da via preferido ora pelo pai, ora pelo filho.
Mas, finalmente, em 1886, houve a reconciliação — e em tempo! Jacob Christian faleceu em 1887, deixando a Velha Carlsberg sob gestão da Fundação Carlsberg.
- A Fundação foi aberta por JC em 1876, como iniciativa de apoio à ciência e à pesquisa. Hoje tem um estatuto non-profit, é detentora majoritária das ações da cervejaria Carlsberg e congrega o poder decisivo de voto nas deliberações do Grupo Carlsberg. Também financia o Laboratório Carlsberg e o Museu de História Nacional localizado no Palácio Frederiksborg, cuja concepção partiu do próprio JC, ainda na década de 1860.
- Está à frente da cervejaria desde o falecimento do seu fundador.
Apesar dessa reaproximação, Carl continuou afastado da cervejaria principal, tendo também criado depois a Fundação Nova Carlsberg, seguindo com suas próprias iniciativas culturais e científicas.
A reunificação e a Carlsberg moderna
Até que, em 1906, as duas fábricas se reunificaram. Carl se tornou o primeiro diretor administrativo da empresa renovada e, além de consolidar a marca, acredita-se que tenha instituído a jornada de 8 horas de trabalho para seus operários, prática pioneira para a época.
Também nesse período, mas alguns anos antes, em 1904, lançaram o icônico rótulo da Carlsberg Pilsner, criado pelo arquiteto e artista Thorvald Bindesbøll, que se mantém praticamente inalterado e muito influente na identidade visual como um todo da cervejaria até hoje.
O entre-guerras: resistência e reconstrução
A Dinamarca manteve uma postura neutra durante as duas Guerras Mundiais, mas a Carlsberg, como não poderia deixar de ser, sofreu diversos impactos dos conflitos.
Durante a 1ª Guerra Mundial, as operações foram afetadas pela escassez geral de insumos, devido tanto às quedas de produção quanto aos baques nas linhas de suprimentos internacionais.
Já na 2ª Guerra, a Dinamarca foi ocupada pelos nazistas, que vetaram as exportações de cerveja para antigos mercados identificados com os Aliados, censuraram o consumo de álcool e impuseram diversas dificuldades econômicas ao país nórdico.
Ainda que a recuperação tenha sido perceptível mais de uma década depois, o saldo desse período é a resiliência da marca.
A expansão internacional e a era das aquisições
Entre 1956 e 1969, a Carlsberg dobrou suas exportações. Em 1966, licenciou pela primeira vez a sua produção para um fabricante estrangeiro, no caso, a cervejaria Photos Photiades, na ilha de Chipre, no Mediterrâneo. Em 1968, construiu uma planta em Blantyre, no Malawi, país no sudeste do continente africano; e, em 1972, ergueram outra instalação produtiva, na Malásia. Nos anos seguintes, a organização abriu uma série de novas cervejarias em outras partes do mundo.
🌍 Era uma evidente caminhada rumo ao status de player global e de uma das maiores cervejarias do planeta.
Pouco antes, em 1970, a Carlsberg também adquiriu a concorrente e compatriota Tuborg, forjando acordos como o feito com a Duvel-Moortgat, fortalecendo sua presença na Europa continental — e, colateralmente, fazendo muito bem à cervejaria belga “do Diabo”. 👿
“Provavelmente a melhor lager do mundo”
Em 1973, a Carlsberg lançou um dos seus slogans mais marcantes:
“Provavelmente a melhor lager do mundo.”
A frase reforçava seu compromisso com a qualidade da cerveja, e foi imortalizada em comerciais narrados pelo cineasta Orson Welles, diretor de clássicos como Cidadão Kane (1941).
No século XXI, ela também apareceria como “provavelmente a melhor cerveja mundo”.
Em 2011, outro slogan icônico surgiu:
“Isso pede uma Carlsberg”.
Além dos grandes investimentos e a sagacidade em campanhas de marketing, a Carlsberg também patrocina frequentemente equipes e eventos esportivos, consolidando-se na percepção pública, sobretudo em mercados europeus. Entre exemplos de clubes e competições das últimas décadas, podemos citar o Liverpool FC, na Inglaterra, e a Eurocopa.
Inovação e ESG
Da tampa 02 ao Rebrew
Falando em marketing, a inovação constante atualmente costura tanto campanhas quanto pauta práticas de produção sempre evidenciadas do Grupo Carlsberg.
A tampa 02, por exemplo, foi lançada como uma inovação para reduzir a oxidação da cerveja na garrafa. Já o projeto Carlsberg 1883 Rebrew saudosamente recriou uma cerveja histórica a partir de uma levedura viva encontrada em garrafa original de 1883, ano de isolamento e aplicação da cultura pura na fabricação, a partir de pesquisas no laboratório. 🧪
Ambas ações reforçam a mistura de ciência, tradição e inovação da marca.
Sustentabilidade e o futuro: “juntos rumo ao zero… e além”
Comprometida com práticas sustentáveis, a Carlsberg lançou o programa ESG “Together Towards Zero… and Beyond”, com metas ambiciosas para 2030 e 2040. Dos impactos já registrados desse movimento, destacam-se:
- 89% da energia usada é renovável
- 76% das embalagens são recicladas
- 34 fábricas com mil dias sem acidentes
- Mais de 12 toneladas de cevada produzida com agricultura regenerativa
- 30% das bebidas são low ou non-alcoholic
Além disso, detendo sua própria estação de tratamento de água, a Carlsberg é a cervejaria mais eficiente nesse quesito no mundo, diminuindo significativamente o desperdício do recurso nos ciclos produtivos e em demais operações de suas fábricas.
Uma potência global com alma científica
🌎 Hoje, a Carlsberg opera em mais de 140 marcas e 619 rótulos, em países da Europa, Ásia e América do Norte.
Detalhe interessante é que ela encerrou atividades na Rússia em 2023, decisão tomada diante da continuidade da reprovável guerra na Ucrânica. A debandada foi selada após o governo Putin assumir forçadamente o controle da Baltika Breweries, subsidiária local da dinamarquesa.
Com projetos como o Young Scientist, a marca ainda reforça seu legado de formação científica e inovação cervejeira. O futuro, ao que tudo indica, seguirá sendo escrito com as contribuições alcançadas na colina de Valby.
Conclusão: Um brinde à ciência, à cerveja e ao legado
A Carlsberg não é uma marca qualquer de cerveja. É um farol de inovação, ciência e generosidade no universo cervejeiro. Sua história mostra como tradição, pesquisa e compromisso com a qualidade podem criar um legado global.
Quer se aprofundar ainda mais? Temos outros episódios dessa série do Surra de Lúpulo, disponíveis em todos os agregadores de podcasts.
Se gostou, não deixe de compartilhar o episódio e este post com outros apaixonados por cerveja e história, como fez Jacob Christian Jacobsen com os avanços técnicos promovidos por ele tantos anos atrás! 🍻