Entenda como a economia, concorrência e comportamento do consumidor moldaram o mercado americano de cerveja artesanal – e o que podemos aprender com isso no Brasil.

Cerveja Sem Fronteiras: uma nova série para entender o mundo da craft beer

O Surra de Lúpulo deu início a um novo projeto em 2025: o Cerveja Sem Fronteiras, uma série especial que convida personalidades internacionais para discutir as realidades e tendências do mercado de cervejas artesanais em seus respectivos países. Assim, para abrir com chave de ouro, trouxemos Matt Gacioch, economista da Brewers Association, especialista em interpretar dados do setor para orientar o crescimento das cervejarias nos Estados Unidos.

Além de Matt, participaram do episódio os anfitriões Ludmyla Almeida e Henrique Boaventura, e a convidada especial Bia Amorim, criando um bate-papo repleto de dados, insights e comparações pertinentes ao mercado brasileiro.

CONHEÇA OS NOSSOS MECENAS EMPRESARIAIS:

🍺 Cervejaria Stannis – Oferece desconto para os nossos ouvintes! Use o cupom SDL12 no site deles e ganhe 12% OFF. As melhores cervejas você encontra aqui.

🎉 Festival ISO – Sua 4ª edição acontece em Belo Horizonte, no dia 31/05/2025. Esse evento é o verdadeiro playground para os apaixonados por cerveja – um festival feito para quem quer viver essa experiência ao máximo. Mas calma, porque o ISO vai muito além do sábado programado! Antes do grande dia, tem uma agenda especial com bottle shares, encontros com cervejeiros gringos e muito mais. Garanta seu ingresso aqui!

Os três maiores desafios do mercado americano de cerveja artesanal em 2024

A primeira pergunta para Matt foi direta: quais foram os principais destaques e desafios do mercado craft americano em 2024? Sua resposta veio organizada em três partes claras:

  1. Custo operacional em alta: inflação e mão-de-obra pressionando

Matt apontou que o aumento dos custos operacionais foi um dos principais entraves no cenário da cerveja artesanal 2024. Ingredientes mais caros, mão de obra valorizada e despesas crescentes com operação de taprooms e brewpubs impactaram diretamente a saúde financeira das cervejarias.

Quanto ao Brasil, Bia Morim fez uma analogia imediata, reforçando que por aqui enfrentamos desafios semelhantes. O peso do custo diário para manter uma fábrica funcionando também é altíssimo.

  1. Concorrência aumentando dentro e fora do setor

Outro ponto destacado por Matt foi o aumento da concorrência. Não só entre as próprias cervejarias artesanais – com cerca de 10 mil cervejarias ativas no mercado americano em 2024 –, mas também com outras categorias de bebidas alcoólicas, como hard seltzers, RTDs e destilados, opções atrativas para o público que antes procurava variedade e inovação na cerveja artesanal.

Em vista disso, Bia reforça que, mesmo com números menores (em torno de 1.500 fábricas no Brasil), também estamos passando por um período em que a concorrência aumentou consideravelmente, especialmente após o crescimento acelerado do setor nos últimos anos.

  1. Evolução do comportamento do consumidor: frequência e preferências mudando

O terceiro desafio é talvez o mais intrigante: os consumidores estão mudando. Segundo Matt, as pessoas estão bebendo cerveja artesanal com menos frequência, dividindo seus gastos entre diferentes tipos de bebidas alcoólicas, e muitos até reduzindo ou eliminando totalmente o consumo de álcool.

Essa mudança, aliás, não é exclusividade americana. Henrique e Lud comentam como já notaram esse movimento também no Brasil, onde as novas gerações parecem menos fiéis a categorias específicas e mais abertas a experimentar bebidas diversas – ou até mesmo preferir opções sem álcool.

Brewers Association

Otimismo em meio ao caos: como algumas cervejarias continuaram crescendo

Apesar do cenário desafiador, Matt manteve um tom surpreendentemente otimista. Ele destacou que, em 2024, muitas cervejarias conseguiram se adaptar e crescer, mesmo com todas as dificuldades. Houve sim fechamento de fábricas, mas também estabilidade e crescimento pontual para quem conseguiu alinhar estratégia, gestão de custos e relacionamento com o consumidor.

Bia concordou com esse otimismo, ressaltando que, tanto nos EUA quanto no Brasil, as cervejarias mais estruturadas e profissionalizadas tendem a sobreviver e até prosperar.

Fechamentos à vista: o declínio natural do mercado de cerveja artesanal nos EUA

Uma pergunta inevitável surgiu: como interpretar a recente redução no número de cervejarias nos EUA?

Matt revelou que, pela primeira vez desde 2005, houve no ano passado um número maior de fechamentos do que de aberturas. Porém, ele encarou isso como um movimento natural e saudável, sinalizando um mercado que está amadurecendo, não morrendo.

Henrique e Bia compartilharam uma visão semelhante, mas lembraram que, no Brasil, o impacto parece mais dramático. Aqui, conhecemos os rostos e as histórias por trás das cervejarias, tornando cada fechamento mais pessoal e doloroso. Ainda assim, Lud trouxe uma leitura importante: talvez o que esteja ocorrendo seja uma “limpeza” necessária – uma filtragem que favorece a profissionalização do setor e elimina projetos menos preparados.

A globalização acelerada e os reflexos imediatos no mercado cervejeiro brasileiro

Outro ponto interessante discutido foi como a defasagem entre o que acontece no mercado americano e seu reflexo no Brasil encurtou drasticamente. Se antes levava anos para uma tendência surgir lá e desembarcar aqui, agora estamos falando de meses – ou até de fenômenos ocorrendo simultaneamente.

De modo que esse cenário reforça a importância de se observar atentamente os movimentos do mercado cervejeiro mundial para antecipar desafios e oportunidades locais.

beer - globalization

2025: cervejarias americanas sob a tempestade política

Na sequência do bate-papo, o Surra quis saber de Matt quais seriam os desafios específicos para as cervejarias artesanais em 2025. A resposta foi clara: os desafios continuam praticamente os mesmos que em 2024. Com três pilares principais: aumento de custos, concorrência e mudança no comportamento do consumidor.

A incerteza Trump: tarifas, imigração e impactos diretos no setor

O fator novo para 2025, segundo Matt, é a incerteza trazida pelo retorno de Donald Trump à presidência. Seu governo já deu sinais claros de mudanças nas tarifas de importação e nas políticas migratórias, movimentos que impactam diretamente o setor, a saber:

  • Tarifas sobre alumínio e aço tornam latas e equipamentos mais caros.
    • Nas últimas semanas, tarifas de 25% foram especificamente impostas às importações de cervejas enlatadas e de latas vazias, como noticiou o Plantão Cervejeiro, no episódio referente à 3ª semana de abril.
  • A restrição à mão de obra imigrante encarece ainda mais a operação, já que muitos desses trabalhadores desempenhavam funções-chave em cervejarias e bares.

Lud e Henrique destacam que essa “guerra tarifária” de Trump pode ter efeitos duradouros, elevando custos e dificultando a competitividade das cervejarias.

Mercado americano de cerveja artesanal

Cerveja é Política: o papel da Brewers Association em Washington

Bia também trouxe um ponto essencial: a atuação política da Brewers Association se torna ainda mais importante neste cenário. Assim, com o economista Bart Watson assumindo a presidência da associação, já se veem movimentações para defender o setor junto ao governo, apresentando dados concretos sobre como tarifas e políticas migratórias prejudicam milhares de empregos e impactam diretamente a economia local.

A explosão das cervejas sem álcool: moda passageira ou tendência global?

Indo além da política e dos desafios operacionais, o papo com Matt também explorou uma tendência forte nos EUA e no mundo: o crescimento vertiginoso das cervejas sem álcool (non-alcoholic beers).

Segundo Matt, as vendas de cervejas sem álcool vêm crescendo consistentemente, com um aumento impressionante de cerca de 30% ao ano. O mais interessante? Os cervejeiros artesanais têm participação muito maior nesse segmento do que no mercado geral de cervejas.

E esse crescimento não é puxado apenas por grandes marcas, já que pequenas cervejarias craft também estão conseguindo se destacar, aproveitando seu maior domínio de técnicas e sabores para entregar cervejas sem álcool de altíssima qualidade.

O sabor como trunfo: oportunidade para a craft beer brasileira

etapp - sabores

Bia Morim comentou como o diferencial das cervejarias artesanais, tanto nos EUA quanto no Brasil, está na capacidade de criar sabores complexos e experiências sensoriais únicas. Enquanto a indústria de massa trabalha no volume e no marketing, as cervejarias craft têm a vantagem de oferecer cervejas sem álcool que não perdem no sabor.

Ela destaca que, no Brasil, já temos ótimos exemplos de cervejas sem álcool feitas com esmero, e ainda há muito espaço para inovação.

Tecnologia e profissionalização: o desafio brasileiro

Henrique complementa dizendo que, enquanto o mercado americano de cerveja artesanal já ultrapassou muitas barreiras tecnológicas na produção de rótulos sem álcool, no Brasil ainda estamos no processo de amadurecimento técnico. Pasteurização, estabilidade e controle de sabor são aspectos que exigem investimento e aprendizado para garantir qualidade sem perder identidade.

Corrida do ouro ou caminho sustentável?

Lud trouxe uma reflexão importante: será que não estamos assistindo a uma nova corrida do ouro, com diversas cervejarias apostando todas as fichas em abrir fábricas exclusivas de cervejas sem álcool, sem avaliar a fundo os desafios financeiros e de mercado?

Ela aponta o exemplo da estadunidense Athletic Brewing, que se tornou referência no segmento, mas investiu 100 milhões de dólares em marketing para atingir seu público – um investimento difícil de replicar no Brasil.

Essa preocupação é válida para evitar que o mercado brasileiro repita os erros do passado, como o boom de aberturas sem planejamento estratégico durante o crescimento da cerveja artesanal.

sustainable beer

Conclusão: desafios globais e oportunidades locais para o mercado cervejeiro

A conversa com Matt Gacioch revelou com precisão como o mercado americano de cerveja artesanal reflete, em muitos aspectos, os dilemas e oportunidades que vivemos no Brasil.

Custos operacionais crescentes, concorrência acirrada, comportamento do consumidor em transformação, além de fatores políticos e econômicos externos como tarifas e inflação. Todos são elementos que impactam diretamente a sustentabilidade das cervejarias craft em ambos os países.

O que aprendemos, entretanto, é que existe espaço para crescimento e fortalecimento. Seja investindo em hospitalidade, apostando em cervejas sem álcool com qualidade, focando em portfólios estratégicos ou profissionalizando a operação.

E talvez, o mais importante: é hora de deixarmos de lado a síndrome do vira-lata e reconhecermos o valor e a qualidade do mercado cervejeiro brasileiro. Com criatividade, consistência e profissionalização, temos plenas condições de continuar crescendo, ocupando prateleiras e, quem sabe, influenciando o cenário global de craft beer. 🍻

Gabriel Gurian

Historiador, com Mestrado e Doutorado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), meus estudos são pautados por bebidas e bebedores na história do Brasil, em diferentes períodos. Atualmente desenvolvo pesquisa pós-doutoral na Universidade de São Paulo (USP), com foco no nascimento da cultura cervejeira brasileira no século XIX.

Gostou deste conteúdo? Compartilhe com seus amigos.

Confira os últimos posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Cadastre-se na Hop-Pills

* indicates required