28 de maio, Dia do Hambúrguer
Data que também tem tudo a ver com o mundo da cerveja! Mas como a bebida e o hambúrguer constituíram um par icônico que conquistou paladares ao redor do mundo? 🍺🍔
A resposta está enraizada em uma mistura de processos imigratórios, industrialização e mudanças sociais que moldaram os hábitos alimentares nos Estados Unidos nos séculos XIX e XX, hábitos que tiveram enorme influência sobre boa parte do planeta nos últimos 50 anos.
Raízes do hambúrguer no Velho Continente
Sandubas…
Os primeiros registros de sanduíches, preparo de duas fatias de pão recheadas, inclusive com carne, remontam à Inglaterra da segunda metade do século XVIII. Nos anos 1770, receitas já apareciam em livros ingleses e, no início do século XIX, composições semelhantes deram as caras em publicações nos Estados Unidos.
Em questão de décadas, esse tipo de preparo se espalhou por todas as camadas da sociedade americana, ganhando muitas formas e sabores, sendo servido, inclusive, em bares e tavernas. Os recheados com carne, sobretudo, valiam já como uma refeição completa, segundo um observador inglês de passagem pelo país nos anos 1880.
Mas nós aqui não estamos falando de qualquer sanduíche, e sim do clássico e icônico hambúrguer!
…o preparo da carne…
Pois bem: tudo começa com a carne proveniente de Hamburgo, na Alemanha. Era uma iguaria prestigiada e um tanto quanto cara no século XIX, especialmente quando exportada. Ainda assim, um dos seus métodos de preparo mais tradicionais, que consistia em cortá-la, temperá-la e moldá-la em patties, quer dizer, em discos, extrapolou o ingrediente em si e foi disseminado como técnica aplicável a cortes de qualquer origem ou qualidade, em diversos países europeus e também nos EUA.
O principal divulgador desse tipo de preparo na terra do Tio Sam foi o imigrante alemão. Com sucessivas ondas de imigração para os Estados Unidos, do final do século XVIII a 1910, cerca de 5,5 milhões de germânicos estabeleceram comunidades do outro lado do Atlântico. Assim, inseridos na sociedade americana, também expuseram e compartilharam seus modos de vida, de comer e de beber – o sucesso das lagers não me deixa mentir.
Em 1872, uma reportagem no The New York Times pintou uma cena que vinha tomando forma a partir dos restaurantes alemães populares: ali serviam “cerveja em copos espumantes” para clientes de todas as origens e condições, que almoçavam “sopa de lentilha, linguiça defumada e carne hamburguesa [Hamburg steak], que é simplesmente um bife redimido de sua rigidez ao ser moído e então transformado em uma massa conglomerada”.
…e os hambúrgueres
Inicialmente servido no prato, como Hamburg steak, ou “bife de Hamburgo” – que soava mais chique do que uma simples “carne moída”, ou ground beef –, o preparo evoluiu até ser incorporado a um sanduíche, adaptando-se às necessidades de uma sociedade em progressiva urbanização e industrialização na segunda metade dos 1800 e início dos 1900, que demandava refeições rápidas, acessíveis e satisfatórias.
Paralelamente, como já indicado, os imigrantes alemães trouxeram consigo sua tradição cervejeira, cujas lagers claras e leves rapidamente ganharam popularidade nos Estados Unidos. Desse modo, a combinação de carne e cerveja, já apreciadíssima na Alemanha, encontrou terreno fértil naquele novo ambiente.
A Era da Proibição e a necessidade de reinvenção dos bares
A década de 1910, sobretudo durante e depois da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), viu o movimento pró-temperança estadunidense em ascensão. Os envolvidos procuraram rotular o consumo de cerveja, associado à cultura alemã, à cultura dos adversários naquele conflito, como “antipatriótico“. Pouco depois, com a instauração da Lei Seca em 1920, a proibição da produção e comercialização de bebidas alcoólicas levou ao fechamento de muitos bares e à transformação de outros em pontos clandestinos.
Com o fim da Prohibiton em 1933, aqueles estabelecimentos ressurgiram, mas viram muitas de suas antigas ofertas, como os hambúrgueres, apropriadas por outros modelos de negócio. Assim, eles não seriam mais uma marca do serviço de bar, mas uma opção ora disponível, ora pouco viável.
Já não seriam mais as mesmas casas onde o cliente procuraria por uma dose de whisky, uma cerveja gelada e um bom sanduíche para o almoço. O beber também havia se tornado uma atividade mais noturna, menos rotineira e complementar às refeições.
Na continuidade do século XX, o surgimento e a consolidação das redes de fast-food foi implacável. Isso sedimentou o afastamento da outrora próxima relação entre hambúrgueres e cervejas. Era 1921 quando Walter A. Anderson (1880-1963) e Waldo “Billy” A. Ingram (1880-1966) fundaram a White Castle, considerada a primeira franquia de hambúrgueres, na cidade de Wichita, Kansas. Dali em diante, vários negócios similares não pararam de surgir.
A padronização e a produção em massa tornaram o hambúrguer ainda mais acessível que antes, mas a cerveja, mesmo sendo uma eventual escolha de acompanhamento, perdeu espaço com a ascensão dos refrigerantes e milk-shakes nas lanchonetes, diners e drive-throughs.
A revolução artesanal no mundo da cerveja – e também no do hambúrguer
Nas últimas décadas, assistimos a uma diversificação no mundo gastronômico com o surgimento de vários segmentos “artesanais”. Do esmero na seleção de ingredientes, na produção e no preparo dos pratos e bebidas oferecidos – como os hambúrgueres e as cervejas. Um movimento de produtores também acolhido por consumidores, interessados em produtos diferenciados e, como se vê bem no caso das hamburguerias e microcervejarias, em variedades de sabores e experiências sensoriais.
Movimento que, aliás, veio na sequência da “ascensão” do hambúrguer, até penetrar no chamado fine dining, na alta gastronomia, durante os anos 1990. O prato se prestigiou, mostrando-se muito versátil, sem perder suas raízes populares.
Já no embalo craft, esses dois produtos acabaram retomando uma “parceria” já existente desde o século XIX.
Números dos lados de cá
No Brasil, o mercado de hambúrgueres artesanais experimentou uma espécie de boom entre 2016 e 2019, com um crescimento de 30% de novas hamburguerias vinculadas à Associação Brasileira de Franchising (ABF). Paralelamente, a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) registrou um aumento de 35% no número de fábricas de cervejas artesanais em 2018.
Hoje, o cenário cervejeiro não exibe a mesma robustez crescente, mas os efeitos desses processos nos últimos anos ainda são perceptíveis; muitos estabelecimentos ainda persistem, e a procura por esses produtos também.
Aliás, quantos festivais não ocorreram e ainda ocorrem no país com a premissa simples de se beber algumas IPAs degustando hambúrgueres artesanais? Dos pequenos e locais aos grandes e renomados, como o Mondial de la Bière.
Fechando a conta
Dos primórdios dos sanduíches à prestigiada carne hamburguesa, que emprestou seu método de preparo para cortes menos nobres, mas não menos deliciosos. Acompanhando lagers de inspiração germânica que tomaram de assalto a maior parte das cenas cervejeiras do mundo nos séculos XIX e XX.
A história da relação do hambúrguer e da cerveja é cheia de detalhes entremeados por processos importantes, de cunho econômico, social e cultural, e bem mais antiga que o que testemunhamos nos movimentos craft no Brasil e em outras cenas. Através dessa história, conseguimos vislumbrar outros movimentos marcantes na configuração dos Estados Unidos e da sua influência cultural sobre o resto do mundo.
Dito isso, seja em bar, fast-food ou numa hamburgueria gourmet, a combinação de hambúrguer com cerveja continua sendo icônica, mostrando que ambos têm tudo a ver! 🍻