No nono episódio da série Cada Cerveja, Uma História, Ludmyla Almeida, Henrique Boaventura e Gabriel Gurian conduzem uma viagem fascinante pela trajetória da Spaten, cervejaria alemã marcante da paisagem cervejeira da Baviera, com impactos que reverberam pelo mundo.
Da fundação em 1397 até sua chegada ao Brasil em 2021, conheça a fascinante saga de inovação, espionagem industrial, ascensão e reinvenção dessa marca histórica!
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As raízes medievais da Spaten
A história da cervejaria Spaten começa em 1397, quando Hans Welser funda um empreendimento que hoje nós chamaríamos de brewpub, não propriamente uma cervejaria com porte comercial, em Munique. Isso aconteceu cerca de 25 anos depois da liberação, por parte do duque da Baviera, Stephan II, para que qualquer cidadão pudesse requerer uma permissão para produzir cerveja — até então um ofício monástico ou sob a tutela da nobreza.
O nome Spaten, no entanto, que significa “pá” em alemão, surgiu apenas em 1622, quando a cervejaria foi assumida por um sujeito de nome Georg Spät. Já a logomarca com a pá foi criada em 1884, pelo designer Otto Hupp, e permanece até hoje como ícone da cervejaria.
- A comunicação da empresa no Brasil afirma que o nome é uma referência à ferramenta utilizada no manejo tradicional do malte.
- Já as mídias da cervejaria na Alemanha remontam o nome àquele novo proprietário de 1622, cuja família permaneceu à frente da Spaten até 1704. Uma explicação que parece fazer mais sentido.
Por conta desse porte pequeno durante seus primeiros séculos de existência, não se sabe quase nada sobre a trajetória da cervejaria, não existe muita documentação remanescente da época. Assim, ainda que a marca ostente uma data de fundação tão antiga, sugerindo muita tradição, é possível afirmar que a história da Spaten começa mesmo só em 1807.
Os Sedlmayr e as transformações do século XIX
Desde 1805, com o avanço napoleônico, a Baviera se tornou um reino independente, antecipando a dissolução do Sacro-Império Romano Germânico. Foi o mesmo processo que levou à secularização de cervejarias de mosteiros, como a Weihenstephan. Além disso, mudanças econômicas de inspiração francesa enfraqueceram o poder das guildas, o que abriu caminho para iniciativas cervejeiras descentralizadas.
Dois anos depois, então, Gabriel Sedlmayr, o pai, um mestre cervejeiro, também filho de cervejeiro, que até então trabalhava na Hofbräuhaus, cervejaria tradicional de Munique, fundada em 1589, companhia exclusiva, pertencente à Família Real da Baviera, decidiu se aventurar por conta própria e comprou a Spatenbrauerei.
- Naquele momento, das 52 cervejarias registradas em Munique, a Spaten era a menor e menos expressiva delas.
Sedlmayr pai, assim, aprimorou os processos de produção e a qualidade do líquido produzido pela Spaten. Entre os mais significativos de sua época, podemos citar a importação de um dos primeiros e novos fornos Wheeler de malte, vindo da Inglaterra em 1818. Também instalou um pequeno laboratório de testes.

Em cerca de 10 anos, fez a cervejaria crescer em reputação e porte, inclusive exportando barris, até mesmo para a Inglaterra. Tornou-a a 6ª maior de Munique — enquanto a cena antes robusta perdia cervejarias menores (nos anos 1850, haviam diminuído de 52 para 33), diante do crescimento e da profissionalização da produção das principais fábricas.
Aquele foi o momento em que beber cerveja realmente se tornou um costume urbano e amplamente partilhado por todas as classes sociais de Munique. Dos trabalhadores aos “patrícios”. O status da própria bebida foi imbuído de um novo capital simbólico, comunitário, além de ter ganhado ares “higiênicos”.
Contudo, apesar dos méritos de Sedlmayr pai, ele não seria o principal nome da ascensão da Spaten no século XIX…
Espionagem Industrial
Foi Gabriel Sedlmayr II, o filho, quem se tornou o principal nome na história da Spaten!
Formado como cervejeiro pelo pai e versado em engenharia, ele foi enviado, entre as décadas de 1820 e 1830, para se aprimorar no ofício em diferentes pontos da Europa. Estava acompanhado pelo austríaco Anton Dreher, outro sujeito futuramente importante no mundo cervejeiro, mais especificamente no desenvolvimento da Vienna lager.

Enquanto compartilhavam saberes sobre leveduras lager, sobretudo no Reino Unido, ambos praticavam espionagem industrial despudoradamente: carregavam bengalas ocas que secretamente surrupiavam e armazenavam amostras dos tanques de cervejarias inglesas e escocesas.
- Sedlmayr II até comenta a respeito nas cartas enviadas para o pai, demonstrando-se surpreso por saírem, ele e Dreher, inconspícuos e ilesos dessas visitas.
Ainda assim, essa “turnê” também teve seu tanto de intercâmbios tecnológicos, fascinações e aprendizagem para os envolvidos. Com repercussões imensuráveis para a cena cervejeira na Europa continental e, depois, para o mundo como um todo.
Sob nova direção
De volta a Munique, Sedlmayr II assumiu, ao lado do irmão Josef, a dianteira da Spaten após o falecimento do pai, em 1839.
Tendo desde 1835 posto em prática novas técnicas de manejo do malte, ele apresentou, em 1841, na Oktoberfest, a Märzen. Uma cerveja feita com maltes pale, sob influência inglesa captada nas viagens de aprimoramento. Foi uma pioneira no alargamento de possibilidades das cervejas germânicas.
Prosseguindo nos aprimoramentos, Sedlmayr II implementou maquinário a vapor na cervejaria, inspirado pelo aporte industrial britânico, em 1846. E 5 anos depois, já alcançando uma produção anual de cerca de 43.000 hectolitros, a cervejaria superou a capacidade da antiga sede e precisou construir uma nova fábrica.
Inaugurada em 1854, em Maxvorstadt, o local sedia a Spaten em Munique até hoje.
É nessa época também que Sedlmayr II fornece uma amostra de levedura lager ao colega dinamarquês Jacob Christian Jacobsen, fundador da Carlsberg, sedimentando uma cooperação que pavimentou o caminho para avanços técnicos cruciais conduzidos de Copenhague.
Munich Helles: o estilo inovador
O trabalho do Sedlmayr II, seguido pelos seus próprios filhos, Johann, Carl e Anton, levou a Spaten ao topo em Munique e ainda à criação da Munich Helles. Uma cerveja clara, delicada, que revolucionou a escola alemã!
Esse passo só foi possível graças a avanços técnicos diversos, propiciados por outros atores do mundo cervejeiro europeu. Nomes como Josef Groll, criador da primeira Pils que usou um método de malteação que secava o malte com calor indireto, gerando variedade mais clara. Ou ainda Carl von Linde, responsável pelo inovador sistema de refrigeração artificial implementado na Spaten.
Foi, portanto, uma confluência de esforços com grande repercussão no mundo da cerveja.
Com a nova fábrica, novas tecnologias e a adoção de um método de engarrafamento pioneiro na Baviera, a Spaten se tornou a maior cervejaria de Munique. Além disso, a presença na Oktoberfest sedimentou uma presença tradicional local, sublinhando a necessidade de permanecer produzindo na cidade para participar do evento. Evento do qual a Spaten é inseparável!
A Spaten no século XX: crises, fusões e sobrevivência
A Spaten estava sob o controle dos três filhos de Sedlmayr II desde 1874. Contudo, o pai ainda era o titular dos bens. Em seu leito de morte, em 1891, ele determinou um dote milionário para suas cinco filhas, dinheiro extraído do patrimônio da empresa.
Esse lance fragilizou demais a Spaten financeiramente. Uma manobra que, no fim das contas, lesou a sua autonomia, da qual ela nunca conseguiu se recuperar totalmente.
A cervejaria passou então a depender de fusões: em 1922, com a Franziskaner-Leistbräu, então controlada pelo tio, o Josef, irmão de Gabriel II. Em 1997, com a Spaten nem mal, nem tão bem depois de um século cheio de desafios, veio a fusão com a Löwenbräu, formando o Spaten-Löwenbräu-Gruppe. Por fim, em 2003, o grupo foi adquirido pela belga Interbrew, hoje AB InBev, empresa-mãe da brasileira Ambev.
- Só então abriu-se uma nova avenida para a distribuição internacional sistemática de produtos da marca. E, por isso, ela chegou finalmente ao Brasil. 🇧🇷
A Spaten hoje e a força no Brasil
A Spaten chegou por aqui em 2021, como parte do portfólio da Ambev, uma das apostas para competir com a Heineken, no “segmento” de cervejas “puro malte”. Não é à toa que sua identidade visual é predominantemente verde, pouco usual na versão alemã, aproximando-se do padrão das lagers premium vendidas aqui — Stella Artois, Beck’s, Império Lager e, sobretudo, a própria Heineken.
Desde 2022, a Spaten é também a cerveja oficial da tradicional Oktoberfest de Blumenau.
Curiosamente, apesar de ter expressividade no nosso país, a Spaten carece do mesmo prestígio em vários locais. Além de não ter penetrado tanto em outros mercados, ela hoje cumpre o papel de marca regional da maior multinacional cervejeira do mundo. O site-guia da Oktoberfest afirma que a AB InBev “obviamente não sabe muito bem o que fazer com” a Spaten e que “alguns dizem que a Oktoberfest é a única razão pela qual” a cervejaria ainda existe.
Seja como for, felizmente ela se estabeleceu bem por aqui, dando sobrevida e destaque pra essa marca que já foi uma das cervejarias mais influentes da Baviera e do mundo.
Portfólio
Hoje, a Spaten oferece no Brasil apenas a versão nacional de Munich Helles.
Já na Alemanha, além da Münchner Hell, o catálogo mantém a Oktoberfestbier, a doppelbock Optimator, a Pils e a Alkoholfrei, versão sem álcool.
Existem também os produtos da Franziskaner, mas eles estão diluídos no grande portfólio da AB InBev e desmembrados dos da Spaten.
Conclusão
Fruto de tradições longevas da Baviera, a Spaten marcou diversos períodos desde 1807. Graças a gerações da família Sedlmayr, ela influenciou o mundo cervejeiro do século XIX e, ao lado de outros atores, deu passos fundamentais e o tom para inovações futuras cruciais. Sem falar na sua centralidade para a Oktoberfest, a celebração cervejeira mais icônica que há.
E ainda chegou até nós, propiciando um rótulo que guarda muita história! 🍻