Está no ar mais um episódio do Encontro Selvagem, dessa vez falando sobre o futuro do uso de leveduras endêmicas no Brasil. Fermentando a brasilidade através dos líquidos; organizado pela Abracerva em parceria com o Surra de Lúpulo e com apoio institucional do Conselho Federal de Química. Ouça na íntegra:
Leveduras endêmicas no Brasil
Vamos apresentar nossas palestrantes, Luciana Brandão e Gabriela Muller, com mediação de Carola, da Space Beer Project.
“Meu nome é Luciana Brandão, sou do Laboratório da Cerveja. É uma empresa que está localizada ali em Nova Lima, próximo de Belo Horizonte, Minas Gerais. A gente produz leveduras líquidas, principalmente para cervejarias da região. Minas Gerais a gente atende mais na região mesmo e para cervejeiros caseiros. Então a gente produz levedura e também trabalha com controle de qualidade de cerveja, tanto microbiológico quanto físico-químico, recebendo amostras aí do Brasil inteiro. A gente contribui dessa forma aí para o mercado”.
“Eu sou a Gabriela Miller, sou uma das diretoras da Levtec Tecnologia Viva, fica lá em Floripa, também… Trabalhamos com a produção de leveduras líquidas, principalmente para cervejarias. Trabalhamos com a parte de controle de qualidade também, né? E até foi interessante quando a gente começou a empresa lá em 2015, o nosso primeiro produto eram kits para controle de qualidade. E eu fui num festival brasileiro de cerveja apresentar o produto e era uma coisa que os cervejeiros não tinham interesse em 2015. Não, minha cerveja não contamina, não tem bactérias, né? Então, foi o meu primeiro plano de negócio, não funcionou. E aí, a gente entendeu que realmente precisavam eram leveduras. Então, eu entrei nesse meio da cerveja, porque eu produzia leveduras para fermentação de etanol combustível. E aí, depois eu percebi que a cerveja era muito mais interessante, né? A gente podia beber, podia criar. Então, me enveredei para essa parte da cerveja. E agora, estamos aqui em busca da levedura brasileira”.
Onde quem faz cerveja pode encontrar essas leveduras endêmicas?
Luciana: Na Levitec, não no laboratório da cerveja, lógico. Mas na natureza, né? Existem mais de 1.500 espécies de leveduras. Muito mais do que isso, né? Esse dado que eu tenho já deve ter 2.000, 3.000, alguma coisa nesse sentido. Nem tudo é saccharomyces. Mas a que importa pra gente, é a que fermenta. Então, onde que a gente encontra isso? Em locais que vão ter produtos pra serem fermentados. Então, a gente tem que ter carboidratos. A gente tem que ter os açúcares, mas a gente também tem que ter proteínas, tem que ter gordurinhas, porque as leveduras todas precisam disso para crescer, para multiplicar e para fermentar. E onde é que a gente tem isso? Frutas, bebidas fermentadas, onde mais?
Gabriela: Eu acho que a grande resposta disso é o que a gente está fazendo aqui hoje. Então, são fermentações, em processos de fermentações tradicionais. De preferência, fermentações tradicionais de substratos amiláceos. Porque assim, a cachaça é um local onde a gente pode ter a prospecção de leveduras? É óbvio. Imagina a fermentação natural, fermentação com leveduras nativas do Brasil, alambiques centenários. A gente tem alguma cervejaria centenária que tenha uma fermentação tradicional do Brasil? Não tem? Ainda não. Mas os alambiques a gente tem. Então assim… A manipueira, eu acho que ela representa uma das fontes mais ricas, porque o que a gente tem? Um substrato amiláceo com leveduras nativas. Então é isso, a fruta funciona? Funciona. Mas há grandes chances de a gente encontrar uma levedura que não vá fermentar. O nosso moço cervejeiro é grande.
Carola: É, porque lembra uma coisa, a fruta tem alguns açúcares mais simples, mais fáceis de serem fermentados. E outra, por isso… E além disso, tem uma quantidade enorme de micro-organismos ali. Então, aquilo que a gente viu no dia zero, vai ser muito maior. E aí, as leveduras do tipo saccharomyces, muitas vezes, não estão presentes nesses lugares que tem muito açúcar. Tem muita competição, ela não tem interesse em ir para lá. Tipo, aqui eu vou ter que ficar gastando energia pra conseguir um grãozinho de açúcar, eu vou pra outros lugares. Então, uma das coisas que a gente tem que pensar quando vai isolar um organismo da natureza, vai estudar um organismo da natureza, em primeiro lugar, o que você quer que ele faça? Fermentar? Legal. O que você quer que ele fermente? Então, você vai delineando isso. É uma caça, né? É um jogo, quase. E depois você conseguir falar assim, a gente já sabe que existem alguns gêneros. pelo menos a gente sabe, acha que conhece todos os gêneros de levedura e o que você quer? Eu quero uma saccharomyces, o que ela gosta? o que ela não gosta? onde eu posso procurar ela? não, eu não quero uma saccharomyces, eu quero uma starmerella eu vou procurar esse organismo eu vou saber exatamente aonde que é a fonte daquele organismo, a fonte natural daquele organismo então eu vou atrás disso tudo fermenta, ou quase tudo fermenta mas nem tudo que fermenta é o que a gente quer Então a gente precisa delinear algumas coisas que vão levar a gente à cerveja.
Luciana: É, e acho que todo mundo pode e deve fazer a busca de novas leveduras. Não precisa ser só um laboratório. Eu posso buscar novas leveduras próximo da minha cervejaria, se eu tenho uma cervejaria localizada um pouco mais afastada, no espaço rural. Digamos, no centro de São Paulo é um pouco mais difícil. A gente ter uma microbiota próspera pra fermentar. Mas sim, eu posso buscar a partir de frutas, eu posso buscar a partir de substratos amiláceos, posso buscar a partir de fermentações de vinhos naturais, onde eu não tenho a presença do sulfito que eu tenho, ou pomares, enfim. O importante é, depois que eu buscar essa levedura, eu testar ela em fermentações com mosto de cerveja.
Carola: Ou até mesmo adaptar ela pra isso, né? Porque a gente consegue fazer, isso é um organismo vivo, então você consegue fazer um processo adaptativo, lógico. ela tem que ter as ferramentas para poder fazer isso, não adianta você também querer dar asas para quem não quer voar, então, mas você pode também treinar aquele organismo, fazer uma domesticação desse organismo para ela conseguir melhorar o desempenho dela dentro de uma cervejaria Aí a próxima era, quais seriam as características desejadas ao se buscar leveduras selvagem brasileiras? Fermentar em primeiro lugar.
Gabriela: É, eu acho que a grande questão é, óbvio, fermentar mosto cervejeiro. Então, ter um limite de atenuação. Ah, existe um limite? Não, depende do que você quiser fazer. Posso fazer uma new IPA com uma levedura brasileira? Posso, posso buscar uma levedura que fermente 60, 65%. Posso fazer uma saison com levedura brasileira? Posso. Vou buscar uma levedura que atenue 90, 95% do meu mosto. E principalmente o sensorial, que eu acho que esse é o grande desafio da gente encontrar leveduras brasileiras. Porque eu vejo que o sonho do cervejeiro é ter uma levedura brasileira neutra. Gente, vamos acordar, não é assim? Então assim, a gente… Muitas vezes a gente quer o terroir brasileiro com uma levedura neutra. Tá, e o que isso vai influenciar? Ah, mas eu quero fazer uma lager com levedura brasileira. Será que esse é o caminho? Então a gente tem que entender o perfil sensorial A gente tem que entender que O Brasil é um país tropical E quente E uma coisa que a gente já sabe As leveduras que são isoladas em locais Com temperaturas médias de 20 22 graus São leveduras que vão produzir sabores Sabores complexos Ésteres frutados Cítricos, muitas vezes compostos fenólicos pode ser cravo, pode ser especiarias, pode ser band-aid, pode ser o defumado. E álcool superior, né? Então, assim, toda essa questão sensorial. Então, assim, eu vejo que o Brasil, a gente tem uma dificuldade climática pra tentar isolar leveduras mais neutras.
Carola: É, vale lembrar, assim, que esses organismos, eles vivem na natureza. Então, eles estão em competição com outros. E todos esses testes que a gente acha legal ou não legal… É uma resposta àquele meio ambiente. Então é natural que ela vá produzir ésteres. É natural que ela vai trazer compostos fenólicos… Por competição ela produz aquilo, de alguma maneira ela acaba inibindo algum outro organismo de crescer ali. Então é natural, se você está pensando num organismo selvagem, é natural que ele vá produzir tudo aquilo, porque ele se adapta à natureza. Ele não é um organismo que você pega ali na geladeira, põe para crescer, açúcar, água, mostinho…
Luciana: Toda levedura produz esteris, faz parte do metabolismo. E é lógico que a temperatura, ela influencia muito aí nessa percepção sensorial dos esteris que foram produzidos. A Star Brasilis, por exemplo, é uma levedura que produz ésteres, mas ela não produz ésteres da forma como a gente percebe na saccharomyces. Então, a gente teve cervejas, vou falar na palestra, a gente teve cervejas que foram produzidas com a Star Brasilis, que tem aquela característica mais esterificada, mais frutada, mas alguns cervejeiros fizeram cervejas mais neutras com a levedura. Mas ela é completamente tropical. Ela pode fermentar, inclusive, em temperaturas de 25 a 26 graus. Me perguntaram se poderia fermentar ela a 30 graus, como uma Kvike. Eu não fiz o teste, mas está disponível aí para quem quiser testar. Eu acho que vale a pena. Talvez os esteris vão embora também, a gente não sente. Mas é isso, acho que a gente tem uma diversidade muito grande de leveduras que a gente pode isolar e testar. Porque, muitas vezes, a levedura não teve contato com o ambiente fermentativo, como o da cerveja, com a maltose, como foi o caso da Star Brasilis. Ela nunca teve acesso à maltose. Só que a gente colocou a levedura pra fermentar. Maltose. E descobriu que ela fermenta. Então, foi assim que despertou. Então, assim, a gente tem uma biodiversidade… Essa é uma pergunta que a gente tinha. Será que nessa imensidão, nessa biodiversidade nossa, a gente não vai ter uma única levedura que possa fermentar as nossas cervejas que estão aqui, que sejam originalmente brasileiras, isoladas de flores, das nossas frutas de abelhas insetos polinizadores, do mel do pólen, né? com certeza tem e a gente tá aí pra mostrar que tem.
Pergunta da plateia: Vocês estavam falando da levedura brasileira e o que as pessoas estão procurando… Vou falar primeiro a minha opinião e depois eu quero ouvir a de vocês. Eu acho que o que é legal dessas explorações, seja no projeto Manipueira, ou seja, de você pegar a levedura XYZ daqui ou de outro lugar, é a gente testar e a gente simplesmente tá aberto a ver o que acontece. Do que a gente talvez esteja procurando uma determinada coisa. Por quê? Porque de qualquer forma, igual você falou, você fala, ah, eu vou pegar uma levedura brasileira pra fazer uma saizon, mas você já falando, vou fazer uma saizon, você já se fechou numa caixa. Você acaba se limitando, na verdade, pensando em terroir, pensando numa identidade sua, você já tá pensando, ok, a minha identidade de saizon vai ser alguma coisa igual eles fazem na Bélgica lá, mas talvez um pouquinho diferente. E agora em relação à levedura neutra. Se ela é neutra, ou seja, o neutro, imagino que querem dizer que é com pouco caráter de fermentação, pouco éster, pouco tudo, que destaque mais o ingrediente usado do que a fermentação. Até aí, e daí, se você isolou, o que você acha sobre isso?
Luciana: Se ela é neutra, e daí, se ela veio aqui do Brasil, se ela é de outro lugar, se ela não imprime nenhum caráter. o seu objetivo é que ela não imprime caráter no seu produto final que vai chegar no seu consumidor o que importa é a origem dela então isso é uma questão bem importante mas é o sonho, é o desejo das pessoas fazerem uma IPA com levedura brasileira não gente, IPA tem que ser com lúpulo brasileiro então essa é a ideia cada cerveja ela tem que ter para ter a identidade brasileira A gente pode explorar cada ingrediente talvez separado? Então, eu não preciso usar uma levedura brasileira que seja neutra? Para eu talvez fazer uma Brazilian IPA, porque o meu foco vai ser no lúpulo que vai ser brasileiro. E sobre a questão do se fechar no que a gente quer, basicamente a gente tem os testes, né? Capacidade de atenuação, floculação e o perfil sensorial no mosto neutro. Esses são os primórdios do que a gente faz. Peguei uma levedura, vou testar como ela funciona numa cerveja. Primeiro eu testo floculação, testo atenuação e faço um perfil sensorial no malte. Pilsen. Base Pilsen só. E aí ela me indica o que ela vai produzir.
Gabriela: Eu uso 6 IBU no máximo. Assim, né? Aí a levedura vai se expressar. A partir dali, eu vou te mostrar. Ó, eu tenho essas 10 leveduras com esses 10 perfis sensoriais com essas diferenças de atenuação e floculação. E você vai escolher o que você vai fazer. Ah, eu tenho uma receita que essa levedura vai contribuir porque eu preciso de um corpo mais baixo e um final seco com tal percentual de ésteres. E aí eu vou aumentar a complexidade da minha receita usando grãos que vão propiciar aumentar, sei lá, a produção de algum fenólico ou uma temperatura que vai aumentar a produção de ésteres ou vou tentar uma temperatura mais neutra. E aí a gente vê que o número de testes que a gente precisa fazer para conseguir caracterizar uma levedura é gigantesco, porque eu tenho que fermentar de 10 a 30 graus. Eu tenho que usar uma taxa de inóculo mínima até uma taxa de inóculo máxima, porque tudo isso vai influenciar fora os grãos, os ingredientes, os outros insumos que a gente coloca, né? Então, esse momento aqui é para justamente a gente mostrar que as leveduras existem e que a gente precisa demais dos cervejeiros. E o desenvolvimento, ele vai ser muito mais rápido se a gente conseguir trabalhar juntos. Porque não adianta a gente testar só em laboratório. É o que a gente acabou de falar na palestra anterior. Uma coisa ela está ali no laboratório, guardadinha nas condições, outra coisa ela está no teu mosto, com os grãos que tu usa. no mosto dele, na outra cervejaria, que aí resolveu fazer mil litros, vamos ver como é que fica. Então, essa interação é justamente para que a gente consiga um desenvolvimento mais rápido. Se vocês acreditarem na levedura brasileira, se a levedura brasileira for realmente alguma coisa que vai impactar no negócio de vocês, ou vocês realmente, vamos vestir essa bandeira e vamos ver o que acontece utilizando leveduras brasileiras. E aí, olhando para a levedura… e vendo o que ela vai entregar. E aí é legal isso que tu falou, não tá realmente fechado na caixa. A gente precisa pegar os dados básicos da levedura e eu vou entender o que ela pode me entregar pra desenhar uma receita.
Carola: Muitas vezes a levedura que a gente chama de selvagem, endêmica, ou o que seja, ela vai ter outras características diferentes. Então não adianta você pegar uma levedura, a levedura selvagem, e querer que ela faça uma IPA, uma lager, enfim, por aí vai. Você precisa entender também aquela levedura, o que ela é capaz. Então não é porque você isolou, porque tem muito disso. Pô, você isolou uma levedura lá do, sei lá, de uma palmeira… de não sei aonde, vou fazer uma IPA com ela. É, você tem que conhecer um pouco da levedura. Não vai ter a capacidade de fazer isso.
Luciana: Não, não, não, você consegue fazer. Até pra você entender qual… Bom, ela se enquadra nesses estilos aqui, mas também nada te impede de querer fazer. Eu vou que eu quero fazer uma IPA, sim, com essa levedura brasileira aqui que produz essa. Eu vou te falar, eu fiz uma session IPA com a Star Brasilis. Ficou frutada. ficou legal, ficou diferente eu acho que você pode do estilo, né mas é isso, com esse monte de lúpulo frutado um monte de biotransformação por que a gente não faz uma levedura frutada pra uma IPA?
Gabriela: A gente pode domesticar [a levedura]. Mas tem que entender que a domesticação em laboratório hoje é mais rápida. A gente está falando de fermentações de 7 mil anos e a gente conhece a levedura há 180 anos. Uns mil anos ali do pessoal fazendo essa domesticação. Sim, é possível. Primeiro, a gente tem que ter a levedura que esteja adaptada e que seja robusta para fermentar a cerveja. E depois a gente pode fazer uma domesticação dirigida em laboratório buscando um perfil mais neutro. Porque uma das grandes características de domesticação de levedura é a eliminação do gene POF. É o silenciamento daqueles genes que produzem esses compostos fenólicos. Essa é a grande marca da domesticação. Então, eu acredito que é possível domesticar as leveduras, tanto pra elas mudarem o perfil sensorial, aumentar a tolerância ao álcool, aumentar processos de floculação, enfim, várias coisas.
Pergunta da plateia: Sou o John, da cervejaria Roncolato. Quando vocês falaram bastante sobre o perfil que o cervejeiro procura de IPAs, eu discordei um tanto, assim. Na realidade, quando fala que quer procurar uma levedura brasileira, justamente o que ele acabou comentando, eu quero com TROA, eu quero com expressão ali. E a gente fala muito da levedura neutra, o S05, que seria a base de IPAs, mas IPAs que fizeram um grande sucesso e foram a grande onda são as Juicy, que tem uma expressão da levedura junto com o Lúpulo. Então, se você tem… o lúpulo brasileiro, que a gente tem uma experiência recente de ter usado muito boa, e junto com uma levedura nacional que ela tem algum tipo de interação com essas moléculas do lúpulo, os tiois, ou outras biotransformações, é muito interessante pra gente. Então, não fiquem com essa imagem do cervejeiro, a gente quer fazer coisas diferentes. A minha única preocupação: resistência dela à sanitização. Se a gente tem uma levedura muito resistente à sanitização, eu tenho receio de começar ela a contaminar outras cervejas.
Gabriela: Em geral, a gente vai procurar leveduras que não sejam esporuladas, leveduras que sejam aptas para o processo industrial.
Abriu-se o debate sobre motivos de decobrir uma levedura bruxa e como ela pode ajudar os cervejeiros em suas criações. Em seguida, há um questionamento sobre isolamento de uma levedura que seja de uma fruta, e isolar ela de outra fruta, completamente diferente. Isso expressa um éster diferente nela? Como é que funciona? Seria de mesma espécie?
Carola: Mesma espécie. É só ver a saccharomyces. Você tem uma gama de saccharomyces hoje em dia no mercado e elas são da mesma espécie, mas as linhagens são diferentes e elas vão expressar coisas diferentes. Então, sim, agora pensando no meio selvagem, você pode ter a mesma espécie e ela expressar diferentes características porque ela tá naquele meio ambiente. Pensa uma saccharomyces que vive numa frutinha fácil, ou uma saccharomyces que vive num tronco. É mais difícil viver no tronco, ela vai precisar de outras ferramentas para conseguir viver ali, consumir aquele açúcar que vive ali. Uma saccharomyces que vive num deserto ou uma saccharomyces que vive numa vinícola. É bem diferente.
Luciana: É composição. O substrato importa. Você faz, você utiliza a mesma linhagem de levedura para fazer cervejas diferentes. a quantidade de carbonos, nitrogênio, tudo que tá ali influencia, o pH influencia, a pressão influencia. Então ela vai influenciar no metabolismo da levedura pra produzir diferentes compostos.
Gabriela: Cara, se tiver um terroir, é que nem a Lu falou, é o tropical. Porque, e eu acho que na manipueira, a gente aprendeu uma coisa agora na palestra, e foi sensacional, que ela é muito regionalizada. Então, a gente vai pensar, no Brasil, tendo tantas diferenças sensoriais entre a manipueira de cada região, Então a gente tem que pensar, é um terroir brasileiro. Tem que ser uma coisa em comum pra todos os locais. E o que vai ser? Então assim, temos essa resposta? Óbvio que não. Começamos ontem. Então a gente precisa de um tempo ainda de experimentação pra tentar definir o que é um terroir brasileiro. E ele pode vir dos grãos, ele pode vir do lúpulo e ele pode vir, sim, da levedura também. A gente não precisa dizer assim nós temos um terroir brasileiro, ele tem que ser só isso. Porque a gente é muito grande, tem muitas variáveis.
Quais cervejarias brasileiras estão dispostas a não usar saccharomyces?
Gabriela: Ali já pensa assim, ó, veja bem, eu tenho que ter certeza que não esporula, que vai limpar e faz total sentido. É óbvio que a gente, como produtor de levedura, só vai oferecer alguma coisa que seja viável de ser utilizado na cervejaria. Ou então diz assim, ó, isso aqui é maravilhoso, mas é o capeta. Usa separado, né? Bota aí uma barreira física. Então acho que isso é uma obrigação nossa como fornecedor de dizer, isso é seguro de usar e isso você tem que ter um cuidado extra que também traz um perfil maravilhoso mas ele precisa ser usado com cuidado.
Pergunta da plateia: Essa questão do terroir nacional ou não, e como foi citado o queijo da canastra, tem uma coisa que tem muita relação com isso e que vai muito da cultura também do povo, da nossa população. Mas é a questão das indicações geográficas. É uma questão que eu venho trabalhando há algum tempo, e isso é muito comum para os vinhos, para os queijos e para os cafés. Então nós temos o queijo da canastra, nós temos o café do Cerrado Mineiro, da Alta Mogiana, nós temos o vinho do Vale dos Vinhedos. E isso na Europa é muito comum ainda, as regiões têm um nome próprio que define aquela característica local. E essa característica não necessariamente vem da terra ou do micro-organismo, mas é um conjunto de características, é um saber fazer local que envolve a parte biológica e a parte humana, inclusive a tradição. Simplesmente de ser daquele local você sabe, pô, lá é legal, lá é gostoso, lá é bom. e isso tudo tem características culturais, inclusive, que carregam aquele nome atrelado ao território. E esse território não precisa ser uma cidade nem um país, pode ser uma região. E eu tenho participado de grupos de discussões de indicação geográfica no Brasil, de vários produtos, e eu sou um dos que defende a indicação geográfica. Eu acho que pode ser um caminho para a cerveja também, assim como nós temos para vinhos, cafés, queijos, duas cachaças no Brasil. E nós temos… de Paratia de Salinas, já tem indicação geográfica, então, de regiões com características próprias, não necessariamente você vai falar, essa é da Levedura, ou essa vai ser do Malte, mas assim, eu sei que nessa região, essas características físicas, junto com esses produtores, trazem uma coisa diferente, que eu vou dar um nome para essa região. Então, isso que a indicação geográfica traz. É uma coisa que eu tenho defendido nos grupos, porque em geral, quando a gente fala de indicação geográfica de cerveja, o pessoal fala, não, isso não dá. A cerveja é um produto industrial, padronizado, tudo igual. E aí eu falo, não, é que vocês não conhecem muito bem.
Carola: É que nem você pensar também no lúpulo, no malte, na levedura brasileira. Não adianta, pra você construir uma escola, que nem você estava falando, brasileira, vai ser o conjunto de características. Vai ser o conjunto daquele lúpulo, aquele lúpulo específico, que foi ali produzido naquela região, a levedura. Pode ser até de uma outra região, entendeu? Mas aquele conjunto vai trazer isso, vai trazer essas características, esse terroir. E foi o que você falou, é muito a cultura também, a cultura de cada local. é a brasilidade, o conjunto vai ditar a obra, entendeu? Então você vai ter locais no norte e no sul do país que vão ter as suas características. Então é isso que é montar a escola brasileira, é você ter vários estilos ou não estilos que vai determinar a gente ser brasileiro, a gente ter toda essa diferença.
Gabriela: Mas aqui, pessoal, a gente tem que entender que nós estamos falando de duas coisas diferentes. Uma coisa é eu pegar a manipueira, que é a minha microbiota, local, regional, para fazer um produto como a gente testou várias manipoeiras que têm perfis sensoriais totalmente diferentes. Outra coisa é a gente trabalhar com uma levedura isolada ou um grupo de leveduras isoladas do Brasil. A gente não necessariamente vai ter esse terroir regional essa denominação de origem. Porque, como a Carola mostrou antes, na denominação de origem a gente tem… 400, 500, 200 micro-organismos trabalhando naquilo ali e não é possível mimetizar isso em laboratório. E aqui a gente está propondo a utilização e buscando leveduras brasileiras realmente isoladas daqui para serem trabalhadas individualmente. Então, só para a gente entender que são dois conceitos e um não exclui o outro, muito pelo contrário, um apoia o outro. A gente vai buscar as nossas leveduras brasileiras provavelmente nesses ambientes e de terroir local, regional, né? E é também uma outra coisa que eu queria mostrar é pra gente olhar pro nosso lado aqui. Quem tem interesse hoje são poucas pessoas. Então, a gente, como cervejeiro e como alguém que apoia a causa e tá disposto a testar, a gente precisa contaminar mais pessoas com essa ideia. Então, fazer cerveja, mostrar pro cara e dizer é bom. É possível, é viável, nós temos tecnologia, nós temos capacidade e recursos no Brasil para começar esse desenvolvimento. Então isso parte das cervejarias também, querer mostrar e ampliar essa ideia.
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