Neste papo chamamos Allan Maple cervejeiro e fundador da Fermentaria Local para contar como é a construção de negócio para uma cervejaria que trabalha com cervejas de fermentação selvagem. Cada cervejaria guarda em si uma história muito própria dos seus desafios e conquistas. Lud (IPAcondriaca) e Estevão Chittó (da Suricato) buscam desvendar os mistérios que esse tipo de cerveja tão especial guarda e que pode conquistar tantos bebedores apaixonados. Ouça o episódio na íntegra:

 

 

 

Caso Fermentaria Local

A ideia do episódio de hoje é democratizar o conhecimento sobre cervejas de fermentação selvagem para que o consumidor entenda e tenha mais vontade de experimentar cervejas ainda mais diferentes que as especiais.

 

O que é cerveja natural e selvagem? Como apresentar ao consumidor?

Allan destaca que é difícil iniciar essa conversa sem abordar questões filosóficas que, muitas vezes, podem não levar a uma conclusão definitiva. Ele esclarece que o que será compartilhado aqui não deve ser considerado uma definição final, tampouco algo digno de registro em um livro, mas que é essencial utilizar exemplos para ilustrar. Sua abordagem vem da experiência adquirida em eventos voltados para um público que não é beer geek.

Ao começar essa conversa, o termo “natural” é particularmente eficaz, pois ajuda a comunicar a ideia de que toda fermentação, afinal, é natural. Esse termo se conecta com o conceito popular de “pão de fermentação natural”, algo que as pessoas geralmente compreendem bem, e é esse mesmo conceito que ele utiliza para introduzir a ideia de cerveja natural ou selvagem.

Durante eventos, quando ele apresenta uma seleção de quatro tipos de chope e inclui uma cerveja selvagem, certas características se destacam em relação à cerveja convencional: a ausência de amargor, o aumento da acidez e a falta de dulçor. Esses elementos oferecem uma experiência sensorial semelhante à de consumir um espumante.

Allan explica que, nesses eventos, suas cervejas já são, em essência, diferentes, e que a narrativa, o preparo e a degustação fazem parte integral da experiência. Ele acredita que uma pequena amostra é fundamental para que o público compreenda plenamente a proposta apresentada.

Sobre as prateleiras e rótulos, Allan explica que busca não sobrecarregar o consumidor com informações, usando descrições mais universais para que quem mostre interesse nas cervejas consiga entender os sensoriais de forma direta. O mercado de cafés especiais tem feito isso com sucesso, e alguns já possuem no rótulo e no título o sensorial esperado por aquele produto. Allan têm aplicado a mesma técnica em suas cervejas naturais.

Chittó aponta que precisamos ter cuidado com a diferença entre classificação de cervejas e marketing e o debate avança para comparações do mercado nichado de cervejas naturais com a dos vinhos naturais.

 

Como vender cervejas especiais em espaços diferentes?

Ao apresentar produtos como os da Fermentaria Local e outros rótulos diferenciados em diversos pontos de venda, é essencial adaptar a comunicação ao público-alvo. Como explica Allan, cada ambiente exige uma linguagem própria: a de um restaurante é uma, a de uma feirinha que conecta diretamente com o produtor é outra, e ainda outra é a de uma feira de produtos naturais. E não basta apenas o cliente estar interessado; é fundamental que a equipe que realiza o serviço tenha pleno conhecimento sobre o produto para argumentar com confiança.

Chittó enfatiza a necessidade de treinamentos frequentes para a equipe de atendimento, destacando que, sempre após essas sessões de capacitação, as semanas seguintes trazem um aumento significativo nas vendas. Nos restaurantes que realmente desejam investir na venda de produtos especiais, com valores mais elevados, a presença de um sommelier dedicado pode fazer toda a diferença.

Quanto ao conceito de “selvagem” na cerveja, Allan esclarece que ele remete a algo “não domesticado”. Ao contrário de domesticar um organismo, domá-lo significa respeitar suas características originais e deixá-lo atuar com mais liberdade dentro do processo de fermentação. Na fermentação selvagem, utiliza-se organismos nativos, o que possibilita um controle maior e uma conexão com o método de produção. No entanto, para uma cerveja selvagem destinada à venda, é necessário ter mais cuidado, especialmente com o equilíbrio da acidez, para tornar o produto agradável ao paladar.

Allan também observa que os termos que descrevem essas cervejas ainda estão em construção e que o momento da venda é ideal para trabalhar o conceito de natural, trazendo elementos de terroir e da conexão com a terra, que ressoam com o consumidor moderno. Esse tipo de comunicação aprimorada não só educa o cliente, mas também reforça a experiência autêntica de consumir uma cerveja com uma história e um propósito.

 

Vamos falar do futuro da Fermentaria Local e da cerveja selvagem e natural?

fermentaria, foto de mão segurando lúpulosPara Allan, cada ano traz novos aprendizados e um crescimento constante para a Fermentaria Local. Ele observa que, com o tempo, o processo de fermentação espontânea vem se aprimorando, mas é importante esclarecer um mito: fermentações espontâneas, em seu caso, só acontecem em intervalos de quatro anos. O objetivo é manter consistência e buscar melhorias contínuas, sempre em direção a um produto cada vez mais equilibrado e complexo.

Embora ainda encontre desafios em explicar o conceito e o valor de suas cervejas ao público, Allan vê isso como um processo gradual, comparável a uma caminhada constante e não a uma corrida. Ele acredita que as cervejas selvagens e naturais não têm a intenção de substituir as lagers e que não precisam disputar espaço com elas. Assim como ele sempre teve o desejo de ver suas criações nas mesas de restaurantes, entende que esse espaço é muitas vezes dominado pelo vinho. No entanto, ele afirma que essas cervejas artesanais têm um lugar próprio e único, um espaço onde podem oferecer experiências de harmonização bem diferentes.

Para Allan, o futuro das cervejas ancestrais e selvagens envolve mais do que apenas oferecer um produto diferenciado; ele busca criar uma cultura ao redor dessas cervejas, contando a história de sua criação e promovendo uma conexão mais profunda com o consumidor. Afinal, a verdadeira experiência vai além do copo, envolve o contexto, a narrativa e o prazer de experimentar algo genuinamente especial.

 

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O que o vinho natural pode ensinar a cerveja artesanal | SdL #232

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Nana Ottoni

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