Para encerrar esta temporada de Encontros Selvagens, vamos explorar o futuro da cerveja selvagem no Brasil e na América do Sul. Confira a mesa redonda mediada por Diego Simão (Cozalinda), com a participação de André Junqueira (Morada Cia Etílica), Anderson Olarte Carpio (Perú) e Carla Cisneros Zuniga (Perú). Ouça na íntegra:
Sobre o programa e o encontro:
Em 2023, o segundo Encontro Selvagem recebeu o apoio do Conselho Federal de Química (CFQ) e contou com palestrantes internacionais. A semana também foi marcada pelo lançamento da primeira safra das cervejas do Projeto Manipueira e pela estreia da Feira Selvagem, um evento de negócios e degustação dedicado às cervejas ácidas e complexas do Brasil, além de rótulos convidados do exterior.
Encontro Selvagem é um programa realizado pelo canal Surra de Lúpulo e Abracerva, com o apoio do Conselho Federal de Química nesta temporada. Siga @encontroselvagem no Instagram para não perder nenhum conteúdo. Apresentado por Diego Simão (Cozalinda), Bia Amorim (Farofa Magazine), Ludmyla Almeida e Leandro Bulkool (ambos do Surra de Lúpulo).
O futuro da Cerveja Selvagem no Brasil e América do Sul
Retornamos agora para a última mesa redonda, que discutirá o futuro da cerveja selvagem. Já exploramos a América Latina, fomos para a Bélgica, abordamos temas de herança e cultura, e agora, é hora de olhar para o futuro, especialmente com a selvageria.
Diego explica que como mediador da última mesa, a conversa será com colegas do Peru. Em vez de focar apenas no mercado brasileiro, é o momento de pensar mais amplamente sobre o futuro da cerveja sul-americana. Recentemente, têm ocorrido alguns movimentos pontuais e tímidos de integração sul-americana na produção de cerveja. Talvez o segundo Encontro Selvagem tenha representado mais um passo, por menor que seja, para o desenvolvimento da cena cervejeira sul-americana.
Após degustar as cervejas dos participantes, ficou evidente que há pontos em comum, como características de fermentação e perfis de malte. Há um grande interesse em fazer cervejas colaborativas para entender como os diferentes milhos influenciam os resultados.
A certeza é que a cerveja sul-americana está evoluindo. A primeira pergunta vai para André: considerando os últimos dois dias de palestras, o que você acredita que o futuro reserva para o mundo da cerveja? Levando em conta que iniciamos um processo de melhor qualificação de juízes e de pessoas capacitadas para identificar a qualidade da cerveja selvagem. Essa foi uma tarefa importante, trazendo palestrantes do meio acadêmico para apontar possíveis pontos cegos. O workshop destacou esses pontos para que possamos corrigi-los.
André vê um grande potencial de crescimento para o futuro das cervejas selvagens, destacando que ainda estamos em uma fase inicial de compreensão das melhores formas de comunicação e classificação dessas cervejas. Ele observa que, enquanto os produtores se interessam pelos aspectos técnicos da produção, os consumidores estão mais preocupados com a experiência no copo.
A qualificação dos juízes e a melhoria da qualidade são essenciais para evitar que defeitos confundam os consumidores e prejudiquem o mercado. André ressalta a importância de entender e valorizar as culturas e tradições latino-americanas, promovendo intercâmbios e colaborações para fortalecer a cena cervejeira sul-americana.
Ele enfatiza que é crucial continuar o diálogo focado na qualidade e bons resultados, plantando boas sementes agora para uma colheita futura saudável. É fundamental evitar erros passados e garantir uma comunicação clara e adequada com o público consumidor, pontos de venda e restaurantes, para o desenvolvimento sustentável do mercado de cervejas selvagens.
“E é muito engraçado porque não é coisa tão incomum escutar que é impossível fazer malte de milho. É impossível fazer cerveja de milho e a gente tem gente fazendo há tanto tempo. Então assim, foi chocante pra gente nesse sentido de sobre como grande é a nossa própria ignorância sobre os produtos sul-americanos. Então, assim, queria muito ouvir de vocês como é que vocês observam agora do outro lado, como é que vocês observam a gente e como é que vocês observam a América do Sul como um todo, enquanto integração, enquanto conversa, porque a gente pouco se conversa, a gente quer conversar”. – Diego
Carla destacou a importância dos encontros sobre cerveja selvagem na América Latina, mencionando um pequeno evento no Equador em 2021 e agora no Brasil, dois anos depois. Ela ressaltou que, apesar das diferenças regionais, há muitas tradições e práticas em comum, como as fermentações naturais e o uso de ingredientes locais como milho, trigo, quinoa e kiwicha.
Ela também enfatizou que a história cervejeira das Américas é rica e interconectada, com uma base comum que se diversificou regionalmente. Ela vê um grande potencial em recuperar e valorizar essas tradições, promovendo mais encontros e iniciativas para fortalecer a conexão entre países como Peru, Brasil, Equador, Colômbia e Venezuela. Ela também mencionou a importância dos embaixadores cervejeiros que representam suas culturas no exterior, facilitando a troca de conhecimentos e a valorização das tradições locais.
Carla e Anderson discutiram o mercado de cervejas selvagens e bebidas tradicionais no Peru. Carla mencionou que há um crescente interesse em produtos locais, impulsionado pelo turismo gastronômico, onde a gastronomia peruana e o pisco são fortes atrativos. No entanto, a chicha, uma bebida tradicional, ainda é vista como um produto popular e não recebe a atenção devida como um produto premium. Carla destacou que alguns restaurantes, como o Central de Virgílio Martínez, já produzem sua própria chicha, atraindo um público exigente e conhecedor, como sommeliers e foodies.
Anderson complementou dizendo que, embora o público para essas bebidas ainda seja pequeno no Peru, há um interesse significativo de turistas estrangeiros, que estão mais dispostos a experimentar a chicha e outras inovações. Ele observou que os tours gastronômicos estão ajudando a introduzir essas bebidas tradicionais a um público mais amplo, mostrando o potencial para expandir esse segmento de mercado.
Carla e Anderson discutiram como a gastronomia peruana tem suas raízes nas tradições domésticas, com pratos como anticuchos, lomo saltado e ceviche originando-se das casas. Eles notaram que a revolução gastronômica no Peru elevou os preços da comida tradicional, tornando-a menos acessível, o que tem seus prós e contras.
Carla também mencionou que a produção de chicha requer um ano de trabalho, o que justifica um preço mais alto em comparação com a chicha tradicional vendida a preços baixos. Ela enfatizou a importância de inovar sem abandonar as raízes e apoiar a produção local, mas reconheceu que é necessário adaptar-se para alcançar novos públicos e mercados.
Anderson destacou que, para ganhar visibilidade e crescer, é crucial buscar oportunidades e conexões, especialmente em Lima e no exterior, já que estar em Cusco pode limitar a visibilidade. Ambos concordaram que essas mudanças são necessárias para atrair a atenção de novos públicos e expandir o mercado para suas bebidas tradicionais.
O Encontro Selvagem foi visto como uma oportunidade de integração e valorização da ancestralidade e riquezas naturais da América Latina.
O movimento atual de reaproximação do homem com a natureza foi destacado, juntamente com a importância de resgatar as tradições e o conhecimento dos povos originários. A América Latina é apresentada como um continente rico em recursos, como a batata, os glaciares da Patagônia e a Amazônia, com o potencial de liderar e influenciar o mundo.
O evento, agora histórico, permite a troca de conhecimentos sobre fermentação tradicional, com a sugestão de que o milho poderia ser uma grande força para desenvolver leveduras e maltes únicos representando a diversidade da região.
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