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Surra de Lúpulo #123: Caso cervejaria Dogma com Bruno Moreno

ONDE OUVIR:
capa do episódio

Olá, pessoal! No episódio do Surra de Lúpulo dessa semana, vamos esmiuçar o verdadeiro case da Cervejaria Dogma. De cigana até a fábrica própria, com diversos bares em sistema de franquia em São Paulo. Para entender toda essa evolução e muito mais, estamos com Bruno Moreno, médico e um dos sócios da cervejaria. Ouça na íntegra:

 

 

✨ O programa Surra de Lúpulo conta com o apoio dos nossos queridos Mecenas Empresariais ✨ Cervejaria UçáViveiro Van de Bergen e Prussia Bier.

 

 

Caso Dogma

 

De olho no case: A cervejaria Dogma é considerada a melhor cervejaria brasileira pelo Ratebeer Best 2015, 2017 e 2018. Também foi aclamada com o prêmio Melhor Chope de São Paulo, pela Veja SP em 2019, 2021 e 2022.

 

A Dogma nasce em 2015 da união de 3 sócios e cervejeiros donos de suas próprias marcas. Por que se unir? Qual foi o modelo de negócio inicial da Dogma? 

 

“A Dogma, a semente da empresa, começou em um grupo de e-mail chamado Cervejeiros Paulistanos, por volta de 2010. Então, acho que o primeiro contato foi entre eu e o Leonardo; eu era o Sérgio Três Pontas, o Leonardo era o Prima Sátio, e o Luciano, a cervejaria noturna. Nós fazíamos cerveja em casa. No início, a proximidade era maior entre eu e o Léo. Fizemos uma compra de lúpulo na WE. Naquela época, a WE já existia, né? Compramos juntos para economizar no lúpulo e dividir o frete. Sobrou lúpulo e chamei o Léo para fazer cerveja juntos. Compramos juntos, fizemos cerveja juntos, bebemos juntos. Assim começou a amizade. Depois, o Luciano também entrou no grupo, começamos a conversar, trocar dicas de viagem, etc. A amizade começou daí.”

 

Dogma Cervejaria | Reprodução Instagram
Dogma Cervejaria | Reprodução Instagram

No mercado cervejeiro de 2009, 2008, 2010, para quem gostava muito de IPA e cervejas mais intensas, as opções eram limitadas. Embora houvesse algumas iniciativas diferentes, como a Body Brown, que sempre se destacou com suas IPAs, como a Perigosa, Bruno e seus colegas sentiram que havia espaço para suas cervejas. Decidiram então formar uma espécie de cooperativa, já que nenhum deles tinha recursos suficientes para produzir lotes individuais, adotando uma abordagem de cervejeiros itinerantes. Eles estabeleceram uma parceria com a Multifoods, a Multibir, que ainda hoje é sua distribuidora em São Paulo. Essa colaboração permitiu a produção de lotes iniciais, vendidos à distribuidora para financiar os próximos passos da empresa.

Com o decorrer dos primeiros meses, especialmente no primeiro ano, eles perceberam a necessidade de investir em marketing e em outros aspectos da empresa. Dividir esses custos entre três pessoas era desafiador. O lucro das vendas de cerveja sustentava esses investimentos, mas administrar três marcas distintas causava confusão nos pontos de venda. Eles não eram vistos como cervejarias independentes; o mercado os considerava como um conjunto. Assim, unificar tudo sob uma marca forte pareceu a decisão mais sensata. Contrataram uma empresa de branding, cujo proprietário acabou se tornando um executivo de marketing de alto escalão na Ambev na Europa. Isso ilustra o crescimento no mercado cervejeiro ao longo do tempo. A empresa ganhou prêmios de design e foi capaz de consolidar uma marca forte, proporcionando os recursos necessários para seu desenvolvimento, antes bastante artesanal. A unificação permitiu o investimento adequado na marca, sendo esse o principal fator impulsionador do crescimento.

 

 

Bruno segue explicando o período em que foram uma cervejaria cigana:

 

“Porque a gente tinha a empresa, a Dogma começou em 2015. Em 2016, começamos a construção do Brew Pub, mas o Brew Pub só foi inaugurado em agosto de 2017. Então, já tínhamos dois anos de Dogma, trabalhando 100% por contrato. A primeira cervejaria que produziu para nós foi a Invicta. O Rodrigo foi o primeiro a enxergar a possibilidade de produzir nossas cervejas, pois até então todo mundo para quem batíamos na porta… ou não tinha espaço, porque, por exemplo, falar com a Body Brown para produzir minha cerveja na época era inviável, pois ele não tinha espaço para nos acomodar e eu seria um concorrente direto para ele. Outras cervejarias também não viam sentido em fazer aquele tipo de cerveja, pois fugia muito do que era normal para eles. O Rodrigo, porém, topou. Topou iniciar nossas produções. Depois, fomos para a Blondine com o Luísio, e também produzíamos na Blondine e na Tupiniquim. A Tupiniquim foi fundamental para começarmos a distribuir nacionalmente essas cervejas.“

 

Qual foi a importância do reconhecimento do Rate Beer para a Dogma enquanto marca e cervejaria?

 

“Depois que a Ambev comprou o RateBeer, ele acabou perdendo muita relevância ao longo do tempo, especialmente dentro do mercado mais geek que era quem fazia as avaliações lá. Mas principalmente no primeiro ano em que ganhamos, em 2015, o RateBeer e o Beer Advocate eram o supra-sumo do Beer Geek, era aquilo lá. Havia poucos brasileiros fazendo avaliações. Uma diferença fundamental entre o RateBeer e o Beer Advocate em relação ao Untappd é que o RateBeer e o Beer Advocate nunca aceitaram avaliações sem nada escrito, né? A ideia era que aquelas avaliações servissem como feedback para o produtor.”

 

Bruno considera o Untappd uma ótima ferramenta para ter um termômetro sobre como as coisas estão indo no mercado cervejeiro, se estão melhorando, piorando ou se há algum problema pontual. No entanto, como uma ferramenta de feedback geral, ele acredita que o Untappd é um pouco fraco devido ao fato de que a maioria das pessoas não escreve nada em suas avaliações. Ele enfatiza que não sabe o que um 4 significa para uma pessoa, nem o que um 3 significa para outra. Sem uma explicação, fica difícil interpretar se uma avaliação é positiva ou negativa, e por quê. Bruno entende que, sem a obrigação de escrever algo, as avaliações no Untappd perdem um pouco de relevância como feedback detalhado.

Ganhar o reconhecimento do RateBeer, especialmente nas duas primeiras vezes em que foram convidados para a festa, foi extremamente significativo para Bruno e seus colegas. Ele descreve os festivais como indescritíveis, com todos servindo o melhor que podiam. Essa conquista foi crucial para criar referências e estabelecer contatos com outras cervejarias. 

 

Conta para a gente um pouco de como foi a questão da Cerveja Cafuza com a imagem de uma mulher escravizada. Como vocês lidaram com essa crise, qual foi o aprendizado e, claro, os frutos desse aprendizado?

 

Fotografia de Alberto Henschel, restaurada e colorida por Marina Amaral
Fotografia de Alberto Henschel, restaurada e colorida por Marina Amaral

 

“Eu acho que é importante olhar para a Cafuza, porque não podemos encarar esse caso como apenas o lançamento de uma cerveja que deu errado por causa do rótulo, gerando uma repercussão negativa. Na verdade, essa cerveja esteve no mercado profissionalmente por nove anos.”

 

A recente repercussão negativa da Cafuza representou uma das primeiras vezes que enfrentaram um desafio desse tipo, evidenciando as lacunas do mercado em relação a determinadas questões. Bruno enfatiza que não enxergar um problema é um reflexo da falta de reflexão sobre o mesmo.

No contexto em que a Cafuza foi concebida, havia uma percepção de harmonia racial na concepção da miscigenação brasileira como algo belo. No entanto, após um aprofundamento nas raízes do problema com a Cafuza, por meio de um projeto realizado com a SAB. Glauco, Sula, Bruno e sua equipe aprenderam que a miscigenação brasileira não é tão idealizada quanto pensavam, pois foi moldada por violência contra mulheres negras e tentativas de embranquecimento da população. 

Essa constatação foi impactante. Após reconhecerem a importância de pedir desculpas, Bruno e sua equipe sentiram a necessidade de ir além. Assim, lançaram o projeto Griot, com as cervejas Quintu, Montu e Rantu, desenvolvidas ao longo de três anos e continuam produzindo esporadicamente. Essas cervejas foram concebidas em colaboração com sommeliers negros, como uma genuína homenagem e valorização da população negra. Esse projeto foi essencial para estabelecer uma nova relação com os consumidores e aprofundar a compreensão de questões que não estavam anteriormente em sua realidade.

Lud destaca que naquela época não se tratava de paz racial, mas sim de um silêncio racial e ignorância em relação a essas questões. Ela observa que atualmente muitas pessoas estão falando sobre o letramento racial e a compreensão dessa história, reconhecendo o quanto essa narrativa foi apagada e ofuscada por outras questões.

 

A questão da precificação também é uma forma de posicionamento de mercado? Produtos mais caros são mais almejados? Como é a experiência de vocês nesse sentido?

 

“A primeira coisa é que a cervejaria deixou de ser a mais cara há muito tempo. Se pensarmos em IPA, hoje as latas da Dogma custam de 10 a 15 reais mais barato do que muitas outras cervejarias. Em relação a essa questão de preço, a Dogma foi a primeira cervejaria a lançar uma IPA com uma carga tão grande de lucro, como foi o caso da Rizoma. A partir daí, dentro do modelo tributário brasileiro, é impossível esse produto ser barato.”

 

Dogma Cervejaria | Reprodução Instagram
Dogma Cervejaria | Reprodução Instagram

Na perspectiva de Bruno, ele destacou que a mudança tributária de 2015, durante o governo Dilma, teve um impacto significativo nas regras tributárias, especialmente para os distribuidores de cerveja, que passaram a arcar com impostos federais. Isso resultou em um aumento nos custos de qualquer cerveja artesanal. Bruno lembra que, na época em que começaram, uma garrafa de 330 ml custava 18 reais, considerado um valor alto. Com a mudança na política tributária, esse mesmo produto passou a custar no mínimo 26 reais, devido aos novos impostos sobre os distribuidores.

Ele ressalta a importância de compreender que a carga tributária sobre a cerveja no Brasil é de praticamente 50%. Quando iniciaram, operavam como cervejaria cigana, produzindo por contrato, o que implicava que outra cervejaria lucrava com os produtos que fabricavam. O objetivo sempre foi maximizar as vendas, o que exigia preços acessíveis para atrair mais consumidores. Para Bruno, essa abordagem não se tratava de posicionamento, mas sim de negócio, visando garantir a lucratividade da empresa diante da alta tributação e dos custos envolvidos na produção.

Atualmente, um pint de Pilsen da Dogma, envelhecido por 30 dias, pode ser encontrado por 15 reais em seus bares, enquanto uma Heineken custa em média 20 reais em estabelecimentos comuns. A cervejaria busca oferecer opções para todos os gostos e bolsos, planejando revisar os preços para tornar suas cervejas mais acessíveis no mercado em geral, não apenas nos seus bares.

Bruno reconhece os desafios de ser uma cervejaria pequena, com capacidade de produção de 40 mil litros por mês, em comparação com cervejarias maiores. No entanto, estão empenhados em aumentar o volume de produção e reduzir os preços, com o objetivo de oferecer produtos de qualidade a preços mais acessíveis. Estão atualmente revisando seus preços e planejam implementar mudanças no próximo mês, visando atender melhor às demandas do mercado e dos consumidores.

 

O Edson, nosso querido viajante cervejeiro, está aqui dando o prazer da sua ilustre presença. Ele trouxe aqui uma situação que aconteceu com vocês há um tempo atrás, de latas que explodiram e etc. O que vocês também aprenderam com isso? Você tem algum insight pra dar pra gente nesse assunto?

 

“Foi a primeira grande crise da Dogma, não é mesmo?

Poucas pessoas se recordam disso, mas quando se tenta algo novo, é inevitável sair da zona de conforto. “

 

Na época da Rizoma 2, a cervejaria enfrentou um problema significativo. Desde então, decidiram não mais utilizar números nas Rizomas. Utilizaram um fermento chamado Kona, conhecido por sua instabilidade. A fermentação parou, não muito diferente do esperado, mas o suficiente para que ocorresse uma refermentação, resultando no estufamento de latas. Foi uma crise crucial para a empresa, mas também marcou a conquista de uma parte significativa do público fiel. Nem todas as latas estouraram, é claro, mas muitas delas sim.

Todas as pessoas que entraram em contato relatando problemas receberam reposição. Pediram desculpas, repuseram as cervejas e garantiram que os clientes recebessem um produto de qualidade, sem prejuízos. Muitos consumidores se tornaram fieis à marca devido a essa postura. Claro, houve alguns comentários desagradáveis, especialmente de pessoas do meio cervejeiro, algumas delas com problemas em suas próprias produções. Apesar disso, optaram por não rebater publicamente, mas enviaram mensagens a alguns, chamando a atenção para a falta de ética em seus comentários.

No geral, o público entendeu que a Dogma estava tentando algo novo e enfrentou um contratempo, mas estava fazendo o possível para corrigir o erro.

 

Falando da expansão de negócios. No começo você contou qual o plano de negócios inicial. Agora explica para gente sobre essa evolução de partir para bares próprios, fábrica maior,  franquias, e-commerce operado pelo Clube do Malte etc.

 

“Eu acho que as coisas precisam acontecer um passo de cada vez, não é mesmo? Começamos com a Dogma, abrimos o Brewpub, e quando o Brewpub deu certo, introduzimos a possibilidade de franquia. Em seguida, veio a fábrica. Agora, com a fábrica em operação, nosso objetivo principal é fortalecer a marca e expandir para além do mercado cervejeiro tradicional.”

 

Dogma Cervejaria | Reprodução Instagram
Dogma Cervejaria | Reprodução Instagram

O plano principal da empresa atualmente é manter a qualidade das receitas, o que sempre foi o ponto central da sua estratégia. Contudo, estão em curso reformulações na estrutura da empresa visando a redução dos custos finais e a expansão do mercado. Essas mudanças não se limitam apenas à estrutura organizacional, mas também abrangem o catálogo de produtos. O objetivo é criar uma variedade de produtos que satisfaça desde os consumidores de Pilsen até os apreciadores das cervejas premium, como a Rizoma, mantendo sempre a identidade de produzir cervejas únicas.

Para atingir essa meta, há planos de reduzir o ritmo de lançamentos. Com a atual variedade de 380 tipos de cervejas, pretende-se reintroduzir algumas cervejas antigas, continuar lançando novos produtos, mas com um foco maior em uma linha de produtos estável e com um preço mais competitivo, visando ampliar o acesso à marca. Essa estratégia é vista como o próximo passo essencial para garantir a permanência da empresa no mercado e sustentar seu crescimento contínuo.

Bruno acredita que o mercado está passando por um ajuste de percurso pós-pandemia. Ele observa que o crescimento do mercado de cerveja artesanal foi significativamente impactado pela pandemia, que acelerou a erosão da renda da população devido à inflação e a uma expansão monetária expressiva. Embora os índices de inflação estejam mais controlados atualmente, Bruno prevê que a tendência de corrosão da renda continuará, sendo um processo que a pandemia acelerou consideravelmente.

Esses desafios dificultaram o crescimento contínuo do mercado de cerveja artesanal, especialmente quando comparado à rápida expansão da oferta de cervejas artesanais. Bruno destaca que o número de cervejarias praticamente sextuplicou, passando de 300 para 1.800. Diante desse cenário, ele acredita que qualquer cervejaria que almeje um crescimento contínuo precisará pensar em estratégias para expandir o mercado de cerveja artesanal, trazendo mais pessoas para apreciar esse tipo de cerveja.

 

👉Ouça também Surra de Lúpulo: Surra de Lúpulo #15: Madu Vitorino, da Pretas Cervejeiras, debate racismo e feminismo no mercado brasileiro

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