No programa de hoje, vamos falar de um assunto extremamente técnico, as regulações cervejeiras. Esse tema que pode ajudar vários donos de fábricas e brewpubs, e também muitos consumidores. Para esse papo cabeça chamamos Carol Assumpção, da Ciclo Alimentos, Engenheira de alimentos e Mestra e Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Ouça nosso papo na íntegra:
O Surra de Lúpulo conta com o apoio dos nossos queridos Mecenas Empresariais: Cerveja da Casa, Cervejaria Uçá, Viveiro Van de Bergen e Prussia Bier.
Sobre as tais regulações cervejeiras
Carol, explica um pouco do seu trabalho para além das fábricas e brewpubs?
“Eu sou engenheira de alimentos, então, já há 12 anos. E eu trabalho muito com responsabilidade técnica de indústria de bebidas no geral. Mas eu comecei a trabalhar com isso com cervejarias. Então é algo que eu faço até hoje, eu atendo diversas cervejarias, tenho uma empresa de consultoria e de assessoria que se chama Ciclo, aqui em Porto Alegre, e atendo Porto Alegre e região, atendo o interior do Rio Grande do Sul, trabalhando então com a responsabilidade técnica. Mas além disso, atendo também de uma forma geral os serviços de alimentação, que a gente chama que são restaurantes e bares, cuidando da parte de supervisão higiênica sanitária”.
O que faz um responsável técnico numa fábrica ou brewpub? Nós já ouvimos histórias de gente que procura esses profissionais apenas para assinar documentos, quando na verdade deveria haver um acompanhamento constante feito por esse profissional.
“O responsável técnico, o famoso RT, como ele é obrigatório para a indústria de bebidas, no caso as cervejarias, para ter registro no mapa, aquela coisa toda, para a indústria ser legalizada, então se tornou algo que vem aqui, assina para mim e a pessoa nunca aparece lá. Mas, na verdade, é o profissional que acompanha todo o processo produtivo, desde a entrada da matéria-prima na fábrica, recebimento de malte, núcleo, levedura, tudo mais, até a saída da cerveja. Então, tudo que acontece lá dentro é de responsabilidade do RT e ele precisa supervisionar. Então, tem toda uma questão de controle de qualidade, manter o padrão do processo, registrar o processo. O URP pode auxiliar no desenvolvimento de novas receitas, de novos produtos, tem a supervisão do processo para garantir a eficácia e a segurança da parte técnica mesmo da bebida. Entram assuntos regulatórios, que significa o quê? Deixar todos os produtos e o estabelecimento dentro das normas vigentes, da legislação que é vigente no Brasil atualmente. E entra também a parte de rotulagem. Então a parte de deixar todo o formato técnico de rótulos que fornecem para o consumidor todas as informações sobre aquele produto também é de responsabilidade do RT. Então vocês veem que é bem abrangente. Quando a gente faz esse serviço de forma como uma assessoria, a gente não está todos os dias na fábrica, né? Mas a gente vai com uma frequência, enfim, combinada com o estabelecimento e consegue acompanhar todos esses processos.”
Carol reforça a necessidade de arrumar o brewpub todo dia como se fosse recever o MAPA.
Qual é a maior pedra no sapato quando falamos de fábricas cervejeiras e brewpubs? E como esses donos de negócios devem fazer para prevenir essas intempéries?
“É importante lembrar também que fábricas e brewpubs, para a legislação, é tudo a mesma coisa. Então, tudo é indústria de bebidas. Para fins de legislação é tudo igual. Mas eu acho que o que eu mais vejo é a falta de controle de processo mesmo, sabe? É porque, assim, quando a fábrica, por exemplo, é pequena e está iniciando e tudo mais, é uma equipe muito reduzida. Então aquela equipe tem que dar conta de gestão, tem que dar conta de vendas, tem que dar conta de marketing, de tudo. E aí alguns itens da fábrica acabam ficando um pouco esquecidos. E eu acho que o controle da produção, a padronização do produto final, deixa um pouco a desejar. Por falta, talvez, de conhecimento, por falta de tempo, enfim, mas para quem está começando. Eu acredito que é principalmente isso. E uma… Algo que eu vejo muito também acontecer é uma rotatividade altíssima de colaboradores. Altíssima. Então, exigem sempre novos treinamentos continuamente. É um trabalho contínuo.”
Lud comenta que a fala da Carol sobre turnover remete à fala da Carol Oda no episódio Atendimento, serviço e treinamento com Bia Amorim e Carolina Oda.
Carol segue: “E aí vira uma fábrica de mil registros, uma base de cerveja para variadas receitas que saem dessa base, justamente. Mas entram questões mais complicadas também, que fogem do controle da empresa. Por exemplo, empresas menores não têm um poder de barganha com o fornecedor. Não conseguem comprar uma matéria-prima, às vezes, manter a qualidade da matéria-prima, não conseguem manter a consistência da matéria-prima, entende? Então, isso influencia diretamente no produto final, não preciso nem dizer. Então, tem outras coisas relacionadas.”
Vamos falar de rotulagem. Eu tenho impressão, sobre o pouco que já li sobre esse tema, que é uma questão grave e séria. Em linhas gerais, o que tem que constar no rótulo hoje obrigatoriamente? O que é opcional? E como acontece a fiscalização disso?
“A gente teve, inclusive, uma mudança grande de legislação de rotulagem no Brasil nos últimos dois, três anos. Então, assim, quando a gente olha para o rótulo de uma cerveja, painel principal aqui de uma cerveja, quando a gente bate o olho, a gente tem o painel principal. Tá. Ali naquele painel principal, de cara, a gente tem… Ter a marca comercial da cerveja, que é o nome da cerveja. A gente tem que ter, isso eu tô falando, tem que ter obrigatoriamente, tá? A denominação da cerveja, se é uma cerveja, se é uma cerveja de trigo, se é uma cerveja puro malte. É preciso ter conteúdo líquido. Quanto tem naquela embalagem? Isso é o que eu tenho que ter obrigatoriamente no painel principal da embalagem. Nas laterais, enfim, em outra parte do rótulo, eu preciso ter. Teor alcoólico da cerveja. em porcentagem de volume, preciso ter dados completos de fabricante, onde fica, qual é o CNPJ, quem é a empresa, né? Preciso ter o número do registro do mapa, lista de ingredientes, lista de alérgicos. Deixa eu ver o que mais. Frases de advertência, por exemplo, esse produto é proibido à venda para menores de 18 anos. É algo também que é obrigatório para a cerveja. Tá. Cerveja não é obrigatório ter tabela nutricional, né? Então, a gente… É opcional, tu pode ter, mas pode não ter também. Eu, particularmente, acho que nunca vi nenhuma cerveja com tabela nutricional até hoje. Falar de estilo, amargor, cor, serviço, isso tudo é opcional no rótulo. O rótulo tem que trazer todas as informações necessárias para o consumidor. Beber aquela cerveja e segurança também, incluindo, por exemplo, o modo de conservação. Conserva em que temperatura? Pode ficar em temperatura ambiente? Tem que ficar refrigerado? Então tudo isso tem que ser expressado via rótulo. Por isso é tão importante rotular bem uma cerveja. E é muito difícil encontrar cervejas com rótulos 100% corretos. A galera erra em coisas assim, que eu diria básicas. A galera erra em não colocar, por exemplo, uma lista de alérgicos. É, por exemplo, colocar teor alcoólico em ABV. ABV não é nosso. Não é o que a gente precisa fazer. A gente precisa colocar em porcentagem de volume. Se eu entregar um rótulo para um consumidor leigo, ele vai me perguntar o que é isso. Então, não vou ficar falando aquilo que é errado, colocar num rótulo. Eu aproveito aqui para espalhar a palavra da ouvidoria do mapa, porque realmente o mapa, infelizmente, não tem fiscalização suficiente, eles não têm pessoal suficiente para ficar em cima de todas as frentes ao mesmo tempo. Então, fiscalização de rotulagem ocorre muito de forma aleatória, quando eles vão em alguma cervejaria fazer uma vistoria de rotina ou por denúncia. E rótulo é uma coisa que a gente não consegue se defender, a indústria não consegue se defender, porque a legislação está aí para ser consultada e ninguém pode dizer que não conhece a legislação. Um erro em rótulo é multa na certa. Eu acho que o pessoal arrisca muito, talvez por falta de conhecimento, talvez porque quer ter um rótulo bacana e não quer colocar tudo do jeito que precisa ser colocado. Não sei, mas é bem difícil encontrar rótulo 100% correto.“
Você tem acompanhado o projeto ABNT NBR 17098 – Produção de cervejas, Requisitos de boas práticas de fabricação e controle operacionais de processos? Como você percebe a aplicação desta Norma para a melhoria contínua da segurança das bebidas e alimentos?
“Pois é, os documentos da BNT são documentos técnicos voluntários, que eles não têm poder de lei. Então, assim, ao mesmo tempo que me entristece ter que acontecer esse tipo de movimento e esse tipo de documento ter que existir, Para haver um movimento de boas práticas e controle de processos dentro de fábricas, isso me deixa chateada. Por quê? Isso já é o básico a ser feito, né? A gente já tem lei que diz isso. A gente tem ali a RDC 275, que é de 2002. Então, tem um tempinho aí de estrada, que é só de boas práticas de fabricação, para todas as indústrias. Não importa se é de bebida, se é de comida. Enfim, a gente já tem ali o que deve ser feito. Tudo bem, concordo que na parte de controle de processo seria um documento muito interessante para a gente ter uma homogeneização, uma uniformidade dos controles nas cervejarias. Apesar de que portos diferentes de cervejarias têm controles diferentes, né? Mas, enfim, esse projeto estava em consulta pública, se não me engano, até a metade do ano passado e que eu saiba, ele não saiu ainda. “
Gostaram do bate papo? Não se esqueçam que quem é mecenas, recebe conteúdo extra.
Seja um mecenas do Surra de Lúpulo clicando aqui!
Leia também: Surra de Lúpulo #183: O poder do consumidor periférico com M.M. Izidoro
O que bebemos durante o programa? Carol bebe Heineken; Lud bebe Kolsch, da Prussia Bier; Leandro bebe Duvel.