Dia desses, me deparei com um texto em que o autor, jornalista e sommelier de cervejas, listava suas razões para ter deixado de lado o mercado de cervejas artesanais. Dentre os motivos citados, ele aponta que a “comunidade cervejeira se revelou reacionária, racista, machista, homofóbica e misógina”. Eu ainda poderia acrescer novos off-flavours, mas deixarei para um momento mais oportuno.
A publicação foi amplamente compartilhada por pessoas próximas que, de uma maneira ou outra, também fazem parte da tal “comunidade cervejeira”, dando robustas pistas que não se tratava apenas de uma percepção individual do autor, mas de uma espécie de desencanto coletivo com o mercado das cervejas artesanais. Longe de mim questionar as motivações que levam alguém a deixar algo de lado, eu mesma tive vontade de sair correndo e jogar tudo para o alto diversas vezes, mas em uma sociedade em que cada um dos fatores apontados são estruturais e estruturantes, teríamos nós para onde correr?
Não há revelação
Nos meus tempos de pesquisa acadêmica, vivia brincando que gostaria de me citar. A ideia era ter publicado tantos artigos sobre o meu objeto de pesquisa (processos fermentativos) que seria possível usar “segundo MENV Lima” em minhas próprias publicações. Ainda que não vá constar no Lattes, gostaria de resgatar um trecho de uma entrevista que dei para a revista o Guia da Cerveja, em 2021:
“O setor cervejeiro não é uma ilha. Apesar de possuir diversas peculiaridades, é estruturado por uma sociedade racista, elitista, LGBTQIAP+Fóbica e, consequentemente, reflete tudo isso”.
Pouco mudamos de 2021 para cá, portanto, retirar-se de determinada comunidade ou grupo por não comungar dos mesmos valores (ou da falta deles), não seria capaz de promover mudanças significativas já que esses mesmos valores são partilhados por uma parcela significativa da população brasileira. É, essa mesmo que se recusa a abrir mão de seus privilégios históricos.
“Cale e cansaço, refaça o laço” – Emicida
Não são poucos os exemplos em que grupos minoritários “hackearam” sistemas de opressão. Dentro do contexto cervejeiro, diversas estratégias vêm sendo utilizadas para a construção de novas narrativas, sociabilidades e um ecossistema mais saudável como um todo.
Puxando sardinha para o meu lado, destaco o “Rolezinho das Pretas Cervejeiras”, em que mulheres negras plurais se reúnem em espaços cervejeiros para celebrar suas existências e se divertir. Espaços revolucionários como o GrajaBeer Pub que se destaca por sua ação sócio empreendedora no Bairro do Grajaú, promovendo o fortalecimento econômico local e a Cultura Cervejeira periférica, nas palavras de seu fundador, Leandro Sequelle e o Torneira Bar, espaço de cerveja artesanal com 100% da equipe formada por pessoas trans e não- binarias.
Fora do eixo Rio-SP, em Belo- horizonte, trazendo manifestações culturais pouco presentes em espaços dedicados à cerveja artesanal, o Saruê, com sua roda de samba, gastronomia de boteco e rótulos artesanais a preço único, representando as tradições e cultura da população local e a 2BlackBeer, localizada em frente à pista de skate do Viaduto Santa Teresa. No dia que estive por lá, estava rolando um trap…
As análises de mercado do Catálise, a parceria da Cervejaria Implicantes com a mestre cervejeira Sul-Africana Apiwe Nxusani-mawela, combinando sabores e saberes brasileiros e africanos e os diversos movimentos de mulheres cervejeiras e as pessoas que chegam para somar e apoiar uma cena cervejeira mais diversa são as razões porque eu não desisti da cerveja artesanal.
Leia também: Confrarias femininas com Beatriz Pimenta (Confradelas)
– Escrito por Maria Eduarda Victorino, uma das fundadoras do Pretas Cervejeiras
Uma resposta
Ótimo texto! Crítico e didático, sem ser derrotista. A sua “autocitação“ é excelente.
Parabéns para a colunista! Continue trazendo suas reflexões e dicas!