No episódio 71 do nosso podcast sobre cervejas artesanais, Surra de Lúpulo, a jornalista Barbara Gancia relata sua experiência com o alcoolismo, tema relevante para a sociedade e apreciadores de cerveja artesanal.

Colunista do jornal Folha de São Paulo, ex-apresentadora do programa “Saia Justa”, exibido pelo canal GNT e autora do livro “A Saideira”, Barbara conta que lida com o alcoolismo diariamente. Sem muito limite também em relação à comida e à falar “coisas extravagantes”, nossa entrevistada se sente obrigada a se observar o tempo todo.

“Eu tinha uma esposa que dizia que minha lápide seria: “Enfim ela se calou!”. Tenho que ficar sempre observando meus limites”.

Barbara relata sua experiência com o alcoolismo

A jornalista conta que a pergunta que mais ouve de quem a aborda é sobre como identificar o alcoolismo. Para ela, a linha é muito tênue e o melhor jeito é justamente perceber a ausência de limites, quando a bebida começa a trazer problemas para sua vida ou quando você não se lembra do que fez na noite anterior. Sem beber há 14 anos. Barbara não se considera uma especialista em alcoolismo, mas sim da sua própria história, contada e publicada no livro “A Saideira”.

“Esperei meu pai e minha mãe morrerem pra lançar meu livro e evitar dar esse desgosto pra eles. Também precisava de um tempo de sobriedade, pois parei e voltei várias vezes nos últimos vinte anos antes de interromper com o vício definitivamente”.

Alcoólicos Anônimos

A jornalista revela que finalmente se viu como alcoólatra na primeira vez que visitou o AA. Ali ela constatou que tinha problemas com a bebida e depois disso nunca mais bebeu da mesma maneira, percebendo que aquilo não era uma fraqueza de caráter e sim um defeito grave, uma dor que outras pessoas também sentiam. Segundo ela, quando você toma conhecimento de que você é uma alcoólatra, a maneira de beber muda.

“Eu tenho essa história de dependência e não sei quem eu teria sido se não tivesse, é inseparável da minha pessoa. Não é porque estou há 14 anos sem beber que eu posso dizer que não sou mais aquela Barbara, aquilo faz parte da minha história. Hoje eu só tenho uma força e uma visão de mundo, além de uma capacidade de não julgar as pessoas que estão nessa situação, pois sofri muito pra chegar onde estou”.

“O primeiro mandamento é admitirmos que somos impotentes perante o álcool. Só o fato de você se render a essa verdade já é uma vitória enorme para quem bebe e quer parar”.

Leandro lembrou de seu já falecido pai e os problemas que ele também enfrentou por conta do alcoolismo, encontrando tratamento em um programa de reabilitação que exigia isolamento total do paciente. Barbara afirma que isolar-se é fundamental, pois qualquer acontecimento pode se tornar um gatilho: uma notícia no jornal, um telefonema, uma informação nova vinda de fora. O alcoólatra tem pouca resistência à frustração, qualquer problema se torna uma desculpa.

Só Por Hoje

No livro, Barbara conta um pouco da história de Bill W. e Dr. Bob, ambos fundadores do Alcoólicos Anônimos. Os dois começaram a ter conversas fora do bar e isso os ajudava a não beber. Daí veio a famosa frase “Só por hoje não vou beber”, o que situa o dependente no momento atual, visto que o alcoolismo diminui a perspectiva de futuro. Eles também elaboraram o programa dos 12 passos baseado também num aspecto de religiosidade, pois sendo o alcoólatra muito autocentrado, é necessário ter algo maior que ele para que aprenda a desenvolver a humildade.

“O Jung cita que destilado em inglês chama spirit (espírito) e quando você bebe você tem essa excitação, uma euforia que normalmente você mesmo produz sozinho com a serotonina, a dopamina, hormônios que trazem uma sensação de felicidade e conforto. No caso do alcoolismo, se você praticar por muito tempo e em grandes quantidades pode acabar alterando o metabolismo, fazendo o organismo parar de produzir esses hormônios”.

Livro ‘A Saideira’ e gatilhos do alcoolismo

Lud citou um trecho do livro de Barbara sobre impulsividade e a necessidade constante de domar nossos demônios internos. A jornalista conta que a ansiedade é um dos fatores causados pela ausência desses hormônios, deixando mais vulnerável à dependência quem os produz em menor quantidade. Quem começa a beber mais cedo, antes dos 18 anos, tem muito mais probabilidade de ter um problema sério de dependência. A própria indústria já tenta evitar e chamar atenção para isso, aconselhando não beber antes de ter toda a formação sináptica e toda a maturidade desenvolvida.

Para nossa convidada, o alcoolismo é uma doença de compulsividade com 3 vertentes: social, hereditária e psicológica. Muitas vezes, apesar de ser uma doença, o alcoólatra é julgado moralmente, pois acaba envolvendo a família e as pessoas ao redor. A própria OMS já se atentou a isso, desenvolvendo programas que possam instruir as pessoas desde cedo sobre os riscos do consumo excessivo de álcool.

“O alcoolismo é uma doença mortal, incurável e progressiva. Ela vai piorando com o tempo, as quantidades aumentam. É como uma vela que vai queimando: se você parar por 35 anos no meio da vela, quando você voltar vai ser de onde parou. Você volta a consumir a mesma quantidade de antes”.

Brasil, AA e o alcoolismo

Leandro perguntou sobre a relação da sociedade atual perante os dependentes químicos. Lud também comentou sobre o fato do alcoólatra ficar para sempre estigmatizado, mesmo depois de tratado.

Barbara considera o Brasil um país muito hipócrita, carente de campanhas educativas ou qualquer tipo de conscientização sobre o assunto. Barbara lembrou do caso da Ambev e do Pão de Açúcar que fizeram uma campanha obrigando os funcionários dos caixas a pedir declaração de idade na hora do consumidor comprar bebidas alcoólicas, o que gerou um sentimento de ofensa entre os clientes.

“Não tem uma pessoa pública que fale sobre isso (o alcoolismo), o AA no Brasil é visto como uma entidade do mal, lugar de gente maluca e infeliz, sendo que reunião do AA é de vencedores pois quem tá ali dentro é porque quer parar. É melhor estar ali do que no boteco às 4 da manhã”.

Barbara comenta sobre a necessidade de permanecer frequentando o AA mesmo depois de ter a compulsão controlada já que é normal começar a minimizar o problema com o tempo achando que já está totalmente curado. Segundo ela, os dependentes não se curam do alcoolismo, apenas aprendem a controlar sua compulsão:

“A gente não se cura de certas características, estamos sempre voltando para aquela situação que nos foi desfavorável de certa forma”.

Vida social

Lud perguntou como fica a vida social sem o consumo de bebidas alcoólicas. Barbara conta que o livro também é para dizer às pessoas que é possível parar de beber e achar graça na vida. Ela conta que desistiu de largar o vício por muitos anos, pois achava que a vida ia perder a graça.

“Pra mim existe uma distinção entre abstinência e sobriedade: abstinência era quando eu ia numa festa e ficava revoltada com todos bebendo menos eu. Sobriedade é como estou hoje em dia, vou a festa e penso – ‘Olha esses tontos, bebendo, engordando, amanhã estarão de ressaca e eu vou acordar sabendo onde eu dormi, com quem eu dormi, vou lembrar de tudo que eu falei e vou curtir do mesmo jeito!’ – Voltei a produzir serotonina, não sou mais escrava da bebida”.

Alcoolismo funcional

Lud falou sobre o alcoolismo funcional, pessoas que bebem em excesso e mesmo assim conseguem manter uma vida aparentemente normal, trabalhando e mantendo relações sociais. Barbara conta que trabalhava com jornalismo o que trazia uma certa tolerância em relação aos horários já que eram comuns os plantões pelas madrugadas e feriados, permitindo a ela dormir e acordar tarde.

Entretanto, Barbara conta que até hoje tem algumas questões mal resolvidas com seus irmãos que ainda relacionam o excesso de consumo de bebida a uma falha de caráter e não tem o que os demova disso. Por outro lado, todos tentam manter um relacionamento afetivo e na medida do possível ser condescendentes uns com os outros.

“Nunca perdi um prazo, nunca deixei de entregar uma matéria por causa da bebida. Eu tinha 3 sonhos recorrentes: um deles eu caía de avião, no outro era meu cachorro que caía pelo prédio (minha psiquiatra falava que o cachorro era eu) e o outro era que o jornal estava fechando e eu não tinha entregue minha coluna. Eu tenho uma seriedade, mas ao mesmo tempo não me levo a sério”.

“Essa conjunção me trouxe a possibilidade de fazer o que eu bem entendesse. Mas as pessoas têm que lembrar que o alcoolismo é progressivo, você não consegue se manter funcional por muito tempo. Seu problema vai piorando, você começa a ter problemas de saúde, seu comportamento vai mudar, uma hora vai dar uma merda muito grande. E seu casamento também não vai durar, aposto um picolé de limão”.

Vergonha e culpa

Leandro falou sobre a vergonha e a culpa que o vício traz até mesmo na hora de comprar a bebida, o que já seria um alerta para o alcoolismo. Barbara comenta que a ressaca moral e a culpa são uma escravidão. Ela acrescenta que a chegada dos smartphones com câmeras e acesso instantâneo às redes sociais também contribuiu para que ela parasse de vez com o álcool:

“Sempre fui uma bêbada extravagante, que chamava atenção. Achei melhor parar por aqui senão ia dar alguma merda”.

A indústria e o alcoolismo

Lud questionou o papel da indústria no incentivo à educação de consumo. Barbara acha que esse movimento vem crescendo. A Ambev está investindo em uma série de programas que diminuíram os acidentes de trânsito, ao mesmo tempo já existem mudanças nas leis e as verbas de sustentabilidade já são bem maiores nas empresas. Também houve uma grande mudança quanto ao aspecto clínico já que antigamente haviam apenas uma ou duas clínicas de reabilitação, geralmente com médicos ignorantes, conta Barbara.

“Eu gosto de ser otimista e pensar que o Brasil deu saltos importantes nesses últimos quinze anos. Mesmo assim a gente tem que pressionar mais como sociedade”.

Surra de Lúpulo

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