No episódio de hoje do Surra de Lúpulo, vamos mergulhar num tema que amamos: números, especificamente os do mercado cervejeiro. Nosso foco será o Anuário do MAPA 2023, recentemente divulgado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária. Para enriquecer nossa discussão, contaremos com a presença de dois especialistas do Ministério: Vitor Oliveira, engenheiro agrônomo e editor fiscal federal agropecuário desde 2014, atualmente coordenador geral de vinhos e bebidas, e Eduardo Marcusso, geógrafo, mestre em sustentabilidade, doutor em geografia, sommelier de cerveja e cervejeiro caseiro. Eduardo também é conhecido por sua consultoria na Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Cerveja e por sua contribuição fundamental ao mapa.

 

Ouça na íntegra:

 

Anuário do MAPA 2023 inovações e dados frescos

 

Homem inspecionando uma cervejaria

Pra contextualizar o leitor, o Anuário da Cerveja do MAPA é uma publicação anual elaborada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que reúne dados e análises abrangentes sobre o setor cervejeiro no Brasil. O anuário serve como uma importante fonte de referência para profissionais da indústria, pesquisadores, investidores e entusiastas da cerveja, proporcionando insights valiosos para entender a dinâmica e o desenvolvimento desse mercado que tanto amamos e que está sempre em constante evolução.

 

Vamos começar com a primeira pergunta feita diretamente para Vitor e Eduardo.

 

🔹 No que as informações do Anuário do MAPA ajudam na construção de políticas públicas?

 

Eduardo responde destacando que o anuário do MAPA 2023 é fundamental para consolidar informações sobre o mercado cervejeiro. Ele menciona que, antes de 2016, não havia dados oficiais, apenas estimativas de mercado. A publicação e melhoria contínua desses dados fornecem subsídios para que governos federais e estaduais tomem decisões informadas, baseadas em evidências, ao formular políticas públicas. Eduardo ressalta que a discricionariedade do poder público deve ser baseada em fatos e dados, e que o anuário proporciona uma base sólida para discutir a produção de cerveja e avançar nas políticas públicas, um processo complexo que se beneficia de informações robustas.

Em sua fala, Vitor explica que o anuário do MAPA fornece uma visão detalhada da distribuição geográfica dos estabelecimentos cervejeiros, destacando quantos existem em cada região do Brasil e a média de produtos registrados por local. Ele menciona que, dentro da estrutura do Ministério da Agricultura, na Secretaria de Defesa Agropecuária, esses dados são essenciais para o gerenciamento de risco e a eficiência das atividades de fiscalização. Com isso, as associações do setor utilizam essas informações para discutir suas demandas com outras esferas do governo, buscando influenciar políticas públicas e legislações relevantes. O anuário, portanto, oferece uma base estruturada que direciona ações e decisões tanto do governo quanto do setor cervejeiro.

 

Prancheta🔹 Acreditamos que é importante para entendermos melhor o trabalho do Anuário, que você nos explique quais foram os critérios usados para o tratamento dos dados apresentados?

 

Ao falar de dados, Vitor destaca que o anuário compila uma vasta gama de dados sobre o mercado cervejeiro, extraídos das bases de dados do próprio Ministério da Agricultura. Cada cervejaria deve ter um registro ativo para operar, permitindo ao MAPA monitorar o número de estabelecimentos, produtos e marcas, totalizando 1.847 estabelecimentos em 2023. O anuário também inclui dados sobre importação e exportação de cerveja, obtidos do Agrostat e do Comextat, além de informações sobre emprego no setor, coletadas do CAGED, do Ministério do Trabalho e Emprego. A novidade deste ano foi a inclusão do volume de produção nacional, uma exigência das normas de regulamentação que se assemelha à declaração anual do imposto de renda. Esses dados abrangentes são essenciais para entender o mercado e guiar a formulação de políticas públicas.

 

🔹 Nos critérios para o tratamento dos dados, vocês mencionam que contabilizam “estabelecimentos elaboradores de cerveja com registro válido no ano de 2023” ou seja empresas que foram certificadas pelo MAPA por 10 anos. É possível que neste grupo existam empresas que estão ativas no mapa, porém inativas na vida real? Vocês têm alguma estimativa ou margem de erro?

 

Vitor 💬 “O dado ali já está descontado, registros novos por registros cancelados. Então, eventualmente, quando a gente apresenta aquele aumento, a gente já está fazendo esse desconto daquelas que fecharam. O que pode acontecer dentro dessa margem de erro colocada é o registro estar válido no Ministério da Agricultura, mas a empresa deixou de funcionar por qualquer outro motivo, seja econômico, enfim, a decisão ali do empreendedor, do cervejeiro, e ele não deu baixa no registro dele no Ministério da Agricultura. Então é uma situação que pode acontecer, mas eu não diria que é uma situação, não é a regra, talvez seja a exceção dentro desses números.”

 

casa luxuosa, homem tira chope lindo e espumoso🔹 O que é o cálculo de densidade cervejeira? 

 

Vitor explica que o cálculo utilizado pelo MAPA é o número de estabelecimentos por habitante. Nacionalmente, com 1.847 estabelecimentos frente à população brasileira conforme o IBGE, isso resulta em uma cervejaria registrada para cada 109.952 habitantes. Esse cálculo também é feito por estado e município. No Rio Grande do Sul, por exemplo, há mais cervejarias para uma população menor, indicando uma densidade mais alta. Ao cruzar esses dados com os de produção, observa-se que o Sul tem um volume de produção declarado menor por estabelecimento, indicando pequenas produções em cada unidade. O anuário destaca essas diferenças regionais, mostrando que a escala de produção no Nordeste é diferente do Sul, refletindo na densidade cervejeira. Esse método de cálculo foi inspirado por uma publicação da Associação de Cervejeiros dos Estados Unidos.

Marcusso acompanha o mercado cervejeiro há 15 anos e sempre buscou uma base de dados sólida. Ao chegar no MAPA, viu a necessidade de disponibilizar essas informações para fomentar pesquisas acadêmicas e transformar dados em conhecimento útil para a sociedade. Ele menciona uma apresentação na Brasil Brau onde comparou dados do MAPA com os da British Association, uma associação dos EUA focada em seus associados e sem regramentos de política de dados, diferente do MAPA, que é um órgão público. Eduardo destaca a importância de dados como a densidade de cervejarias por habitante e área, utilizados para políticas públicas e fiscalização. Ele explica que no Rio Grande do Sul há mais cervejarias para menos pessoas, enquanto no Nordeste há menos cervejarias, mas elas produzem mais. A análise de dados também mostra que regiões com menos população, como o Norte, têm menos cervejarias. Ele enfatiza que dados detalhados são essenciais para discussões como a redução de impostos estaduais, pois mostram o impacto econômico positivo das cervejarias.

 

🔹 A taxa de crescimento de estabelecimentos registrados em 2023 foi de 6,8%. E ela é a menor dos últimos 18 anos. As outras duas menores foram em 2001 com 2,5% e 2005 com 4,8%. Eram épocas cervejeiras e econômicas diferentes. Como vocês percebem esses ciclos?

 

Eduardo 💬 “Essa é uma análise que a gente não coloca dentro do anuário. Se a gente for ver lá, a gente faz aquele comentarista do jogo, né? Ah, a bola saiu, chutou na trave, etc. A gente não tem essa competência, a gente nem pode ficar fazendo análise de mercado, porque a gente regula o mercado.”

 

Vitor comenta que, embora o anuário do MAPA não explore profundamente certos temas, eles são interessantes para discussões informais. Ele exemplificou com o cenário de 2005, quando o Brasil talvez estivesse em uma condição econômica melhor do que hoje, embora o mercado cervejeiro ainda estivesse em estágio inicial. Ele destacou a expansão da cultura cervejeira, mencionando que em 2005 poucas pessoas conheciam tipos específicos de cerveja, como IPA e Weiss, enquanto hoje muito mais gente está familiarizada com essas variedades. Ele também abordou o aumento do poder de compra e o crescimento do PIB, embora esses temas não sejam tratados no anuário. Vitor explicou que esses assuntos são mais adequados para discussões mais qualificadas, como as que ele aborda em sua tese de doutorado, mas não são o foco do anuário.

 

Vitor 💬 “Acho que talvez exista uma informação que esteja escondida nesses números, que é o crescimento absoluto. E se vocês compararem o anuário, essa última versão com a versão anterior, a anterior a gente não trazia o crescimento absoluto, e a gente fez questão de incluir agora. Por quê? Naturalmente, quando você está no universo de 1.729 estabelecimentos, que eram os números de 2022, você já tem aí saturado um crescimento ano após ano, que quando você vai fazer esse crescimento relativo, você vai ter um percentual menor, porque você está com um universo maior. Mas em números absolutos, quando você vê o crescimento de estabelecimentos em números absolutos, ele é o oitavo da série histórica. Então, de 2000 para 2023, enquanto em percentual ele ganha só de dois, aparentemente, 2005 e 2001, mas em números absolutos foram 118 novos estabelecimentos e é o oitavo maior crescimento dessa série histórica. Então, claro, quando você está num universo maior, percentualmente, esse 118 vai parecer menos, mas em números absolutos, ele é um crescimento considerável.”

 

Eduardo explica sobre a tendência de estagnação no crescimento observada nos Estados Unidos há duas décadas. Ele explorou a saturação no mercado cervejeiro brasileiro, questionando se novas cervejarias são necessárias em diferentes estados como São Paulo, Mato Grosso, Santa Catarina e Bahia. Eduardo também destacou a influência da tributação sobre a cerveja artesanal nos Estados Unidos nas décadas de 80 e 90, comparando-a com a sensibilidade do consumo de cerveja no Brasil em relação ao poder de compra.

 

Cervejaria pequena🔹 A grande novidade deste ano é a quantidade de produção anual declarada +15 bilhões de litros de cerveja. Quais foram os desafios para chegar nesse número? E vocês conseguem estimar quanto desse número refere-se às cervejarias de menor porte?

 

Vitor 💬 “Esse ano, 2024, foi a primeira vez que a gente teve o uso do sistema no portal GovBR, o portal de serviços do governo federal, para que fosse feita a declaração anual de produção e estoques. Por exemplo, se a gente pegar o decreto 6871 de 2009, que é o que regulamenta a cerveja, então desde 2009, pelo menos, já existia essa obrigação de se fazer a declaração. E essa declaração era feita, mas não havia um sistema que a gente pudesse trabalhar essas informações. Então a gente recebia a declaração em forma documental, papel. E aí para você sistematizar isso tudo, de todos os estabelecimentos registrados, era incompatível se gerar informação precisa para o anuário, essa informação que a gente está dando aqui no anuário. Então, a partir do momento que a gente teve o desenvolvimento desse sistema e ali saiu também uma instrução normativa, uma portaria, a portaria 615 de 2023, que estabeleceu esse sistema como o meio a ser utilizado para se fazer a declaração.”

 

Ele continua explicando que o desenvolvimento de um sistema no portal GovBR em 2024 permitiu pela primeira vez a sistematização das declarações anuais de produção e estoque de cerveja no Brasil, regulamentadas desde 2009 pelo decreto 6871. Anteriormente, essas declarações eram feitas em papel, dificultando a análise e compilação dos dados. A implementação do sistema, apoiada pela portaria 615 de 2023, possibilitou a coleta de informações detalhadas, como a porcentagem de cervejas puro malte, sem álcool e de baixo teor alcoólico. Vitor também discutiu os desafios na definição de pequenas cervejarias devido à falta de critérios claros, sugerindo a necessidade de uma norma legal para essa distinção, similar aos critérios estabelecidos para outras bebidas reguladas pelo Ministério da Agricultura.

 

🔹 Vocês acreditam que seja importante para o mercado pensar na estratificação das cervejarias por porte de produção?

 

Vitor explica que, do ponto de vista regulatório e de segurança alimentar no Ministério da Agricultura, as exigências para produtos como polpa e suco de fruta são rigorosas e não podem ser flexibilizadas, pois garantem a segurança do consumidor. No entanto, ele destacou a importância de políticas públicas transversais que possam apoiar a agricultura familiar, incentivando a agregação de valor aos produtos agrícolas. Isso foi exemplificado pela criação de categorias como suco e polpa de fruta artesanais, similar ao histórico desenvolvimento de normas para vinho artesanal associado à produção de uva por pequenas vinícolas. Vitor sugeriu que uma definição clara para cervejarias artesanais poderia abrir portas para políticas similares, facilitando o desenvolvimento desse nicho e promovendo benefícios adicionais para o setor.  Além disso, ele diz que cervejas artesanais são nomeadas como “especiais”.

Continuando com sua explicação, Vitor enfatiza que a segurança alimentar é uma prioridade absoluta no Ministério da Agricultura, e não pode ser flexibilizada, pois um alimento deve ser seguro para ser considerado como tal. Ele comparou essa rigidez necessária na regulamentação de produtos como polpa e suco de frutas artesanais e vinho colonial, onde normativas específicas facilitam o registro e a fiscalização desses produtos. Vitor propôs que uma definição clara para cervejas artesanais poderia trazer benefícios similares, como o aumento de estabelecimentos registrados e consequentemente um mercado mais regulado e seguro. Ele destacou a importância de uma definição precisa para garantir que os objetivos de segurança e regulação sejam alcançados, evitando resultados indesejados e promovendo um ambiente justo para todos os participantes do mercado cervejeiro.

 

 

🍻 tim-tim e até a próxima 🍻

 

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👉 Ouça também: Surra de Lúpulo #216: A história das Alewives

Nana Ottoni

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