No episódio de hoje do Surra de Lúpulo, Ludmila e Leandro conversam com Marcos Roberto sobre acessibilidade no mercado cervejeiro – focado em pessoas surdas. Marcos é professor com formação em Letras pela UNIFRAN, tradutor intérprete Educacional de Libras, Beer Sommelier pela Science of Beer, mentor do projeto “Experiência dos Sentidos” e responsável pelo Cerveja Artesanal em Libras.
Sobre os direitos linguísticos de pessoas surdas:
Marcos em 6’44’’: Quando a gente fala de direito linguístico a gente está falando na verdade de direitos humanos. É fundamental que toda criança tenha acesso a uma língua, que ela seja educada e se aproprie de uma língua. E da mesma forma, acontece com os surdos. Às vezes a gente nem se dá conta porque é tão natural pra nós, né? Nós nascemos e crescemos ouvindo, aprendemos uma língua naturalmente… e isso acontece com eles também. Mas quando falam de direitos linguísticos é porque eles preconizam o reconhecimento e respeito da língua de sinais como de fato uma língua. Desde dezembro de 2002, a língua de sinais foi reconhecida como língua. Até então já haviam estudos linguísticos sobre a língua de sinais e de fato é uma língua com todos os níveis de análise, nível morfológico, semântico, pragmático como qualquer outra língua. Então quando o surdo fala de direito linguístico é o direito de usar a língua de sinais, de ter acesso ao conhecimento, seja o que for, na língua materna deles – que é a língua de sinais. Às vezes é um erro, as pessoas confundem a língua de sinais como a segunda língua oficial do país, mas não é. No Brasil, nós só temos uma língua oficial, sendo o português. Mas a língua de sinais é a língua oficial da comunidade surda. É basicamente o direito de ir e vir, de viver, com sua língua materna.
Acessibilidade no Mercado Cervejeiro e o projeto Cerveja artesanal em Libras
Marcos em 16’24’’: O projeto começou de uma maneira bem despretensiosa. Eu decidi criar um perfil no instagram – eu já conhecia alguns amigos surdos – e decidi filmar e colocar ali pra galera. E deu certo e a galera começou a pedir conteúdo. Até que eu me deparei com 5 surdos no Rio grande do sul com condições financeiras que queriam abrir uma cervejaria. O grande problema: agora teremos que nos profissionalizar. Eles tentaram o curso e tentaram estudar, mas não conseguiram. Até então, as escolas nem cogitavam receber alunos surdos e eles acabavam desistindo. Isso me tocou muito, eu com a experiência que eu tenho na área de tradução e interpretação, já trabalhei com isso a mais de 20 anos, posso contribuir com alguma coisa. E foi aí que surgiu a ideia de fazer conteúdo cervejeiro em língua de sinais. E o negócio foi dando certo e foi crescendo. Diversas cervejarias nos procuraram para deixar o conteúdo mais acessível… E foi então que uma cervejaria de Brasília, a Bezy, nos procurou e nós fizemos o nosso primeiro rótulo acessível. Era um rótulo em QR code que você apontava e aparecia conteúdo em libras.
A comunidade surda brasileira e Libras
Marcos em 23’31’’: Hoje a questão escolar, educacional é problemática. Pra você ter uma ideia, eu sou efetivo em uma universidade há oito anos. Há oito anos que meu cargo foi criado para atender uma demanda. Mas até então, como esses surdos chegavam na universidade. A maioria não chegava na universidade, eles não tinham acesso. Agora você imagina no ensino médio, no ensino fundamental, na educação infantil em que você briga com o sistema educacional. Olha, você tem ali um aluno com uma necessidade linguística especial. A questão do surdo é uma questão linguística – para tirar a patologia da linguagem – e colocamos em outro viés, um viés sociológico. Muitos surdos não sabem ou aprendem a língua de sinais porque chegam mais tarde nas escolas e aprendem o português primeiro.
Ações de inclusão de pessoas surdas em cursos e escolas cervejeiras
Marcos em 27’39’’: O que a escola pode fazer é dizer que é acessível. E aí se entrar algum surdo, corra atrás para acessibilizar o conteúdo em língua de sinais. Porque isso é um direito e estamos falando agora em termos legais. Se o PCD surdo se matriculou, a escola tem que garantir que todo o conteúdo seja repassado na língua do surdo, ou seja a língua de sinais.
Marcos complementa que quanto mais visual for o conteúdo, mais fácil ficará para o aluno surdo e para o resto da turma.
Ações afirmativas que melhoram a acessibilidade no Mercado Cervejeiro
Marcos em 33’53’’: Quando falamos de ações afirmativas, sempre pensamos em questões políticas. Você ter dispositivos legais para fazer que algo funcione de fato. Prefiro dizer que a gente deveria trabalhar pelo viés da equidade, ou seja, reconheço que de fato não somos todos iguais e devemos ajustar esse desequilíbrio. Uma ação afirmativa já temos, é uma lei que garante que o surdo tenha acesso a sociedade como um todo na sua língua.
De forma bem clara, o uso do intérprete de libras é fundamental para inclusão das pessoas surdas.
Marcos em 40’47’’: A gente teve a ideia de produzir um curso que fosse ministrado direto em língua de sinais. Para isso, contei com a ajuda de duas cervejarias aqui de Uberlândia, a Captain Brew e Alienada. Nós sentamos, produzimos o material e optamos por fazer tradução simultânea, mas fizemos alguns ajustes porque nossos alunos eram apenas surdos. Foi um barato esse curso, ele abriu portas! Foi fantástico.
Recentemente, a Science of Beer formou os primeiros sommeliers surdos, você pode ler mais sobre aqui.
Obrigada pelo bate papo incrível, Marcos. Acessibilidade é fundamental, além de ser um direito.
Até a próxima!
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O que bebemos durante o programa? Leandro bebe Hammer-red-head, da Narcose. Lud bebe Guse de Frutas, da Badoque. Marcos bebe água.
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