No programa de hoje, nós vamos falar de algo que parece simples, mas na verdade é MUITO complexo: o gosto e o desenvolvimento da biblioteca sensorial. Para nos ajudar nessa missão saborosa estamos com Hellen Malully, farmacêutica e doutora de ciência de alimentos e faz parte do corpo Diretor da Associação Brasileira de Ciência Sensoriais e do Consumidor (ABCSC).
Para além da Biblioteca Sensorial, vamos por partes: O que é gosto e qual é a diferença entre gosto e sabor?
Hellen em 6 ’22”: Esses termos foram criados junto do desenvolvimento da ciência sensorial mesmo. Antes do advento dos estudos de genética, não existiam essas diferenciações. Principalmente na década de 50 foram se estabelecendo estudos mostrando que a palavra gosto está relacionada a substâncias que não são voláteis, mas existem algumas que são, a característica principal é não ser uma substância volátil que entra em contato com receptores das nossas papilas gustativas. Receptor serve como uma fechadura para uma chave, isso é um receptor, e o paladar também é um receptor químico. Então, necessariamente precisamos de substâncias químicas entrando em contato com essas fechaduras (receptor). E aí muitas coisas acontecem na nossa língua e no nosso palato. […] E aí a gente diferencia as palavras gosto e sabor, porque o sabor envolve outros sentidos, o sentido do olfato, da visão, do tato e até da audição. Quanto ao gosto, possuímos 5 gostos básicos, é o que chamamos de doce, amargo, salgado, ácido ou azedo.
Como as cervejas artesanais especiais podem contornar a resistência do paladar dos consumidores para atrair novos bebedores?
Hellen em 18 ’02”: A gente tem que pensar na própria história que construímos, não só com relação a cerveja, café, que é construir uma história dentro da área do marketing, enfim, quem tomava cerveja artesanal a alguns anos atrás? Pouquíssimas pessoas. Depois que as pessoas começaram a viajar mais, trouxeram cervejas, o marketing ajudou muito, assim como a internet. Abriu muito as portas para esse tipo de produto. Então seja para cerveja ou com um prato diferente, precisamos apresentar pro consumidor, senão ele nunca vai conhecer. Há quanto tempo temos lúpulo no Brasil? A pouco tempo, né. Então precisamos abrir o leque sensorial das pessoas, para mostrar novas opções de gostos e sabores.
Hellen complementa exaltando o trabalho dos pesquisadores do Monell institute.
Como seria o processo de treinar e aprimorar a nossa biblioteca sensorial?
Hellen em 32 ’47”: Quando a gente fala em análise sensorial, temos análises descritivas, e precisamos treinar os avaliadores. E quem são os avaliadores? Os consumidores do produto. E tem outras análises chamadas de análises afetivas. É gostar ou não gostar do consumidor global. E aí quando a gente tá treinando alguém, a gente precisa mostrar para ele o que são os gostos básicos, sentir diferentes tipos de aromas e assim, a gente consegue treinar o painel de avaliadores no mesmo nível. Mas com o consumidor geral é muito complexo porque cada um mora num lugar, cada um tem um estilo de vida. Você tem consumidores no norte, nordeste, centro-oeste… todos com hábitos completamente diferentes. Tem questão cultural, histórica e afetiva e tem de fato consumidores que gostam de sabores ou não.
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Pergunta sem correlação com a cerveja, mas muito correlação com gosto. Vamos falar sobre o coentro? Esse é um alimento amado por muitos e odiado por outros, existe isso de genes sensoriais são mais aguçados?
Hellen em 41 ’39”: É um tema recorrente quando falamos de fisiologia de sentidos, é a questão genética. E a questão do coentro realmente foi estudada e foram encontrados receptores para aldeídos que são substâncias aromáticas que estão presentes no coentro. Existem pessoas que têm mais receptores e outras não. Então às vezes é muito agressivo para um enquanto há a necessidade dos receptores. Então temos diversos grupos de aromas, e existem sim receptores específicos de cada indivíduos – que uns amam e outros detestam. E isso não é só com coentro.
Tanto o gosto amargo quanto o azedo foram historicamente percebidos como nocivos. Vamos falar dessa construção histórica e como é possível debelar essas dúvidas?
Hellen em 45 ’54”: O amargor é visto como algo nocivo ou “veneno”. Tanto que falamos que venenos são amargos. E aí que vem a questão, os seres humanos começaram a escolher alimentos e foram para as frutas mais doces, e foram construindo essa história. E no caso, a acidez vinha com a deterioração dos alimentos. Então quando um indivíduo escolhia um alimento, ele sabia que não podia ser muito amargo porque poderia estar deteriorado. Mas hoje em dia, sabemos que temos substâncias amargas muito boas, como o café. Então hoje conseguimos desvincular essa teoria da substância amarga ser veneno. Então sabemos que existem venenos doces, venenos sem sabor… Então precisamos desconstruir isso. E no caso da acidez, a mesma coisa. No caso do queijo, seria uma característica, né? Mas sabemos hoje que não é patogênico, e que traz na verdade uma variedade de sabor e aromas para o queijo.
Em um dos seus artigos você relaciona a visão e o paladar. Você acha que poderia traçar um paralelo disso com a cerveja?
Hellen em 50’20’’: Hoje, com o que a gente está tentando por aí de novidades na brazillian’s beer cup, a gente pode ter sim uma variedade de cores imensas e sabores que podem sim se relacionar ao aroma da cerveja e ao gosto da cerveja. Então quando a gente vê uma sour bem amarelinha a gente já pensa “ah, será que é maracujá? será que é abacaxi?”. A primeira análise é visual; então quando estamos analisando uma cerveja na beer world cup, a primeira coisa que a gente vê é a cor, a espuma, e aí começamos a imaginar o que terá na cerveja. Vamos associar cerveja a alguma coisa, algum sabor… Aproveitando, gostaria de deixar uma recomendação de um curta metragem argentino para analisadores sensoriais cegos; o filme é do Fernando Pino.
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O que bebemos durante o programa? Hellen bebe água, Lud bebe Bananeira na Fumaça, da Zalaz, Leandro bebe Cashew Invasion, da Pineal Cervejaria.
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