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SdL #215 – Off flavor com Fernanda Lazzari e André Junqueira

ONDE OUVIR:
OFF flavors

Olá, pessoal! Sejam bem vindos à mais um Surra de Lúpulo, seu podcast favorito sobre cervejas artesanais! O papo de hoje é sobre os temidos off-flavor nas cervejas, e para nos explicar tudinho sobre esse tema estamos com André Junqueira, da Morada Companhia Etílica, e Fernanda Lazzari,  juíza do BJCP, nível Nacional de Cerveja, Hidromel e Cidra.

 

Ouça o episódio na íntegra:

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Você conhece os Off flavor?

 

“De forma muito simplista, o off-flavor são defeitos sensoriais na cerveja”.

Processo de produção de cerveja

Fernanda continua explicando que o off-flavor são causados por compostos indesejáveis na bebida, que podem ter várias origens. Geralmente, esses compostos são endógenos ao processo de produção, resultantes de problemas na fermentação, matéria-prima ou outros processos. No entanto, também podem ter outras origens, como diferentes tipos de contaminações. Resumindo, é um defeito na cerveja.

Quando falamos em flavor, estamos nos referindo ao sabor, que é a combinação de aroma e gosto. O aroma é percebido por bilhões de receptores no nosso nariz, capazes de captar muitos cheiros diferentes, que podemos identificar, especialmente com treinamento. Já o gosto se resume aos cinco gostos básicos. Quando se junta aroma e gosto, temos o sabor de algo. O off-flavor é um sabor que apresenta algum problema, um aroma ou gosto que não deveria estar ali. Além dos off-flavors, temos também os on-flavors, ou simplesmente flavors, que são características desejáveis ou positivas da cerveja, concluí nossa convidada.

Junqueira explicou que os off-flavors abrangem uma ampla gama de possibilidades, sendo caracterizados como características sensoriais indesejadas. No entanto, ele destacou que essa definição é relativa ao estilo da cerveja, pois tais características são normalmente geradas pelo processo produtivo, conforme mencionado por Fer. Alguns estilos de cerveja aceitam certas características, enquanto outros não. Em certos estilos, uma característica pode ser desejável, enquanto em outros, não é. Há uma certa relatividade nesse aspecto.

Junqueira também esclareceu que, além dos off-flavors, que são geralmente considerados problemas de produção, existem os taints. Taints são contaminantes, características sensoriais que não foram geradas durante o processo de produção da cerveja, mas já estavam presentes em alguma das matérias-primas. Um exemplo evidente é a água: se a água não estiver limpa, tiver um cheiro ruim ou estiver contaminada, essa característica indesejável será transferida para a cerveja. Isso não seria um problema de fermentação, cozimento ou misturação, mas sim algo presente na matéria-prima, como maltes mofados ou embolorados. Nesse caso, apesar de também ser um off-flavor, pode-se categorizar como taint, pois ele já estava presente antes do processo começar e não surgiu durante a produção.

 

O que pode ser considerado um off-flavor num estilo pode ser um on-flavor em outro estilo. Correto? Vamos falar um pouco sobre isso e dar exemplos para os nossos ouvintes estarem por dentro desses assuntos.

 

bandeja com diversas cervejasFernanda Lazzari explicou que algumas características são sempre inapropriadas em cerveja. O papelão, resultante da oxidação, é sempre inapropriado, independentemente do estilo. O sabor metálico também não é aceitável em nenhum estilo. O ácido butírico, que é resultado de contaminação bacteriana de matéria-prima, principalmente malte, está sempre errado, independentemente do estilo.

Há outras características que podem ser desejáveis em alguns estilos, mesmo sendo consideradas off-flavors. O acetato de isoamila é uma dessas. Em quantidades pequenas, ele lembra pera, enquanto em quantidades maiores, lembra banana. O fenólico, em pequenas quantidades, lembra especiarias, e em quantidades um pouco maiores, pode lembrar cravo, pimenta-da-jamaica ou grãos do paraíso. Essas são características essenciais em uma Weissbier. Por característica da levedura, do extrato do mosto e da temperatura de fermentação, essa dobradinha de banana e cravo, que são o acetato de isoamila e o fenol, é fundamental. No entanto, se estiverem presentes em uma Pilsen ou em uma cerveja que não seja uma Weiss, essas características podem ser consideradas defeitos. Se o acetato de isoamila estiver em uma quantidade que começa a lembrar chiclete ou tinta automotiva, e o fenol começa a lembrar remédio ou band-aid, esses sabores se tornam indesejáveis.

Outras características incluem o diacetil e o acetaldeído. Em cervejas inglesas, em quantidades muito pequenas, que são mais puxadas para o malte, uma pequena quantidade de diacetil e acetaldeído é aceitável. O diacetil traz um sabor de butterscotch, manteiga de pipoca de cinema, e caramelo. O acetaldeído lembra massa verde, uva verde e frutas não maduras. Essas características podem ser causadas pela levedura da cerveja inglesa, que flocula muito rapidamente e muitas vezes não tem tempo de reabsorver esses compostos. Portanto, uma pequena quantidade dessas características em cervejas inglesas é aceitável. No entanto, em cervejas belgas, essas características não são aceitáveis, e mesmo em cervejas inglesas, em quantidades excessivas, tornam-se off-flavors.

Há outras características bem desejáveis, principalmente em cervejas bem alcoólicas e intensas, que em grandes quantidades também não são agradáveis. Fernanda mencionou o acetato de etila, presente em muitas cervejas, especialmente nas belgas e strong ales, que lembra casca de maçã vermelha, sendo um éster muito agradável. A baunilha, as amêndoas e o geraniol, que é um floral proveniente do lúpulo, são características geralmente consideradas positivas e chamadas de on-flavors ou simplesmente flavors. No entanto, se essas características estiverem na cerveja errada e na quantidade errada, tornam-se indesejáveis.

André Junqueira complementou a explicação destacando um exemplo que, às vezes, nem se considera um off-flavor, mas é uma característica presente: a própria acidez. Se se trata de uma sour beer, a acidez é desejável, mas se não for uma sour beer e ela estiver ácida, isso é completamente indesejável. Portanto, quando se fala de off-flavors, não é apenas a presença de um determinado composto, mas a quantidade e em qual estilo de cerveja essa característica aparece, se era esperada ou não.

Ele observou que a maioria dos compostos citados por Fernanda são subprodutos do próprio processo fermentativo. Existem leveduras que se expressam mais e produzem mais compostos, sendo que, para certos estilos específicos, espera-se que esses aromas e sabores estejam presentes. No entanto, para outras leveduras, não se espera que apresentem essas características.

Se uma cerveja deve ter um perfil de aromas e sabores provenientes da fermentação mais neutro, mas apresenta muitas características diferentes, a cerveja pode até ser boa, mas, do ponto de vista de avaliação dentro do seu estilo, ela está com off-flavors, pois não deveria ter aquela característica. Mesmo uma característica agradável pode ser julgada de acordo com o contexto. Em concursos, por exemplo, o julgamento é mais restrito, considerando o que é aceitável dentro de cada estilo específico.

 

Existe algum off-flavor que quando percebido pode ser corrigido e tornar a cerveja boa novamente?

 

Fernanda e Junca respondem em uníssono: acidental Sour. Junca segue explicando “Não vamos partir do princípio que não existe um ou outro composto que é um pouco mais volátil e você às vezes forçadamente consegue diminuir o impacto dele”.

 

Pessoas experimentando cervejaJunqueira explicou que esses compostos problemáticos podem dar à cerveja um gosto de ovo, casca de ovo, fósforo ou fósforo queimado. Isso é um indicativo de um problema na fermentação, uma fermentação que não amadureceu corretamente ou que teve algum estresse. Esses compostos estão na bebida porque houve algum problema durante o processo. No entanto, ele ressaltou que esses compostos são relativamente voláteis.

Se uma cerveja está apresentando esses problemas no tanque, é possível plugar um cilindro de CO2 no tanque e fazer o que se chama de lavagem de CO2. Descarrega-se um cilindro inteiro de CO2 no fundo do tanque, sem pressurizá-lo, deixando o tanque aberto para que o CO2 escape. Ao borbulhar o CO2 na cerveja, muitos desses compostos voláteis se volatilizam e vão embora. Isso pode reduzir significativamente a presença dos compostos indesejáveis.

Ele acrescentou que, embora não seja possível garantir que a cerveja ficará boa, essa técnica pode salvar uma produção de ser completamente descartada. Já presenciou diversos casos onde não apenas off-flavors surgiram, mas também erros de operação ocorreram. Um exemplo seria pegar o galão de levedura errado na geladeira e acabar usando uma levedura neutra para uma cerveja que deveria ter uma levedura específica, como uma Weiss. Nesses casos, a cerveja poderia ser transformada em outro estilo, como uma Pale Ale com trigo, fazendo um dry hopping adicional, se necessário. Embora esse tipo de problema não seja comum, ele ressaltou que acontece com certa frequência (o famoso é raro mas acontece muito).

 

Quais são os off-flavors mais comuns, suas origens e características? E como evitá-los? Quais estilos que eles mais podem ocorrer?

 

gato olhando a janelaFernanda Lazzari explicou que o gessetil é um off-flavor que pode ser diluído. Se uma cerveja apresenta um pouco de gessetil, é possível fazer outro lote de cerveja e misturar os dois, reduzindo a concentração do gessetil. Embora ele não desapareça completamente, sua intensidade diminui. Ela também mencionou o catty, um off-flavor que tem cheiro de caixa de areia de gato.

Lazzari continuou explicando que o catty é um off-flavor que ocorre comumente em vinhos e em cervejas mais intensas, especialmente aquelas que passam por refermentação na garrafa e são mais alcoólicas. Esse off-flavor pode aparecer, persistir por um tempo e, eventualmente, desaparecer sozinho. Se a garrafa for bem cuidada e armazenada por algumas semanas ou meses, o catty pode sumir.

Ela também mencionou o acetaldeído, que pode ser reduzido a álcool etílico. Dependendo da fase em que a cerveja está, durante a refermentação na garrafa, pode haver uma pequena quantidade de acetaldeído. Com o tempo e se a cerveja for bem armazenada, o acetaldeído pode ser convertido em álcool etílico, desaparecendo assim.

Junqueira explicou que há um fator peculiar em relação aos compostos, pois alguns deles não são completamente estáveis. Conforme mencionado por Fernanda, esses compostos podem se degradar com o tempo. Além disso, na presença de certos tipos de microorganismos, esses compostos podem se tornar precursores para biotransformações, complexações e reduções, sendo transformados em outras substâncias.

Em uma sour envelhecida, com a presença de Pediococcus e leveduras selvagens como Brettanomyces, esse é um caminho natural. Nos primeiros meses do processo no barril, a acidificação por Pediococcus gera muitos off-flavors e compostos indesejáveis. Esta fase é frequentemente chamada de “fase doente” da cerveja, onde ela apresenta um odor desagradável. No entanto, esses compostos presentes serão utilizados pelas leveduras selvagens para produzir o chamado “funk”, composto por aromas secundários e terciários, como couro de cavalo, silagem e estábulo, que são característicos das sours envelhecidas por muito tempo em barris.

Esse processo ocorre apenas se todas essas fases acontecerem em sequência. Os compostos indesejáveis são necessários como precursores para formar outros compostos desejáveis no futuro. Portanto, a instabilidade dos compostos também deve ser considerada. Junqueira concluiu destacando que a questão dos off-flavors é bastante complexa, com muitas variáveis a serem consideradas.

 

Quais são os maiores pontos de atenção na produção cervejeira que podem trazer off-flavor para as cervejas?

 

Fernanda, sem hesitar diz “Fermentação e sanitização”. Já, Junqueira diz:

“Esse é o grande ponto, né? Tudo começa também da recepção da matéria-prima dele, cuidar dela direito, para que ele não tenha os tais dos tentes, não comece desde lá. O cara deixa o malte dele numa sala com umidade, o lúpulo num lugar que não está bem protegido, não está resfriado, tudo mais. Então tudo ali já começa, mas sem sombra de dúvida, a fermentação é o número um e a sanitização, limpeza e sanitização de tudo é o número dois. Depois de ir a esses pontos de entrar… oxigênio no processo, transferências, mangueiras, envase principalmente, e por último, essa parte de transporte, armazenamento e serviço. Acho que se for fazer uma classificação, seria essa a ordem dos fatores mais cruciais”.

 

Se liga nessas referências de Off-flavor para agregar ao seu vocabulário cervejeiro:

 

  • Acetaldeído: Traz um sabor de maçãs verdes ou abóboras frescas;
  • Ácido Acético – Esse defeito pode estar no aroma ou no sabor, que lembra um vinagre;
  • Alcoólico: Quando um gosto alcoólico prejudica o sabor de uma cerveja. O sabor pode ser leve e agradável ou quente e incômodo;
  • DMS –  Dimetilsulfureto ou DMS é percebido tanto no aroma quanto no sabor, lembra bastante o cheiro de milho ou vegetais cozidos;
  • Diacetil – Percebido no aroma e no sabor como manteiga, em casos mais extremos produz uma sensação oleosa no paladar. Nem todas as pessoas conseguem sentir o Diacetil. O cheiro de um saco de pipoca de microondas de sabor de manteiga ainda não estourado é um bom exemplo;
  • Metálico – Mais fácil de perceber no paladar do que no aroma, remete ao gosto de sangue, com um amargo adstringente e indesejado;
  • Oxidado ou Papelão – Aroma e sabor de papel molhado, também percebido quando a cerveja está “choca”;
  • Acetato de isoamila – o famoso aroma de Banana, comum em cervejas mais alcoólicas. Aceitáveis na maioria das Weissbier;
  • Sabão – Sabores de sabão são causados por não lavar/enxaguar muito bem o recipiente, mas eles também podem ser produzidos a partir das condições de fermentação;
  • Lightstruck ou aroma de gambá: Esse defeito é sentido em cervejas que usam garrafas verdes e transparentes. Essa coloração do vidro faz com que o líquido fique mais exposto à luz solar. O líquido fica “contaminado pela luz”. Por isso, a Heineken tem aquele sabor e aroma diferente. É um defeito. Porém, um defeito bem aceito. Veja aqui a diferença das cores das garrafas.
  • Adstringente – Dá uma sensação de boca seca, é a sensação de comer uma banana verde que “amarra” a boca. Pessoas que produzem mais saliva sentem menos essa característica;
  • Mercaptanas –  Seu aroma é associado ao “cheiro de ralo”,  e pode ser confundido com Metanotiol, que lembra “repolho”.
  • Caprílico está associado à cabra, sebo ou ceroso. Pode ser bom em: O ácido graxo é produzido pelo metabolismo da levedura durante a fermentação. Em estilos como lambic ou lager com longa maturação é visto como positivo.
  • Butírico – é um off flavor que facilita a identificação por parte do consumidor – os termos associados a ele são os de ranço, vômito de bebê e pútrido. Apesar do treinamento levar à percepção de frutas tropicais, muitas pessoas sentem o aroma do mamão.

 

🍻 tim-tim e até a próxima 🍻

 

👉 Ouça também: Surra de Lúpulo #211: Pasteurização da cerveja, com Duan Ceola

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