O Projeto Manipueira trouxe diversos resultados científicos para o mercado cervejeiro. Vamos saber quais?
🍺 Encontro Selvagem é um programa realizado pelo canal Surra de Lúpulo, Abracerva, e com apoio nesta temporada do Conselho Federal de Química, CFQ. Hoje, vamos falar dos resultados científicos que o projeto manipueira trouxe para o mercado cervejeiro.
Manipueira e resultados científicos
Boas vindas ao segundo Encontro Selvagem, que faz parte das atividades da Semana Selvagem, organizado pela Abracerva e com apoio institucional do Conselho Federal de Química. Hoje o palco é de duas cientistas incríveis que vão trazer dados muito importantes para começar bem essa semana falando de manipueira e dos resultados científicos e pesquisa científica. Então, temos o prazer de convida Dona Estela e Dona Carola.
Estela: Meu nome é Estela Virgílio, eu sou CEO de uma startup chamada By My Cell. Nós trabalhamos com sequenciamento de DNA e nós recebemos as amostras para fazer a análise e identificação das leveduras, dos fungos presentes e também de algumas bactérias. Então, aqui a gente vai apresentar esses resultados iniciais.
Carola: Meu nome é Ana Carolina, sou mais conhecida como Carola. Eu trabalho com leveduras selvagens, extremófilas, e eu gosto de isolar elas de todos os lugares, os lugares mais estranhos. E algumas delas a gente usa para fazer cerveja. Então é por isso que eu estou aqui hoje. E eu sou a coordenadora dessa parte científica do Projeto Manipueira. Então, quando o projeto surgiu, veio a ideia de juntar todas essas cervejarias. Então foram 54 cervejarias que a gente acabou unindo para esse projeto. Uma das ideias era… legal! A gente vai fazer cerveja, vamos fazer cerveja cada um, com o terroir local. São 54 cervejarias espalhadas pelo Brasil inteiro. Será que tem o terroir diferente do sul do país, do norte, do nordeste? Como vai ser tudo isso? Como vai ser a fermentação? Como vai ser a cerveja, o produto final? Como vai ser toda essa parte de fermentação? Vai ter diferença? Será que vai ter diferença? A gente não sabe. Quer dizer, a gente já sabe. A gente vai contar pra vocês hoje o que aconteceu. Então, uma das ideias era fazer não somente cerveja, não somente pegar a manipueira, pegar aquela água da manipueira que fermenta e fazer a cerveja. A receita era a mesma, basicamente, para todas as cervejarias. Mas e a microbiota que vem dali? E a parte selvagem? Será que vai ser diferente? Então, a ideia era a gente fazer um estudo microbiológico de todos os organismos que estavam presentes nesse projeto. Desde o momento zero, ou seja, aquele momento onde é feita a coleta da manipueira, aquela raiz que veio ali da terra e até mesmo durante todo o processo de fermentação, durante cinco, dez, quinze, vinte, cinco meses, um ano, o que aconteceu ali dentro? Porque a pergunta há um ano atrás era, será que vai ser diferente a fermentação ou será que vai ser tudo igual? Será que os organismos que estão presentes na fermentação da manipueira lá de Florianópolis vão ser o mesmo dos organismos de Sertãozinho? Vão ser os mesmos organismos lá de Manaus, lá de Sergipe? Essa era a questão que a gente queria responder, uma das questões. E a outra era, será que a gente vai conseguir uma levedura para chamar de nossa? Uma levedura brasileira? Uma levedura para falar, putz, tem uma sacaronice brasileira. Será que a gente conseguiu isso? Será que isso é possível? Então… A gente espera responder um pouquinho de tudo isso. E só para contar para vocês, isso é só o pontapé inicial. Tem muita coisa ainda. A gente abriu um leque de perguntas, respostas, não somente para ampliar o mercado cervejeiro brasileiro, mas também para a ciência, para mostrar a importância da ciência em todo o processo cervejeiro.
Estela: Certíssimo. Aqui a gente comentou, né? Do projeto 53 cervejarias que estão participando e na verdade o intuito é compreender essa microbiota, esse microbioma presente durante todo o processo, durante toda a fermentação espontânea e identificar essas leveduras, esses fungos, bactérias, os microrganismos que estão presentes. Foi feita uma receita básica, tá certo, para a produção dessa cerveja e todo o processo se iniciou conjuntamente?
Carola: Sim, a gente deu um prazo, foi há um ano atrás, no dia 31 de agosto, se eu não me engano, que começou todo o projeto manipueira. Uma das ideias, para quem não sabe do projeto, era que todas as cervejarias coletaram manipueira da região onde era a cervejaria e que fosse da maneira mais roots, selvagem possível, raiz, né? Ou seja, que ele conseguisse coletar aquela manipueira, talvez de uma aldeia, de um engenho, e que em último dos casos, utiliza se a manipueira ou a farinha da mandioca, em alguns casos, mais comercial. Que é isso que iria trazer, logicamente, todos os organismos que estavam presentes ali naquele ambiente.
Estela: Exato. Então, todos os micro-organismos são oriundos dessa fermentação da água da manipueira, ou seja, o organismo selvagem. Não foi adicionado nenhum microrganismo?
Carola: A ideia era que não poderia ser adicionado nenhuma levedura comercial, nada. Tinha que ser tudo espontâneo. Então, depois que teve essa coleta, os cervejeiros mantiveram aquela aguinha fermentando durante um tempo para depois jogar no mosto do cervejeiro. Então, alguns fizeram isso, outros já jogaram direto. Para ter esse starter, começar a fermentação antes de a gente jogar no mosto. E assim, a gente sabia que isso iria dar certo, mas sempre tem aquele medo. Será que aqueles micro-organismos que estão fermentando ali, eles vão gostar da maltose? Eles vão gostar daquele moço cervejeiro? Eles vão sobreviver a um lúpulo, a tudo isso? Era um risco que estava correndo.
Estela: Exatamente. E logo nesse primeiro processo, você já tem a seleção de alguns micro-organismos. Então, aqueles que se adaptam melhor àquela condição, vai seguindo para as próximas etapas.
Carola: E vale lembrar que quando você pega um pedacinho de terra, um insumo, raiz que vem com terra, vem um monte de coisa, você tem um monte de organismos ali. Organismos que são bons pra fermentar e organismos que não são tão bons. Organismos que são estranhos. Até mesmo organismos patogênicos. E essa que é a beleza da fermentação selvagem, que é, ao longo do tempo, as leveduras que a gente gosta, aquelas que fermentam, que produzem álcool, que produzem outros compostos legais, vão matando esses patogênicos. Então, o segredo da cerveja selvagem é o tempo. E a gente vai mostrar isso pra vocês. Ao longo do tempo, foi exatamente isso que aconteceu. Os patogênicos foram morrendo e foi dando espaço pra essas leveduras que a gente tanto gosta. […] Então, se você pensa, uma fermentação em Manaus, uma temperatura clássica de 30 e poucos graus, no Rio de Janeiro, é bem diferente de uma fermentação no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, que você vai ter uma variável grande dessa temperatura. Então, tudo isso influenciou também na fermentação. E será que influenciou nos micro-organismos, no crescimento, no resultado final de vocês?
Estela: Então, aqui a gente vai apresentar alguns dados desde o tempo zero, que seria essa primeira inoculação, e alguns outros tempos, alguns por horas, outros 15 dias, 30 dias, 3 meses. Foi analisado até 3 meses. E também foi feito da sua parte o plaqueamento.
Carola: Sim. Então, essa parte científica foi dividida em duas partes. A primeira que foi feita toda a parte genômica. Então, o que faz nessa parte genômica? Ela vai analisar quais organismos estão presentes ali como um todo. Você pega um pedacinho de alguma coisa, passa nessa máquina, ela vai explicar direitinho porque não é tão simples assim, passa nessa máquina e ela vai falar, ó, aqui tem fulano, ciclano, beltrano e por aí vai. Só que não diz que os organismos que estão presentes ali estão vivos. Ela diz o material genético que está presente ali. Pode ter ali um organismo que morreu há muito tempo, mas se o DNA dele ainda está lá, ela vai detectar que o DNA dele ainda está lá. E aí qual que era a diferença da minha parte e dos outros laboratórios que também participaram? Era… isolar esses organismos. Era plaquear, colocar numa placa e a gente conseguir identificar quem tá vivo. Porque quando você coloca numa placa de Petri com aquele meio de cultivo específico, seletivo, você consegue identificar, putz, esse cara tá aqui mesmo, ele apareceu lá e apareceu na minha placa. Então, esse cara realmente tá vivo e ele está fazendo parte desse processo fermentativo.
Estela: É exatamente isso. Então, o que aconteceu ali com a gente no laboratório? Nós recebemos as amostras, primeira etapa, amostra líquida, E como foi falado, é o material como um todo. O que a gente faz em laboratório? Na primeira etapa, a gente faz a extração de DNA dos organismos que estão ali presentes, vivos ou não. Então, quando a gente faz a primeira etapa de extração de DNA, pode ser que tenha DNA de bactéria, de vírus, de levedura, de fungo, da própria planta, de alguma célula animal. Então, você tem um panorama completo. O que a gente chama de metagenômica. Então, cientificamente, quando a gente quer entender a complexidade como um todo, a gente chama de metagenômica. Todos os organismos que estão presentes ali na sua amostra. Para esse estudo em específico, a gente gostaria de identificar leveduras e fungos. Não era interessante… É interessante fazer a identificação da planta ou de alguma célula animal que estava ali presente. Então, após a extração do DNA do material genético, nós seguimos para uma etapa laboratorial que se chama PCR. É uma amplificação específica de um material genético somente de levedura e fungo. E se a gente quisesse analisar também bactéria, uma região específica somente para bactéria. Então, nesse caso que a gente vai apresentar aqui, a gente fez a amplificação, ou seja, eu gerei uma quantidade maior de DNA, mas daquela região específica de fungo e também de levedura para seguir para a próxima etapa. Na próxima etapa, a gente chama de construção de biblioteca para sequenciamento. Então, são várias receitinhas, como uma receitinha de bolo, que a gente coloca alguns adaptadores, a gente coloca algumas enzimas para entrar no sequenciador. O sequenciador é um aparelho, existem aparelhos robustos para sequenciamento, são aparelhos bem mais caros. E aqui na By My Cell a gente trabalha com duas plataformas de sequenciamento. Tem uma plataforma que é mais robusta, justamente para eu entender essa microbiota completa. E tem um aparelho mais simples que esse aqui, que eu trouxe aqui para vocês, que cabe na palma da mão. Então é um aparelho portátil, sequenciador portátil. e a gente consegue analisar desde uma única amostra que recebemos ou até uma quantidade maior de amostra, 30, 40, 50. Então a gente faz um sequenciamento ali vasto. Nesse caso, após o sequenciamento, nós geramos essas letrinhas. Na verdade, é a sequência de DNA e com a bioinformática, ou seja, eu preciso ter uma mão de obra especializada, qualificada na parte computacional para codificar. Esse A, T, C, G, G, G, G. significa o quê? Corresponde a qual micro-organismo? Então, com a bioinformática, a gente compara com um banco de dados que já estão depositados e a gente consegue identificar, olha, isso daqui significa que eu tenho uma saccharomyce. Aqui significa que eu tenho uma piquiá. Então, eu consigo identificar quais são esses micro-organismos. E a gente entrega como um laudo qual é esse micro-organismo. Então, aqui eu apresentei a saccharomyce, que estava em mais de 95%. E aqui eu apresentei a saccharomyce, que estava em mais de 95%. Também é possível identificar outros micro-organismos, mas numa quantidade muito abaixo, menos do que 0,1%. Então, para nós, poderia ser até um artefato da técnica, porque ele vai comparar com o que tem no banco e vai identificar várias coisas. Então, aqui, 100% de Saccharomyces, e com essa técnica de sequenciamento, eu consigo aprofundar qual Saccharomyces que é. Então, aqui a gente apresenta gênero, e eu consigo especificar qual espécie de Saccharomyces. Então, aqui… Saccharomyces cerevisiae. Logicamente que essa daqui pode ser que seja uma espécie de Saccharomyces cerevisiae diferente do que tem no banco de dados ou diferente da usada numa cervejaria.
Carola: É que nem a gente. Nós somos todos da mesma espécie. Mas cada um tem a sua característica. Cada um tem a sua aptidão. Então isso também vai para o mundo das leveduras, dos fungos, dos vírus, enfim, das bactérias e tudo mais. Então, ou seja… Pode ser a mesma espécie, mas ela é melhor para fermentar uma coisa, ela ser mais adaptada àquele meio ou menos. Então, você tem variantes dentro da própria espécie.
Estela: Exatamente. Então, você tem isolados, vocês têm cepas. E também, agora, dentro desse estudo, dá para selecionar também micro-organismos, que seja saccharomyces, que seja pique, mas que tenha perfis diferentes do que já está consagrado na literatura ou que outras cervejarias usam, mesmo sendo saccharomyces cerevisiae ou piquet, ou outro organismo.
O projeto trouxe uma nova espécie de levedura?
Estela: Sim. Você vai ver que uma delas tem o SP, às vezes aparece saccharomyces SP, e depois ele coloca saccharomyces cerevisiae. Então pode ser que seja algo diferente, mas que tem uma maior correspondência com a cerevisiae.
Carola: Alguma outra espécie que tenha passado?
Estela: É, às vezes aparece como SP, então como se fosse uma saccharomyces SP.
Carola: É, mas teve outro gênero que apareceu sem a gente saber a espécie. Mas apareceu algumas saccharomyces que eu não achei nenhum dado na literatura de ter sido encontrado no Brasil. Como a saccharomyces daquela Mitaki. Eu não lembro qual o nome dela. Ela é bem identificada no Japão. Mas no Brasil não tinha sido ainda identificada.
Estela: O que aparece pra nós vamos supor que seja um organismo completamente diferente que não tem no banco de dados. Aqui ele aparece saccharomyces. Em segundo lugar, ele parece não-assignado, que é o unsigned. Unsigned, quase 5%. Significa que são micro-organismos que nós não conhecemos ou que não estão no banco de dados. Ou seja, eu não posso dar um nome pra ele porque no meu banco não corresponde a nada. Então, 5% daqueles micro-organismos encontrados aqui, que na verdade seria o correspondente aqui, né, que completaria o 100% da saccharomyces, eu tenho outros micro-organismos que eu não sei de falar quais são. Então, podem ser microrganismos novos ou aqueles que não foram catalogados ainda, não foram descritos ou não foram encontrados numa literatura mais local.
Carola: É que assim, foi como ela estava explicando, é uma sequência. Então, a gente tem quatro bases, quatro letrinhas, vamos dizer assim, e o que vai determinar um organismo ser diferente do outro é a sequência de como isso é montado. Como essa historinha, pensa num livro. As letras são sempre as mesmas, só que como elas estão montadas é que você vai conseguir determinar uma palavra, uma frase ou não. Lógico, todos os organismos, eles têm a variação de uma letra ou de outra que vai diferenciar um do outro. E até mesmo dentro da mesma espécie você tem variação, isso são as mutações. Mutações que às vezes a gente pensa que são coisas ruins, não. Mutações fazem parte do processo evolutivo, adaptativo dos organismos e acontece toda hora no seu corpo. Então isso também pode ter tanta variação ali naquele genoma, por isso que a gente não consegue identificar ele, por isso que acaba sendo um organismo novo. E aquela variação não foi incluída no Banco de Dados Mundial de leveduras, microrganismos, enfim.
Estela: Então, alguma coisa interessante, por exemplo, agora num plaqueamento, num isolamento. Pode ser feito isolamento e pode ser feito um sequenciamento completo daquela levedura específica que foi isolada. Pode ser que ela seja saccharomyces, mas de repente ela é uma outra espécie, ou ela apresenta variações ao longo do DNA que permitiram uma maior estabilidade ou algum mecanismo aromático, alguma questão importante, e aí você pode publicar isso, catalogar isso como um organismo novo, como uma espécie nova. Então não está na literatura, mas é possível fazer.
Carola: Ou somente como uma variante nacional, brasileira, entendeu? Manipueira, enfim, por aí vai.
Estela: Então esses são uns dos primeiros resultados, né? Esse primeiro resultado que nós tivemos, a gente chamou de Manipueira 1. Então, ao longo do ciclo, ao longo das fases, nós encontramos, por exemplo, neste primeiro, que seria um tempo zero, um pré-inóculo, você tem uma quantidade maior de microrganismos, você tem uma abundância maior. Então, por isso, dessas diferentes cores, cada cor corresponde a um micro-organismo. Então, eu tenho saccharomyces, mas nessa cor.
Carola: A wickeromyces, cryptococcus. Cryptococcus é um organismo normal que você encontra no ambiente, mas que ele também pode ser patogênico. Então, o que é interessante é que logo no começo, quando começa essa fermentação, tem a presença do cryptococcus, que é super normal, você encontra cryptococcus em todos os lugares, principalmente no seu gatinho em casa. E ao longo do tempo, quando começa essa fermentação, esse organismo desaparece.
Estela: Exato. E aí, ao longo da fermentação, você vai tendo a predominância de outros organismos. Então, no segundo ciclo, eu já tive a predominância da wickeromyces, que é super normal.
Carola: A wickeromyces é uma levedura que é bem agressiva, ela começa sempre uma fermentação, só que ela não aguenta, durante muito tempo, fermentar, ela não tem uma estabilidade. Então, ela acaba morrendo ao longo do tempo. Então, assim, era super esperado isso acontecer com a wickeromyces.
Estela: Isso, e até busquei alguns dados na literatura, com as importâncias ou características. Então, por exemplo, para essa em especial, foi apontado num estudo uma apresentação de perfis aromáticos interessantes. Então, se você parasse aqui nessa etapa, você teria, por exemplo, a cerveja ou um produto com uma qualidade aromática… pudesse ser interessante. Então, de repente, aquele micro-organismo, ele vai até uma determinada etapa, ou a sua predominância vai até um determinado ciclo, mas ele tem a sua importância, talvez, para dar uma característica naquele… E aí, nas outras etapas, o que predominou foi a Saccharomyces cerevisiae.
Carola: E até o final dessa fermentação do Instituto Federal, do Jean, foi saccharomyces até o final. Ou seja, a saccharomyces, ela predominou depois em todo o processo de fermentação da cerveja. Aí, eu só vou falar uma coisinha que é interessante. Porque tem gente que fala, pô, mas será que a gente conseguiria depois fazer uma manipueira artificial? A gente já sabe que organismos que apareceram. Será que se a gente pegar, então, uma wickeromices, umas saccharomyces, misturar e colocar. Será que a gente vai conseguir chegar naquele mesmo sabor daquela cerveja? Fazer uma cerveja selvagem manipulada? Manipulada, manipulada? Na verdade, não. Por quê? Porque todos esses organismos e todos os outros, têm características próprias. E a simbiose entre eles, ou não simbiose entre eles, ou seja, a convivência entre eles, a correlação entre eles, vai trazer sabores e vai trazer resposta ao próprio organismo. Tem alguns organismos, como a wickeromyces, que, como eu falei, ela é muito agressiva, ela responde muito a outros organismos. Se ela está presente na cultura, que a gente chama, com outros organismos, ela fica nervosa e começa a produzir mais álcool. Então, isso, você só tem esse tipo de resposta quando ela é cultivada junto com outros organismos. Então, se ela é cultivada sozinha, ela não vai ter esse tipo de resposta. Então, assim, a gente tem que pensar que daqui, a gente não vai conseguir mimetizar, fazer de uma maneira artificial. Isso daqui aconteceu espontaneamente. Então, daqui, a gente nunca vai conseguir comercializar isso. Mostrar que a composição do todo é importante para o sabor final. Foi o que ela falou, a wickeromyces produziu ésteres, produziu sabores e respostas e compostos naquele momento, e isso tudo se manteve ao longo do seu produto. Até um ano depois se manteve todas essas características, ou pelo menos uma boa parte dessas características.
Estela: E uma coisa importante também para falar, se a gente trabalhar com uma microbiologia clássica, vamos supor que eu pegasse esses organismos e somente plaqueasse ele, a gente consegue chegar assim? a determinar, por exemplo, o gênero. Mas muitas vezes eu fico na dúvida se a espécie está correta ou não. Então, assertivamente, consequencialmente do DNA, a gente conseguiu chegar em qual espécie seria justamente para ter esse entendimento da característica daquela espécie. Então, por isso, seria interessante fazer esse tipo de estudo, esse aprofundamento molecular.
Carola: Então, ou seja, isso daqui, tudo que ela foi feito é de grande importância, porque a gente consegue enxergar como um todo. Mas se a gente quer saber desses organismos que realmente fizeram parte da cerveja, quem são eles? Será que eles são novos organismos, que nem a Luciana perguntou? Então, como que a gente vai fazer isso? Aí que vem a segunda parte do projeto. Mas daqui a pouco a gente fala sobre isso. Nos outros estudos, tanto da Coza Linda quanto da Uçá, a gente conseguiu alcançar até cinco meses. O Jean foi o primeiro a mandar a amostra para a gente, então a gente conseguiu fazer essa previsão do que ia acontecer. Capaz de agora, nessas próximas amostras que a gente for analisar do Jean, que é de três, cinco meses e um ano, a gente mude já toda essa microbiota. Já começam a aparecer organismos do tipo píquia, do brettanomyces e por aí vai.
Estela: Na Coza linda, essa segunda análise já foi diferente. A gente tem, inicialmente, o tempo zero, sete dias, quinze dias, trinta e cinco meses. Então, já foi feita uma análise mais extensa. E, inicialmente, também, eu tinha uma mistura aqui de outros micro-organismos. E também, aqui, ó, que a gente falou, a cazaquistânia, ela aparece, primeiramente, como SP. E, comparando a questão de DNA, num segundo ponto, ela poderia se comparar a alguma outra espécie, mas ela pode se apresentar como SP. Então, num primeiro momento, eu tenho também essa mistura de micro-organismos, uma diversidade maior, mas a partir de sete dias, eu já tinha uma predominância aqui de Saccharomyces, que a gente conseguiu identificar como saccharomyces cerevisiae, mas a partir de 15 dias, eu já começo a ter a piquiá, não em predominância, mas já concorrendo. E a partir de 30 dias e 5 meses, píquia e a pichia membranifaciens.
Carola: E é interessante, assim, porque o Diego sempre, desde o começo do projeto, ele queria uma brettanomyces para chamar de sua.
Estela: E aí, nesse estudo, então, a gente já viu uma mudança de saccharomyces ali, depois dos seus 15 dias, e uma predominância de piquiá a longo prazo, em 30 dias e 5 meses. E esse pique em específico, quando a gente busca na literatura alguma informação de pique, é o gênero como um todo, produz substâncias de perfis aromáticos interessantes, tem atributos também conhecidos para a produção de vinho e outras bebidas, principalmente os compostos voláteis. Então já é… uma levedura interessante e essa aqui, essa espécie em específico, ela está amplamente distribuída na natureza e ela se predomina ou ela aparece com grande frequência nas fermentações espontâneas então foi natural encontrá-la e a pique a forma, aquele biofilme então às vezes a gente até se confunde achando que ali é Brettanomyces…
Carola: Aquele biofilme então às vezes a gente até se confunde achando que ali é Brettanomyces… Acho que a gente tem mania de chamar tudo de Brettanomyces. Ah, Brettanomyces, tá bretado, tá bretado. Não, peraí, tem outros bichos também que formam esse biofilme, aquela camadinha bonita no barril. Então ela tem essa capacidade também de formar essa película e não era uma Brettanomyces, era uma píquia.
Estela:Próximo. Agora a gente tem a análise Manipuera 1 da cervejaria Uçá. Aqui a gente já tem tempo zero, 24 horas, 72 horas, 7 dias, 15 dias, 30 dias. Três meses. Então foram mais tempos de análises, mas com perfis também semelhantes no começo, essa diversidade. Logo em 24 horas, predominância da meirosima.
Carola: Meirosima é uma levedura que também é uma levedura de solo e ela é muito utilizada também em vinho, vinhos orgânicos. Essa levedura é uma levedura predominante nessa parte. Então, ou seja, você tem análise de três cervejarias diferentes, de locais diferentes do país: uma de São Paulo, uma de Florianópolis e essa de Sergipe, né?
Estela: Então, logo no começo, em 24 horas, você teve ali uma predominância de uma levedura. Depois, 72 horas, você já tem a saccharomyces com predominância. E ao longo dos outros ciclos, eu já tenho também a presença, por exemplo, da wickeromyces. Outro pique no tempo, por exemplo, daqui de 15 dias. Já teve o aparecimento de píquia, mas outra píquia, que é a Cudria. E que essa daqui na literatura, ela é reportada…
Carola: Os gringos ficam dando nome estranho pra gente falar. Agora a gente vai colocar um nome bem indígena pra eles sim! Se não tem uma espécie nova, vou colocar um… Kudranvi. Pindamonhangaba.
Estela: E essa espécie em específico é reportada na literatura que ela é tolerante a altas temperaturas, chegando até 42 graus Celsius. O que faz sentido pensando que essa cervejaria está no Nordeste. Então, provavelmente, você teve a seleção em algumas dessas etapas, ou nesse caso aqui, que ela predominou em 15 dias, porque talvez nessa fase você teve também o aumento de temperatura e ela conseguiu se estabilizar melhor naquela etapa.
Carola: Da Uçá tinha duas, né? Duas amostras. Ela fez duas fermentações de barril e ela mandou as duas amostras pra gente ver a diferença entre as duas amostras no mesmo local. O que estava variando ali era… às vezes muito mais o barril.
Estela: Exato. E aqui também, no tempo zero, foram os mesmos tempos. 0,24 horas, 72 horas, 7 dias, 15, 30 dias e 3 meses. Logicamente, nos primeiros tempos, até 24 horas, você tem essa mistura de micro-organismos, mas a partir de 72 horas, predominância de saccharomyce. E só após 3 meses é que voltou a ter essa…
Carola: É, eu acho que essa volta… Nos três meses, foi muito mais pela coleta, como foi feita a coleta, do que o que está ali dentro da cerveja. A gente sabe que um barril é um local onde tem um monte de organismos crescendo. Então, assim, essa mistura, essa diversidade de organismos no final pode ter sido muito mais da barrica do que na presença da cerveja. Eles podem chamar a gente para ir para lá fazer coleta.
Estela: Mas a gente consegue ver, até que a gente colocou como algumas conclusões de que inicialmente você tem essa mistura, essa predominância entre diferentes organismos, mas que ao longo do ciclo você consegue ver alguns micro-organismos predominantes e uma diferença muito grande entre uma cervejaria e outra, entre uma fermentação e outra. Mesmo essa daqui, que é da mesma cervejaria, ela apresentou diferenças entre os micro-organismos que foram identificados, ou os tempos, pelo menos.
Carola: Mas você vê que existem somente algumas leveduras que estão sempre presentes. Então você não tem muitas coisas muito… Assim, existem muitos, muitos organismos por aí espalhados, muitos gêneros de leveduras que fermentam, e mesmo assim você teve uma predominância de três organismos, de três espécies, três gêneros, né? Basicamente, independente da região onde foi feita.
Estela: As conclusões são essas, dessas primeiras quatro análises. Para o GEAM, nós também fizemos, e eu não trouxe a apresentação, nós fizemos uma análise bacteriana.
Carola: A da Coza linda também.
Estela: Isso, das duas primeiras. E, por exemplo, do GEAM… deu uma predominância, pelo menos naqueles primeiros tempos, de lactobacilos. Quase 100% de lactobacilos. O que a gente tem que tomar cuidado? Se eu apresentar aqui para vocês que tem 100% de uma bactéria, vocês vão imaginar, mas eu estou produzindo então levedura ou bactéria? Na verdade, a gente tem que entender o quanto que a gente tem de cada um desses micro-organismos. E através dessa técnica, eu te dou a porcentagem… da presença daquele micro-organismo, mas eu não sei a quantidade. Então, por exemplo, numa quantidade de 100 ml, eu tenho 90 ou 95% de levedura, e apenas 5% representa alguma bactéria que, logicamente, já estava no seu ambiente selvagem e que foi ali para a fermentação. Daqueles 5% de bactéria, 100% no seu caso era lactobacillus. Então não é que eu estou produzindo 100% de uma bactéria. É porque a bactéria está ali numa quantidade muito pequena, mas aí através de uma técnica molecular, eu não sei precisar as quantidades em UFC ou grama por ml, mas através de uma microbiologia clássica, eu já consigo definir que eu tenho uma quantidade X. da levedura, e que eu tenho uma pequena porcentagem da bactéria. E nessa pequena porcentagem, nessa análise das amostras do Jean, a gente tinha lactobacillus.
Carola: Acho que a da Coza linda também deu lacto, né? Assim, esse foi o primeiro ano do projeto, então a gente não sabia o que ia acontecer. Hoje em dia, eu falaria, putz, eu queria ter coletado daquela cervejaria onde a cerveja não ficou tão ácida. A gente sabe que tem algumas cervejarias, tem algumas que não ficaram ácidas, ficaram bem leves. É para saber o que predominou ali, quais são os organismos que predominaram naquelas amostras, entendeu? Porque a gente não teve acesso a todas as amostras. A ideia do projeto, dessa parte científica, a gente deu essa ideia para todos os cervejeiros, a gente sabe da dificuldade que é coletar, a gente sabe da dificuldade que é enviar para os laboratórios que estavam participando, aliás, a Luciana, do Laboratório da Cerveja, a Gabriela, da Levitec, elas também fizeram parte desse projeto, apoiaram e fizeram parte. do isolamento desses organismos, de plaquear esses organismos, isolar esses organismos. E a gente sabe que muitos deles, no começo estava todo mundo empolgado, manda amostra, faz, não sei o quê, ou coleta, mas às vezes a pessoa esquece de enviar e acaba o organismo morrendo na geladeira da cervejaria. E a gente sabe também que todo mundo tem outros trabalhos, outras coisas para serem feitas. E todo mundo do projeto acabou fazendo isso de uma maneira voluntária. Então… A gente sabia que nem sempre tinha tempo de fazer isso. Até mesmo o pessoal da By My Cell, eles fizeram isso de maneira voluntária e apoiando o projeto. Então, só agradecer a vocês por isso também. Então, ou seja, a metagenômica foi a gente entender como um todo. Quem que está ali? Quem são os organismos? Quem que está presente? Quem que está se mostrando? Quem está fermentando? Como é a dinâmica populacional ao longo do tempo desse processo fermentativo? Mas aí agora vem a outra parte, que tanto a Luciana, quanto a Gabriela, quanto eu, como outros laboratórios fizeram, é isolar esses organismos. Então a gente sabe, com isso daqui, a gente já sabe quando isolar, entendeu? Então a gente recebeu a amostra de 24 horas, 0 horas, 7 dias. Se você pegar a placa no momento zero, tinha um monte de bicho ali. E é difícil, quando aparece numa placa um monte de organismo, é difícil você identificar, você vê um monte de colônia ali, é difícil você identificar e falar… Esse é fulano, esse é ciclano, eu quero pegar esse. Não, é uma loucura, é realmente uma loucura. E se você faz uma diluição muito grande, você acaba perdendo um ou outro organismo, a não ser aquele que seja mais abundante. E também não é só isso, é o tempo de crescimento de cada organismo. Então, quem trabalha com cerveja e conhece um pouco a brettanomyces , demora mais para aparecer. Mas a saccharomyces cresceu primeiro e consumiu todo o açúcar. A brettanomyces não vai aparecer. Então, é assim, a técnica de toda essa parte de microbiologia clássica, de isolamento, a gente sabe que não é fácil, exige tempo, exige conhecimento e bastante dedicação. Então, esses organismos que já foram isolados, eles estão sendo identificados, a gente já conseguiu, desses principais, a gente conseguiu mesmo já isolar e já identificar, e foi legal porque bateu a píquia, bateu a saccharomyces e bateu uma brettanomyces. que por incrível que pareça, não apareceu muito na metagenômica do Jean, apareceu numa concentração mínima, mas a gente conseguiu isolar e pegar no Maldi Tof. Mas o Maldi Tof também é uma técnica de identificação que ainda é muito robusta, está muito inicial. Então agora a gente quer pegar esses organismos que foram isolados, extrair todo o DNA dele e fazer um sequenciamento, o sequenciamento parcial, que a gente chama que é mais fácil, mais barato, e a gente consegue ver se aquele organismo realmente… É uma Saccharomyce cerevisiae. Não é uma Saccharomyce cerevisiae. Ou a porcentagem não é tão alta de identificação dele ser uma Saccharomyce cerevisiae, aí a gente passa para o sequenciamento completo, que é muito mais complexo e muito mais caro.
Quantos testes foram realizados e quanto a gente consegue entender o que vem da manipueira e o que vem do barril?
Carola: Na verdade, a gente já tinha discutido sobre isso algumas vezes, eu e o Alan, a gente já discutiu muito sobre isso, se ele consegue saber todos os organismos que tem numa cerveja selvagem, se eu consigo mimetizar isso numa cervejaria em laboratório. E a resposta é não, porque a gente não sabe. Muitas vezes, aqui pode ter até outros organismos que foram fundamentais para a sobrevivência ou morte de outros, ou produção de compostos, e esses organismos não aparecem aqui. Por exemplo, a brettanomyces que eu consegui isolar do Jean. Se você pegar, voltar aos slides, a pré-anonimista nem aparece. Se você olhar lá na tabela, ela tá em 0,1%. Mas esse 0,1% era do que estava vivo. Talvez o 5% daqueles não identificados seja lixo, seja DNA solto ali de capivara… Não, não de capivara, porque ela não teria… Mas enfim, a brincadeira é mais ou menos essa. Enfim, então você não consegue fazer isso. Você não consegue identificar a proporção. Seria um trabalho insano e que não daria certo. Você pode até fazer mais ou menos uma proporção e começar a colocar e inocular em cada momento aquele organismo naquele momento. Mas existem outros organismos, outras partes físico-químicas que vão alterar tudo isso. Eu não sei te responder, mas eu acho que a escala vai mudar. Eu acho que elas podem ter uma resposta melhor do que eu sobre isso.
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