O convidado do episódio 51 do Surra de Lúpulo, nosso podcast de cerveja artesanal, é Diego Simões, cervejeiro e blender da cervejaria manezinha Cozalinda, vencedora de 20 medalhas nacionais e internacionais em estilos relacionados à cervejas ácidas complexas. E é justamente para falar sobre esse estilo de cerveja extremamente provocativo ao paladar.
Nascida do sonho de dois irmãos manezinhos, a Cozalinda é uma nano-cervejaria que iniciou sua trajetória produzindo ales e lagers, sempre pensando em temáticas locais: a missão da cervejaria é trabalhar o terroir (saiba mais sobre terroir escutando o episódio 39, com a sommelier Cilene Saorin) da ilha a cada rótulo, oferecendo sabores e combinações que evidenciem as possibilidades da microbiota local. “Independentemente do estilo que estivermos produzindo, cada rótulo nosso representa um resultado único, que só poderia ser criado aqui. Eu não controlo o clima, não controlo a terra, a cerveja mais simples que fazemos na Cozalinda demora no mínimo um ano para ficar pronta, assim podemos ter uma comparação temporal entre os barris. E se cada cerveja representa um recorte de tempo, é feita com leveduras e temperaturas locais, estamos sim produzindo uma cerveja que só poderia acontecer aqui em Florianópolis, um terroir nosso”.
Cervejas ácidas complexas
Diego explica que a ideia de produzir cervejas ácidas complexas não é copiar metodologias de produção das lambics, por exemplo. “Minha principal missão, e isso foi algo que aprendi na Bélgica mesmo, é: faça a sua cerveja como ela tem de ser a partir dos microorganismos locais. Às vezes as pessoas provam rótulos da Cozalinda e dizem, ‘sua cerveja não parece lambic‘ e eu respondo, exatamente, porque não era esse nosso objetivo. E, quando dizem ‘nossa, parece muito uma lambic‘, eu agradeço o elogio, mas não, ela não é. As cervejas ácidas complexas também sofrem muito em concursos nacionais de cerveja. Às vezes o resultado é acético demais para o paladar do juiz, que está pensando em um espectro de avaliação muito colado nos parâmetros belgas. Isso dificulta muito a incorporação do estilo a partir de cada local geográfico, que é justamente a nossa ideia de produção”.
Cervejas selvagens
“Eu cito o exemplo do mundo dos vinhos orgânicos. São vinhos selvagens, de fermentação espontânea. Estive em Bento Gonçalves para ver como eles trabalham, ver a questão dos barris, que nós usamos muito na Cozalinda. E acho que temos muito a aprender com a vinicultura: como vender, como se apresentar para certos mercados, como se relacionar com a gastronomia e, no nosso caso, as metodologias de produção, porque as cervejas ácidas complexas no fundo têm mais a aprender com as vinícolas do que com as cervejarias.
O caminho traçado para chegar ao momento atual da Cozalinda foi mirar em processos únicos que traduzam da melhor forma o terroir local. Mas como traduzir isso para o mundo da cerveja? Diego explica que, de modo análogo à importância da uva para o vinho, os microorganismos que fazem a fermentação são o elemento que agrega as principais características das cervejas da Cozalinda. Para deixar este processo ser tão único, a cervejaria produz sem controle de temperatura e armazena em barris de madeira. “Assim que termina a fermentação, cabe ao cervejeiro o papel que nas vinícolas é dos enólogos: encontrar o melhor blend ano a ano. Ao fim do blend, o cervejeiro tem suas cervejas bases”.
A Cozalinda produz três bases diferentes: Praia do Meio (fermentação com microorganismos locais selvagens selecionados em laboratório), Pedras do Itaguaçu (os microorganismos da Praia do Meio somados a microorganismos selvagens belgas fazem a fermentação) e a Paulo Lopes (com a fermentação ocorrendo com microorganismos espontâneos coletado em um engenho de mandioca).
Com as bases prontas, o cervejeiro cria diferentes receitas, acrescentando frutas, sementes, folhas e outros ingredientes que se somam a para contar histórias locais. As receitas da Cozalinda levam em consideração as histórias da ilha, sua cultura, ou seja, o “terroir cultural” também influencia nas criações. “E estamos sempre, sempre, pensando em produzir cervejas que possam ser tomadas em Floripa. No inverno e no verão, que harmonizem bem com a gastronomia local que é maravilhosamente influenciada pela abundância de frutos do mar.”