No episódio 232 do Surra de Lúpulo, vamos explorar como o vinho natural pode abrir portas para a cerveja artesanal especial nos espaços gastronômicos. Para enriquecer essa conversa, convidamos a sommelière e empresária Patrícia Brentzel, que compartilhou suas valiosas experiências. Quem sabe, juntos, podemos traçar um caminho promissor para a cerveja nesse universo!
Ouça o episódio na íntegra:
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Vinho natural e Patrícia
Antes de entrar no tópico da vez, o vinho natural, vamos conhecer melhor nossa convidada Patrícia. Pedimos a ela que se apresentasse para o público do Surra de Lúpulo.
Patrícia conta que começou sua trajetória há 21 anos e relembra com orgulho sua jornada, desde o início no mundo do vinho até os dias atuais. Com formação em marketing e uma carreira no mundo corporativo, destaca que o marketing é tanto sua formação acadêmica quanto algo que sente “no sangue”, já que sempre esteve envolvida com o setor comercial, além de seus trabalhos como sommelière.
“O ralo da vida é vender, né?”
Ela explica que entrou no universo do vinho em um momento de transição, após anos trabalhando em uma multinacional. Começou sua carreira cedo, aos 15 anos, com o objetivo de ganhar dinheiro para continuar estudando. Sua história profissional começou com um curso técnico no colegial, que abriu as portas para seu primeiro emprego em uma grande empresa. Mais tarde, depois de uma reestruturação corporativa, Patrícia decidiu experimentar novas possibilidades fora do mundo corporativo e distribuiu currículos para restaurantes na Zona Norte de São Paulo, onde foi convidada para trabalhar como hostess.
Foi nesse ambiente que nossa grande convidada teve seu primeiro contato com o vinho, oferecendo garrafas aos clientes que esperavam nas mesas. Ao ser questionada pelo maître sobre seus conhecimentos, ela admitiu que não sabia muito sobre o assunto. Ele então lhe deu um livro, e isso marcou o início de sua trajetória no mundo dos vinhos. Motivada por sua curiosidade e desejo de entender melhor o comportamento dos consumidores, Patrícia fez um curso básico de vinhos, e logo se matriculou em um curso de sommelier, seguido por outras formações. Durante esse período, ela se desdobrou em três empregos para pagar pelos cursos, reconhecendo que entrar nas áreas de vinho, cerveja ou coquetelaria é caro.
Hoje, além de sua experiência em restaurantes e importadoras, Patrícia possui uma empresa de consultoria, eventos e experiências, fundada em 2011. Sua trajetória reflete uma paixão contínua pelo universo dos vinhos e um profundo conhecimento do mercado. Palmas!
O que você pode nos contar sobre a história ou seria a evolução dos vinhos naturais?
Patrícia Brentzel começou sua jornada no universo dos vinhos através do mercado de vinhos convencionais, assim como muitos outros profissionais que hoje se dedicam aos vinhos orgânicos, biodinâmicos, naturais e sustentáveis. Ela aponta que a maioria das pessoas ingressa nesse mercado por meio dos vinhos convencionais, que ainda dominam o mercado. Durante sua carreira, Patrícia trabalhou em diversas importadoras, tanto como funcionária quanto prestando serviços, sempre lidando com vinícolas de vinhos convencionais.
Por volta de 2012 ou 2013, ela foi introduzida ao movimento dos vinhos naturais por meio de dois colegas importantes: Alice Ereja e Leonardo Reis. Ambos foram fundamentais nesse processo e são, atualmente, idealizadores da Feira Naturebas, um evento que promove vinhos naturais e sustentáveis. Antes disso, Leonardo havia estudado com Patrícia em um curso de sommelier, enquanto Alice trabalhava como embaixadora de uma vinícola de vinhos convencionais. Foi nessa época que Alice começou a explorar o movimento dos vinhos ancestrais, feitos de maneira artesanal e sem processos industriais, viajando para diversos lugares, como a Geórgia, para entender melhor esse cenário global. Ela percebeu que, em praticamente todos os países, havia produtores dedicados a criar vinhos em escala humana, sem a adição de produtos químicos.
A partir desse entendimento, Alice e Leonardo decidiram mapear os produtores brasileiros que seguiam essa abordagem. Eles organizaram a primeira “caravana natureba” ao sul do Brasil, onde está a maior concentração de produtores de vinhos naturais, para entender melhor o cenário nacional. Com isso, a Feira Naturebas foi criada, inicialmente realizada na Enoteca Saint-Vincent, o restaurante da Alice, com apenas 20 expositores e 100 participantes.
Hoje, embora Patrícia não esteja diretamente envolvida na organização da feira, ela se sente parte do movimento, que já celebra 10 anos. A última edição do evento foi realizada na Bienal, um marco emocionante que demonstra o crescimento do interesse pelos vinhos naturais. Apesar de o mercado de vinhos naturais ainda ser pequeno em comparação ao de vinhos convencionais, acredita que cada vez mais pessoas estão entendendo o valor e a importância de consumir vinhos que fogem dos padrões industriais.
O status do vinho
Patrícia observa que, historicamente, muitas pessoas associam o consumo de vinho a algo sofisticado, quase um símbolo de “ser chique”. Mas destaca que essa percepção acontece em um país onde o consumo de vinho é ainda muito baixo, com menos de 3 litros per capita por ano. Por mais que esse número tenha aumentado um pouco, principalmente durante a pandemia, ela ressalta que o crescimento foi temporário e ilusório, já que os níveis de consumo voltaram a cair.
Ela também aponta que, em um país como o Brasil, onde produtos artesanais têm um valor agregado maior, grande parte da população não tem acesso financeiro para consumir vinhos ou outros produtos artesanais com regularidade. Nossa convidada acredita que o vinho ganhou certa relevância antes da cerveja artesanal, embora o Brasil seja um grande consumidor de cerveja. A maior parte desse consumo, no entanto, ainda está concentrada nas marcas mainstream. Quando se trata de cerveja artesanal, assim como de vinho natural, esses produtos ficam restritos a nichos específicos, ou “bolhas”, como ela descreve.
Patrícia também reflete sobre a criação desse status em torno do vinho e admite que os próprios profissionais do setor contribuíram para isso. Ela, por outro lado, entrou no mundo do vinho com a intenção de democratizar o consumo. Sua missão sempre foi tornar a linguagem do vinho mais acessível, pois acredita que a forma tradicional de falar sobre o tema afasta os consumidores. Patrícia comenta que seus ensinamentos, seja em aulas, palestras ou encontros, são sempre abordados de maneira lúdica e amigável, buscando simplificar o que muitas vezes é apresentado de forma técnica e inacessível.
Ela critica os conteúdos de marketing e educação que muitas vezes se perdem em jargões técnicos, como “fermentação malolática” e “acidez”, sem considerar o público. Para Patrícia, falar de acidez, por exemplo, pode ser interessante, mas precisa ser feito de maneira que o consumidor comum entenda e se interesse, em vez de se sentir intimidado por termos técnicos. É sobre democratizar o conhecimento e o acesso a esse produto.
Vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais: qual a nomenclatura correta? Isso gera confusão nos consumidores? Existe diferença entre eles?
“Tem muita confusão por muitos motivos. Quando nasce o movimento, a feira começa com esse nome chamado Feira Naturebas. E pra começar, muita gente olha esse termo até como uma coisa como se fosse meio hippie? E assim, na verdade, esse termo foi criado justamente porque a gente não tem legislações assim, aqui no Brasil, né? Que vão realmente colocar cada categoria no seu lugar.”
Patrícia explica que no mundo do vinho, há uma tendência de olhar muito para o que acontece internacionalmente, mas ela ressalta que o termo “Naturebas” funciona como um guarda-chuva que engloba várias categorias, como vinhos orgânicos, biodinâmicos, naturais e sustentáveis. No entanto, ela destaca que a palavra “sustentável” pode ser difícil de definir, especialmente no contexto do vinho. O que realmente importa, segundo Patrícia, é a preocupação geral com a produção de vinhos de forma ancestral, com uvas orgânicas, embora nem todos os produtores tenham certificações, o que também é comum no cenário internacional.
Ela menciona que, em regiões renomadas, como a Borgonha, onde são produzidos alguns dos vinhos mais caros e prestigiados, o cultivo e a produção são feitos de maneira natural, sem a necessidade de correções artificiais. Nesses casos, o foco está no terroir e na qualidade da uva, o que gera vinhos de excelência. Patrícia acredita que essa abordagem pode confundir o consumidor, que às vezes teme que os vinhos naturais sejam muito diferentes dos vinhos mais acessíveis, como os argentinos e chilenos. Embora, em alguns casos, os vinhos naturais apresentem aromas e sabores distintos devido à ausência de correções químicas, ela ressalta que a diferença pode ser sutil.
Em vez de se perder nas terminologias, Patrícia prefere focar na essência: vinhedos limpos, que podem ser orgânicos ou não, e um cultivo agroecológico. Outro ponto crucial, para ela, é o uso de leveduras selvagens e autóctones, pois na produção industrial as leveduras são geralmente inoculadas em laboratório, o que, em sua opinião, compromete o terroir. Patrícia acredita que, para um vinho realmente refletir seu lugar de origem, é necessário que a levedura também seja nativa do local. Ela exemplifica que, ao usar leveduras de laboratório, um produtor pode escolher o perfil de sabor que deseja, como o de um Chablis francês, o que acaba artificialmente padronizando o vinho. Para Patrícia, não há terroir verdadeiro se a levedura não for autóctone.
O que o vinho natural pode ensinar para a cerveja artesanal para ser encarada com um item gastronômico e que combina com restaurantes mais elaborados?
Patrícia explica que o caminho seguido tanto pelo vinho quanto pela cerveja artesanal, com foco em fichas técnicas detalhadas, pode não ser a melhor maneira de envolver as pessoas no quesito marketing. Depois produzir inúmeras fichas técnicas em seus trabalhos, ela percebeu que fichas muitas vezes se tornam apenas “traduções automáticas de descrições estrangeiras”, sem uma conexão verdadeira com a realidade local ou com os sabores que o público conhece. Segundo ela, esse excesso de tecnicismo pode desestimular os iniciantes, que acabam não identificando os aromas e sabores descritos, o que traz o sentimento de deslocamento.
Ela propõe uma abordagem mais intuitiva e pessoal para que cada pessoa encontre seus próprios aromas e sabores, com base nas experiências que já possuem. Para Patrícia, uma forma de tornar a cerveja artesanal mais acessível e conquistar novos espaços, como o vinho natural tem feito, é através da experimentação e da criação de momentos envolventes. Em vez de eventos formais, como jantares, ela sugere algo mais próximo do cotidiano das pessoas, como uma roda de samba com comida de boteco, por exemplo.
Erros e acertos que você percebe no mercado de vinhos (vinhos naturais) que você acha que o mercado cervejeiro deveria evitar?
Patrícia comenta que ao longo de sua experiência trabalhando tanto com grandes marcas quanto com pequenos produtores, ela percebeu uma diferença significativa no acesso a recursos. As grandes marcas, seja no mundo do vinho, da cerveja, dos destilados ou da coquetelaria, têm maior facilidade devido ao seu poder financeiro. No setor de vinhos, por exemplo, há práticas comuns de bonificação, onde pedidos são frequentemente complementados com garrafas extras, algo que ela não observou com a mesma intensidade no mercado de cerveja artesanal.
Ela também notou que, no mundo da cerveja, o marketing nem sempre está alinhado ao setor comercial, o que, em sua visão, é um ponto fraco. Um produto de alta qualidade, por si só, não é suficiente para garantir o sucesso. Aspectos como embalagens atraentes, rótulos criativos e a presença nas redes sociais são elementos cruciais. Eventos inovadores, que fogem do comum, também desempenham um papel fundamental para diferenciar uma marca.
Patrícia reforça que a comunicação eficaz precisa ser conduzida por quem conhece o universo da cerveja. Não adianta contratar empresas de marketing sem ligação com esse meio. Ela elogia o exemplo dos meninos da Juan Caloto, destacando-os como um case de sucesso por entenderem o mercado e se comunicarem de forma autêntica, além de manterem uma forte presença na comunidade cervejeira.
tim-tim e até a próxima
Beba melhor. Beba com moderação.
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