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Surra de Lúpulo #183: O poder do consumidor periférico com M.M. Izidoro

ONDE OUVIR:
o poder do consumidor periférico

No programa de hoje, vamos falar de um tema que é tratado como tabu, não apenas no meio cervejeiro, mas acredito que em muitas empresas e mercados. Como é o consumidor na periferia? Chamamos para nos ajudar a elucidar essas e muitas outras perguntas – e quem sabe derrubar por terra algumas suposições desses consumidores – M.M. Izidoro, que é  apresentador, produtor, roteirista, autor e diretor. Um criativo eclético, considerado uma das 20 pessoas mais criativas do mundo pela revista AdWeek. Ouça na íntegra:

✨ Deixamos o nosso agradecimento aos Mecenas Empresariais: Cerveja da CasaIris PayCervejaria UçáViveiro Van de Bergen, The Beer Agency, Prussia Bier e Passaporte Cervejeiro.

 

O poder do consumidor periférico

Mamá posando de perfil. Cabeça está inclinada para o lado, usa óculos escuros, uma bomber alaranjada por fora de uma camisa de botão preta.
Foto por @nanacurti

A gente sempre começa pedindo que o convidado se apresente para os nossos ouvintes, mas o M.M. é tão multifacetado que acho que valeria a pena nós lermos uma mini biografia dele para garantirmos que nada fique de fora. 

M.M. é apresentador, produtor, roteirista, autor e diretor. Um criativo eclético, foi considerado uma das 20 pessoas mais criativas do mundo pela revista AdWeek.  Criou a plataforma de saúde mental #EuEstou em parceria com o Meta Brasil , o podcast de basquete BIG SHOT POD e muitos outros para HBO, Globoplay, RedBull e 99.  Ele é diretor e roteirista do projeto #AmarEloPrisma, com Emicida, do podcast Casa Floresta pro Instituto Socioambiental, dos filmes “Amaré” e “O Diabo Mora Aqui”, dos audiolivros oficiais da Saga Harry Potter em Português, foi também colunista do ECOA, a plataforma de bem social do UOL e criou e dirigiu os audiodramas de ficção cientifica indígena “Eles Estão Aqui” e a comédia romântica preta “Depois Que Tudo Mudou” para o Globoplay e foi consultor de comunicação da Globo na edição de 2023 do “Criança Esperança”.

 

Depois de saber um pouco de você, Mamá. Explica para gente como você escolhe os projetos que você participa?

 

Capa do primeiro filme de Harry Potter: e a Pedra FilosofalMamá em 6’57’’: Olha, Lud, ultimamente eu não ando… os projetos têm vindo até mim, sabe? Porque até parte do papo aqui, eu comecei como cineasta, né, querendo fazer audiovisual, mas aí entendi que a minha parada era mais contar história. E quando eu aprendi isso, eu tive a sorte de fazer mais coisas que estão na lista, e tive a sorte de viajar o mundo inteiro. E aí eu comecei a entender, a narrativa… a gente não compra um produto, a gente compra uma narrativa, uma ideologia. Quase sempre, a gente não casa com alguém pelos atributos, tem uma narrativa por trás dessa atração. E eu comecei a ver que era muito maior o meu poder de contar histórias, tipo uma criança ali inventando um mundinho. Aí comecei a aumentar, nos últimos anos, começaram a aumentar os projetos. O que eu tento fazer é tipo, pegar algo grande, tipo Harry Potter, e tentar inserir novos tópicos, novas possibilidades de narrativa. Mas sem poder mudar o texto. Então eu consegui mudar algumas coisas, porque não dava, mas briguei com a J.K. Rowling. Não fui o único aí, é a tradição de brigar com a J.K Rowling. Mas no fim, dá pra sugerir mudanças no texto com a tradução, né, e ao mesmo tempo eu trago um preto e uma pessoa queer para ler. E com isso vem novas camadas lá dentro de um livro que é incrível, o mundo é incrível, só que se você for ler, ele não envelheceu bem, sabe? Ele é gordofóbico, machista e misógino. Só que a história é muito boa. Então como podemos trazer essas novas possibilidades para essas histórias. E hoje em dia, a maneira como eu escolho os projetos é onde eu consigo brincar mais, pra cada vez mais gente ver, fazendo essa ponte. Um amigo meu me chamou de Exuzão da Comunicação, que tá quase sendo a minha bio, porque é quase sempre o meu papel tá sendo de traduzir e fazer pontes entre dois lugares. Quase sempre o orum ali, onde tá o topo, e a base, onde tá quase todo mundo. E como a gente traduz? Parece fácil, mas não é não. 

 

Vimos no e-book “Brasil Corre, o corre de quem tá sempre em movimento!”, publicado pela Consumoteca um gráfico que lista quais atributos constroem a preferência de marca, e o top 3 é igual para o consumidor periférico e não-periférico, com duas informações que chamaram a minha atenção, o segundo que o preço é mais importante para o NÃO-PERIFÉRICO e o terceiro que é o bom atendimento que é mais importante para o PERIFÉRICO. Isso vai muito contra a práticas de algumas marcas, pode nos falar um pouco sobre a origem desse desejo pelo bom atendimento e relação com o preço? 

 

Photo film para Lacoste, com modelos negros usando lacosteMamá em 13’57’’: Você mesmo já deu a dica da resposta que é o desejo. A tradução disso ainda mais pras pessoas da classe B2. B1 ali a gente tá falando de quem ganha uma média de 10 mil reais, B2 vai até 5 mil reais. Estamos cada vez mais consumindo e produzindo as mesmas coisas. Antes eram poucas pessoas que tinham acesso a uma televisão, então você tem o rádio, o rádio era caro, aí barateia, depois a internet… Quando você tem 99% das pessoas das casas do brasil com celular, você já começa errando de achar que a pessoa vai baixar um app, ou entrar em sites. Porque quando você vai ver de onde vem a informação desse grupo, é da televisão e do whatsapp de graça que o plano pré-pago vai dar. Que é a rede social e o whatsapp. Então quando a gente começa a ter essa narrativa, essa parada, de eu to vendo um influenciador aqui, me chama, isso aí já vai pro desejo. E a parte do desejo pra mim é importantíssima. Tem uma coisa social de que pobre vestido com roupa largada é bem mal visto dentro da sociedade, né. Então a chance de você ser visto como um bandido, infelizmente, é muito alta. Então quando você vê essa galera começando a trabalhar, a primeira coisa que eles metem é um boot ou uma peita, como eles falam. Que é uma camiseta, um tênis, e para eles é antes da comida, sabe? Porque pra ele a chance de pegar um enquadro é menor durante o percurso pro trampo, que leva três horas. E ao mesmo tempo é pra se mostrar no baile. É uma coisa multifacetada. A primeira coisa que a gente pensa é que o mauricinho da XP do banco vai usar Lacoste. Mas a campanha de 90 anos da Lacoste foi periférico. As fotos da campanha foram feitas na periferia por pessoas pretas. Então a Lacoste estava anos negando essa galera, rolaram muitos papos de site de rap se perguntando se deveriam continuar usando roupas de pessoas que não olham pra eles (citando a Lacoste). Aí a Lacoste abraçou a periferia e quem chorou depois foi a classe média, não essa galera. […] É muito menos de olhar pra frente e pra trás, e começar a olhar pro lado.

 

De onde vem o ímpeto do consumo? E você acredita que ele é de alguma forma diferente nas periferias e na não periferia?  

 

Cartaz de Sintonia, série da NetflixMamá em 26’36’’: Acho que sempre é o desejo. Na antropologia tem os três Fs, que são Flee (fugir), Fight (lutar) e Fuck, no caso o desejo. Ou eu quero deixar alguém brabo, ou quero ir contra ou a favor a alguma coisa, ou eu quero alimentar o meu desejo de alguma forma. Então, você vê eventos de cultura pop, como a CCXP, a Tudum, da Netflix. Quem tá lá é essa galera, e ao mesmo tempo eles não assinam o streaming, então eles estão consumindo de outro jeito. Olha que curioso. A série de maior sucesso da Netflix, no Brasil, é a Sintonia, uma série periférica. Quando você vai na quebrada, ver o set, você vê a galera emulando os personagens da série como se fosse o Batman. […] Quando a gente traz aqui, em números, só a população negra brasileira (com os asteriscos da questões de negro com petro, mulato, questão indígena e tal), uma população que foi trazida contra sua vontade. Então se você pegar os 200 milhões de brasileiros, são 118 milhões que se autodeclaram negros. Isso quer dizer que se a gente fosse um país, nós negros, a gente seria o 11 país em população do mundo e o 17 em consumo. Se todas as favelas se juntassem, senão me engano, seríamos o estado em quarto maior lugar de população. Então tem um termo que eu to usando muito que é, a gente precisa sair da nossa zona sul mental. Porque parece que tem um muro intransponível que a classe média brasileira fez da nossa própria ideia colonialista do extrativismo que a gente viveu né. [A gente] usa o nosso corpo, usa o nosso tempo pra consumir a terra, vender, e ganhar alguma coisa com isso. Sendo que hoje isso vai pra todos os lados, seja a propriedade intelectual, cultural, seja quem faz a cerveja, uma porção de coisa. E quem tá ficando rico é quem tá explorando nós. Então quando a vê o desejo é o desejo das massas. Quem tá te servindo no restaurante, repara a roupa que tu ta usando e acha massa. Quem toca na roda de samba que você acha legal, é o motorista de uber. A gente é um só. Tá coexistindo e convivendo toda essa galera, então essa galera tá vendo e querendo consumir cada vez mais. 

 

Beber cervejas de outros estilos vem com um interesse em experimentar novos sabores, ter outras experiências dentro do segmento de bebidas. Existe algum segmento, que com um produto, conseguiu despertar essa curiosidade no consumidor periférico? 

 

Mamá em 39’49’’: Falando até de bens de consumo o que me vem à cabeça, é a comida que muitas vezes tão ali. Já falei da Lacoste, né. Mas tem as lanchonetes do Outback. Porque o país que mais consome Outback é o Brasil, aqui as pessoas acham que Outback é fine diner, sabe? E aí tem um caso dos complexos do Rio que é um cara que criou uma rede de trailers chamada Outbeco. Outbeco cresceu muito e tem uma história sensacional. […] Um segmento que to vendo crescer muito por conta da facilidade de compras da Shopee é o café. Você pode até ver que marcas grandes estão colocando café de microlote, sabores especiais, e tem uma marca que se chama Café Di Preto, que é como se fosse uma microcervejaria. Aí ele ensina todo o processo de saber identificar sabores, de saber como moer, o ponto certo da água. Ele começa a te vender o lifestyle, não só o produto.

 

Assim como em outros segmentos, a cerveja artesanal falha muito na inclusão de consumidores de classes diversas. Aparentemente o mercado sempre se comunica com as mesmas pessoas e reclama muito da falta de crescimento em relação às grandes companhias. O que o mercado cervejeiro está fazendo de errado?

 

Duas mulheres se abraçam enquanto bebem garrafas de cerveja. Estão rindo e felizes.Mamá em 44’03’’: É muito parecido com o que eu falei da questão do audiovisual, que eu acho que o mercado cervejeiro, o ponto de entrada é muito alto. Você tem que comprar lúpulo, grão, material, recurso, tempo, processos, etc. E aí tem espaço e técnica, e errar pra aprender e jogar fora… É um custo alto. Tanto que por muito tempo cineastas eram da classe alta e um dos maiores cineastas do brasil era dono do nióbio brasileiro, dono de banco, não é à toa que essa galera tá ali. É muito parecido. Ao mesmo tempo eu acho que tem essa falsa dicotomia de “nós contra eles” e “pobre não consome”. Então por exemplo, tem um dado que eu gosto muito de trazer, que é quando você pega, além dos negros, você vê as minorias, que chamamos aqui “minoria majoritária”, que são minorias sociais e geográficas, mas não de números, elas são minorias conceituais. Aí você tem quase 120 milhões de negros, 108 milhões de mulheres, 158 são da classe CDE, 15 milhões LGBTQIAPN+ e 12 bilhões de PCD’s. Mas quando você junta essa galera, já tem uns economistas chamando eles de clube do trilhão, porque quando vocês juntam eles estão consumindo mais de 1 trilhão de reais, por cada um deles. Então quando a gente acha que essa galera não tá consumindo, é mentira. A gente entende que tem uma ideia ali, que talvez fosse verdade, durante muito tempo, que fosse educação, que não tem conhecimento, o fato que estamos vendo é que isso não é verdade. Porque até pro mercado de cerveja, tem uma pesquisa da persona favela que ela fez, que ela começou a perguntar sobre bens de consumo E ela começou a perguntar especificamente sobre marcas de cerveja. E você vê sim, tem sim Brahma, Skol e Itaipava da galera consumindo. Mas aí Heineken já vem em 15%, disputando com a Antártica. Tem cerveja que tem salto de preço, então já começa a ser um investimento alto numa noite. Mas a galera tá consumindo e citando a galera “premium” nominalmente. Como a galera artesanal vai chegar nessa galera?[…] Hoje a gente tem a possibilidade de construção de marca, narrativa, ainda mais a microcervejaria que tem a possibilidade de brincar com rótulo, data temática, eventos específicos e ficar esperto. Como ninguém colou no Rene Silva (Vozes da Comunidade) lá do CPX, pra fazer uma cerveja com ele? O cara tem casa de festa, recebeu Lula, Xuxa.. Ele já tá na quebrada, então tem uma possibilidade de negócio aí muito grande. Coloca um tema daquele espaço na narrativa do desejo, porque a pessoa vai se ver e se ela se ver, ela vai consumir. O “finado” Woody Allen falava, 80% do trabalho é só aparecer, 20% você tem que suar. Então a gente tá com essas possibilidades muito quente. 

 

Leandro pergunta se as cervejas artesanais são invisíveis na periferia, Mamá explica que estão começando a surgir cervejarias bem aos poucos. 

 

Mamá, obrigada por esse papo incrível!

Até a próxima, pessoal!

 

✨Leia também: Edital Fermenta com Marta Rocha e Billa Geraldi 

✨O que bebemos durante o programa? Mamá bebe Café, de microlote, e uma água; Lud bebe Fumaçônica, Hash Black IPA; Leandro bebe Luminosa, da Expedição do Lúpulo da Prussia Bier.

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