Tudo começou com uma lata de refrigerante…
Quando criança, Luis Paulo Guarnieri, nome por trás da Cervejaria Guarnieri, não fazia ideia de que sua paixão por colecionar garrafas e latas o levaria a fundar uma das cervejarias artesanais mais respeitadas do Brasil. Enquanto outros garotos gastavam suas mesadas com brinquedos ou figurinhas, ele investia cada centavo em embalagens diferentes, muitas vezes latinhas de refrigerante ou garrafas de cerveja.
Essa curiosidade quase ingênua, então, evoluiu com o tempo. Trabalhando com exportação, Luis teve a oportunidade de viajar para fora do Brasil e, nessas viagens, começou a explorar novos sabores. Primeiro, foi impactado pelas tradicionais Weiss alemãs — como a Paulaner e a Erdinger. Mas o verdadeiro clique aconteceu nos Estados Unidos: foi lá que Luis provou sua primeira IPA. E a vida mudou.
“A partir daí foi o produto que me chamou muita atenção… Que cheiro é esse?”
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Cerveja artesanal como hobby: da brincadeira ao bar especializado
No início dos anos 2000, Luis descobriu que dava para fazer cerveja em casa. Comprou um guia, duas panelinhas e começou a alimentar esse hobby. As brassagens eram espaçadas, entre uma viagem de trabalho e outra, mas sempre despertavam a curiosidade de amigos, que passaram a participar da brincadeira.
Foi quando, então, Luis deu um passo ousado: deixou o emprego e abriu um bar especializado em cervejas artesanais e importadas, o Doppio Malto, em Bento Gonçalves-RS. Isso por volta de 2010, quando o movimento de cervejas especiais começava a ganhar força no Brasil.
O bar foi um sucesso! E, seguindo o modelo dos brewpubs americanos, Luis percebeu então que era hora de produzir sua própria cerveja. Como a legislação impedia a fabricação no mesmo espaço do bar, ele montou uma fábrica próxima, entre as cidades de Garibaldi e Farroupilha — onde a Cervejaria Guarnieri segue localizada até hoje.
Portfólio da Cervejaria Guarnieri: da produção caseira à fábrica artesanal
No começo, como todo cervejeiro caseiro, Luis queria fazer de tudo. A curiosidade falava mais alto e cada brassagem era uma nova receita. Mas com o bar funcionando, ele entendeu que precisava pensar no consumidor: não dava para oferecer apenas IPAs, por mais que fosse sua preferência pessoal.
Assim nasceu um portfólio pensado para agradar diferentes perfis. A primeira fase teve variedades como uma Weiss, que nem está mais em produção, passando por estilos como APA, Hop Lager, Stout e Belgian Blonde.
Depois veio a fase da indústria. Com a fábrica consolidada, a Guarnieri definiu uma linha fixa com 6 ou 7 produtos. Atualmente, vive seu terceiro estágio: o amadurecimento. Luis define esse momento como o reconhecimento de onde eles realmente se destacam: produtos com lúpulo em destaque.
Cachorro Ovelheiro: a IPA brasileira premiada três anos seguidos
Quando falamos de IPA no Brasil, é impossível não mencionar a Cachorro Ovelheiro, a cerveja que levou a Guarnieri ao topo do pódio por três anos consecutivos na categoria American IPA do Concurso Brasileiro de Cervejas, entre outras premiações.
“O prêmio no concurso é uma certificação do teu trabalho. Ele é botado à prova.”
Luis revela que, desde o dia em que decidiu abrir a fábrica, seu objetivo era claro: fazer a melhor IPA do país. E foi com esse foco que a cervejaria construiu um processo de excelência.
Cerveja lupulada com consistência: o segredo está na repetibilidade
Enquanto outras cervejarias apostam em variedade constante, a Guarnieri fez o movimento contrário: optou por consistência. Segundo Luis, a repetibilidade — palavra que virou piada durante o episódio, mas carrega peso estratégico — é o que garante que quem tomar uma Cachorro Ovelheiro hoje, amanhã ou daqui a um ano, sinta exatamente a mesma experiência.
“A tentação de fazer coisas novas todo dia é muito forte, pra quem vem da panela.”
Concursos e constância: visibilidade que se transforma em legado
A primeira medalha de ouro da Guarnieri veio em 2017, com a vitória na categoria American IPA. A consagração se confirmou com a segunda vitória consecutiva — um feito até então inédito. Mas, além para além da constância, o sucesso da Cachorro Ovelheiro veio também pela inovação: uma IPA de coloração mais clara, com perfil cítrico, contrastando com as versões resinosas da época.
Atualmente, os concursos funcionam mais como confirmação da excelência do que estratégia de visibilidade.
IPA com assinatura: novas versões e desafios aromáticos
Depois de conquistar o topo com a versão original da Cachorro Ovelheiro, a Guarnieri ousou. Uma das novas IPAs levou o lúpulo Talus, de perfil complexo. O resultado? Medalhas em praticamente todos os concursos nos últimos dois anos.
“O legal é isso: pegar uma coisa difícil e tornar ela fácil.”
Cerveja artesanal gaúcha e o poder da “laranja”
A versão de rótulo laranja representa 70% da produção mensal da Guarnieri. Luis reconhece que, fora do Rio Grande do Sul, muita gente conhece a “laranja” sem saber da cervejaria. Mas tudo bem: ela é o abre-portas.
“Ela é o abre-portas. Ela é o abre-torneiras.”
O marketing do silêncio: reputação construída no copo
Ainda que muito se diga a respeito, a Guarnieri não investe em anúncios. A marca, na verdade, confia no produto, na relação direta com o consumidor e na qualidade como ferramenta de marketing. A fidelidade vem do boca a boca.
Cerveja em garrafa e sem pasteurização: a escolha artesanal da Guarnieri
Todas as cervejas da Guarnieri são envasadas em garrafa de vidro e não passam por pasteurização, o que garante aromas e sabores preservados — especialmente em suas IPAs lupuladas.
“As melhores bebidas do mundo estão em garrafa. Vinho, espumante, uísque…”
Mesmo em colaborações, como a feita com a cervejaria Dude, a Guarnieri não abre mão da garrafa. A fábrica não tem estrutura para lata — e a escolha é também ideológica.
Venda com propósito: pontos de venda que respeitam o produto
Luis é exigente com os pontos de venda. Se o local não consegue garantir refrigeração e conservação adequada, a Guarnieri prefere não vender, já que a experiência precisa ser fiel.
“Eu não vendo para quem não acompanha aquilo que eu acredito.”
Produção nacional: parceria com a Louvada no Centro-Oeste
Para atender mais regiões do Brasil, a Guarnieri produziu por um período na Louvada, no Mato Grosso, com supervisão direta. Uma experiência na qual a qualidade foi mantida e a expansão, facilitada.
Com o fim da parceria com a Louvada, porém, a Guarnieri transformou a Cachorro Ovelheiro em uma coleção de IPAs. A mudança exigiu produção própria e alinhamento estrito com os princípios da marca.
Desafios invisíveis de empreender com cerveja artesanal
Luis relata os inúmeros desafios enfrentados desde o início: burocracia, impostos, mão de obra, fidelidade ao propósito. A Guarnieri, apesar deles, escolheu o caminho da consistência e resistiu às pressões por modismos.
“A Guarnieri não é uma cervejaria inventiva. Mas é fiel à nossa ideia.”
Biergarten e raízes familiares: uma experiência completa
O espaço físico da Guarnieri é parte da experiência. Um antigo sítio de família se transformou num Biergarten com natureza, acolhimento e exclusividade.
“Se não tiver espaço, eu arrumo um banquinho pra te sentar e tomar.”
Futuro com lúpulo, sofisticação e legado
O plano de expansão da Guarnieri inclui mais IPAs, produtos sofisticados como a Bière Brut e a continuidade de um legado familiar. Assim, Luis sonha com uma marca que dure séculos.
“Meu objetivo é que daqui a 200, 300 anos, eu seja uma foto na parede.”
Conclusão: de olho naquilo que importa
Em resumo, a história da Guarnieri é prova de que autenticidade, foco e consistência ainda são ingredientes essenciais para o sucesso no mundo da cerveja artesanal. Num mercado movido por modismos, a Cachorro Ovelheiro mostra que a excelência, quando cultivada com paixão e propósito, é capaz de criar legados — e abrir torneiras por todo o país. 
