A Bélgica é indiscutivelmente sinônimo de tradição cervejeira. Mas o que acontece quando um país que respira cerveja precisa equilibrar orgulho histórico e inovação constante?
Neste episódio da série Cervejas Sem Fronteiras, Ludmyla Almeida, Henrique Boaventura e Bia Amorim conversam sobre o mercado de cerveja belga a partir de uma entrevista realizada com Luc de Raedemaeker, autor de The Belgian Beer Book, além de diretor e cofundador do Brussels Beer Challenge, um dos concursos mais respeitados do mundo. O papo então revela como o país equilibra tradição, reinvenção e uma devoção quase religiosa à boa cerveja.
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Tradição que nunca envelhece
Luc começa a conversa reforçando o que parece ser o mantra da Bélgica: inovar sem abandonar a tradição. Segundo ele, “a revolução da cerveja artesanal deixou sua marca no país”, mas os belgas seguem fazendo estilos clássicos como Tripel, Dubbel e Saison, agora reinterpretados por uma nova geração de cervejeiros.
Desse modo, para Luc, o reconhecimento da Unesco — que em 2016 declarou a cultura cervejeira belga Patrimônio Imaterial da Humanidade — foi um ponto de chegada, não de partida. “Não foi a Unesco que impulsionou nossa indústria; foi a consolidação de algo que já existia há séculos”, afirma.
Diante disso, Bia Amorim observa que o tom “arroz com feijão” dos belgas é revelador: para eles, o que para o resto do mundo é mítico, é simplesmente o cotidiano. Ludmyla então reforça: “Não é trivial, é tradicional”. Em Bruxelas, por exemplo, os cardápios começam com cinco páginas de cerveja antes de chegar à comida. E o vinho é só um coadjuvante.
Orgulho, estabilidade e o papel da tradição na cerveja belga
A Bélgica tem 417 cervejarias ativas, um número certamente impressionante para um país com 11,8 milhões de habitantes. Segundo a Brewers of Europe, 1,2% do PIB nacional vem do setor cervejeiro. Em cidades como Ghent, por exemplo, o impacto é ainda maior: 18% da economia local e 13% dos empregos formais estão ligados à cerveja.
Para Bia, essas cifras mostram o quanto o país construiu um ecossistema sólido, apoiado por políticas públicas e reconhecimento cultural. “Mesmo com altos e baixos, os belgas sempre souberam se reinventar, e isso começou muito antes de qualquer chancela internacional”, diz ela.
Henrique, por sua vez, complementa: “Mesmo numa cultura tão tradicional, eles também não escaparam da febre das IPAs. E isso é fascinante: um país milenar que ainda quer experimentar”.
O renascimento da Lambic
Um dos momentos mais ricos da conversa sobre cerveja belga é quando o trio se aprofunda no renascimento da Lambic, um dos estilos mais emblemáticos da Bélgica. Luc relembra que, nos anos 1990, a Lambic estava praticamente extinta: “era cerveja de avô, muito azeda, ninguém queria beber”. No entanto, a virada veio com a criação da HORAL (High Council for Artisanal Lambic Beers), um coletivo de produtores que resgatou a identidade do estilo e o recolocou no mapa mundial.
Hoje, o interesse pela Lambic cresce na Ásia, especialmente no Japão e na China, onde a tradição e o respeito pela autenticidade encontram terreno fértil. Henrique observa então que “se antes os EUA impulsionaram o renascimento da Bélgica, hoje é o mercado asiático que mantém o fôlego dessa tradição”.
Bia, citando o pesquisador Raf Meert, lembra que até os próprios belgas criaram mitos sobre a origem da Lambic. “Eles mesmos precisaram reaprender sua história. E o mito virou marketing, virou cultura viva”. Para ela, a Lambic é uma cerveja obrigatória para quem estuda o tema: “Não é sobre gostar, é sobre formação”.
Lud então reforça o aspecto nostálgico que paira sobre essa cena: “Há uma juventude rural voltando às origens, cuidando de cabras, fermentando com calma, quase como se a simplicidade fosse o novo luxo”. O que leva Henrique a complementar: “Lembrando que atravessar a Bélgica leva três horas de trem; rural, mas nem tanto”.
Tradição e inovação lado a lado
Em Bruxelas, dois nomes representam bem a dualidade atual do mercado belga:
- Brasserie de la Senne, que valoriza a tradição e a drinkability,
- E o Brussels Beer Project, jovem e inovadora, que aposta na cocriação e em estilos fora da curva.
Luc reconhece que esses movimentos ajudam a manter o país relevante. O próprio Brussels Beer Challenge é parte desse esforço, premiando tanto clássicos quanto ousadias. “Se uma Tripel belga ganha ouro, é o esperado. Mas se uma belga vence com uma West Coast IPA, é motivo de orgulho”, conta ele.
Assim, Lud brinca: “Ganhar ouro em Tripel é obrigação; em IPA, é glória nacional”. Já Bia destaca como esses novos projetos renovam o olhar da Bélgica sobre si mesma: “Eles mostram que tradição e rebeldia podem coexistir, e que inovar só faz sentido quando se domina o básico”.
O poder do Brussels Beer Challenge
Fundado em 2012, o Brussels Beer Challenge nasceu com três propósitos, segundo Luc:
- Promover uma competição justa e internacional.
- Servir de ferramenta de marketing para os cervejeiros ganharem visibilidade e venderem mais.
- Garantir ao consumidor que o selo BBC é sinônimo de qualidade.
Assim, Luc é direto: “Se você comprar uma Stout premiada e não gostar do estilo, a culpa não é da cerveja. A qualidade estará lá”. Para ele, concursos precisam assumir seu papel de validadores e comunicadores, e não se esconder atrás da neutralidade.
Henrique então chama atenção para o foco de longo prazo demonstrado por Luc: “Ele fala dos próximos dez anos do concurso, enquanto a gente ainda luta pra planejar o próximo mês. Essa mentalidade de continuidade explica muito do sucesso belga”.
E Bia reforça, finalmente: “Eles estão sempre evoluindo. A cerveja muda, mas o compromisso com a excelência permanece”.
Desafios e futuro: cerveja sem álcool e mudança cultural
Luc reconhece que os próximos anos trarão desafios globais, entre guerras, crises políticas, mudanças climáticas e transformações culturais. Ele cita o crescimento do islamismo na Europa, uma religião que prega abstinência total do álcool, e o aumento de consumidores que buscam por modos de vida saudável e moderação.
A resposta belga? Adaptar-se. Assim, cervejas sem álcool e de baixo teor alcoólico ganham espaço sem abandonar a qualidade.
Henrique então vê nisso uma mudança de paradigma: “É o mesmo orgulho belga aplicado a um novo público. A tradição encontra um novo propósito”. E Lud completa: “Tem um oceano azul de consumidores que nunca beberam, e agora podem descobrir o prazer da cerveja”.
Conclusão: o mundo continua girando em torno de um copo belga
A Bélgica não é apenas um país que produz cerveja, é um país que vive através dela. Assim, entre o respeito às suas raízes e a abertura para novas tendências, a cena belga segue sendo referência global de estilos, qualidade, inovação e paixão.
Como diz Luc, “esse é o único planeta do universo onde podemos beber cerveja, e enquanto houver pessoas felizes, haverá cerveja sendo feita”.
O recado final é simples e poderoso: tradição não é o oposto de inovação; é o solo fértil onde ela cresce.🍻