No episódio de hoje do Surra de Lúpulo, seu podcast favorito sobre cervejas artesanais, temos o prazer de trazer um convidado incrível para o nosso Papo Aberto #3. Lembrando que o #1 foi com o mestre cervejeiro global, Garrett Oliver. O #2 episódio foi com Em Sauter, mais conhecida pelo trabalho de educação visual cervejeira no Pints and Panels. E hoje estamos com Doug Veliky, que está no mercado cervejeiro há 13 anos, é CMO da Revolutin Brewing, e tem o perfil @beeraficionado. Ouça agora o episódio na íntegra:

 

 

 

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Papo Aberto com Doug Veliky

 

Gostaria que você se apresentasse aos nossos ouvintes e contasse um pouco da sua experiência profissional na cerveja:

 

Doug Veliky segurando uma cerveja e céu azul ao fundo“Comecei na indústria cervejeira ali por 2009, trabalhando em uma companhia chamada Res Holdings. Eles eram a maior distribuidora de cerveja dos Estados Unidos na época. Eu tenho um background em contabilidade e finanças e por isso eu fui contratado para lidar com as auditorias internas deles. A empresa comanda vários negócios além do comércio de cervejas, incluindo a contratos como Coca-Cola e McDonald’s.

Minha equipe avaliava os negócios da empresa, os analisava de dentro para fora. Garantiam que os fluxos estivessem sido corretamente reportados e que os processos funcionassem de modo eficiente, papo de nerd. Devido ao nosso conhecimento diverso, a gente acabava sendo jogado em vários projetos especiais como fusões que a companhia pretendia fazer para expandir seus negócios. 

Na minha experiência com distribuição, eu vi a cerveja artesanal ir de um ponto no qual ela basicamente não existia em Chicago até o fenômeno que ela é hoje além de ser uma parte fundamental do negócio que me rodeia. Dos grandes sabores à expressão artística e à criatividade que acabou conectando as pessoas. Eu também adoro a história de pessoas que estavam infelizes em suas carreiras e encontraram seu caminho na cerveja artesanal. 

A indústria era tão nova na época mas já estava claro o potencial que existia ali. Então eu decidi que gostaria de desempenhar um papel maior e comecei a produzir conteúdo sobre cerveja diariamente no Instagram em meados 2013. Minha conta “Beer aficionado” foi o meu ponto de partida. Ali por 2016 comecei um blog com textos mais longos sobre temas específicos da indústria, pouco tempo depois recebi a oferta de emprego para trabalhar como executivo de finanças da Revolution Brewing, maior cervejaria artesanal de Chicago e de todo o estado de Illinois. 

Durante meu tempo na Revolution eu usava da minha paixão por marketing sempre que possível e depois de quatro anos recebi a oportunidade de chefiar a equipe de marketing da empresa, então eu acabei fazendo essa transição mais recente das finanças para o marketing mas me mantendo no mercado da cerveja artesanal, onde eu gosto de estar. Eu ainda posto semanalmente no meu blog e o tempo todo no meu Instagram e TikTok sempre tentando educar as pessoas sobre a indústria sem abrir mão do bom humor. “

 

O mais interessante no caso do Doug é a mudança de carreira. Ele se apaixonou pela cerveja artesanal e seu primeiro passo foi partir para a produção de conteúdo no Instagram, e em blog próprio, que segue em atividade. Essa movimentação possibilitou que Doug fosse contratado pela Revolution Brewing. Ele continua na área financeira, mas a paixão pelo marketing, associada às ideias que ele compartilhou internamente levaram nosso convidado para uma segunda transição de carreira, que foi sair da área financeira e ir comandar o time de marketing.

 

O que você acredita que mudou no mercado cervejeiro artesanal americano após a pandemia? Você acredita que essas mudanças vieram para ficar?

 

“Depois de ter descoberto outras formas de se entreter durante a pandemia, eu acho que o público consumidor de cerveja artesanal não tem saído como costumava fazer. Algumas empreitadas se voltaram de novo para bares mas nem perto do suficiente. Está mais difícil do que nunca gerenciar um negócio como esse e a inflação não tem ajudado, visto que os salários não estão crescendo em proporção nem ao menos próxima do crescimento do custo dos bens de consumo, a cerveja inclusa. Isso dificulta ainda mais para cerveja artesanal, um produto de valor mais elevado.

Essas mudanças já estavam começando a acontecer antes da pandemia, mas ela acelerou de um modo que ninguém podia esperar. Por essas razões eu sinto que esse contexto vai se manter. As pessoas sempre vão querer sair mas elas o farão em busca de um entretenimento, o que significa que a cerveja talvez não seja o foco principal. Ela vai ter que aparecer como um complemento a uma outra coisa, provavelmente algo de caráter “experiencial”. Pelo menos é daí que eu vejo o potencial de crescimento vindo. “

 

Doug identifica que alguns sintomas da crise que está instalada atualmente, estavam acontecendo mesmo antes da pandemia e que, esta veio apenas para agravá-los. Mas além disso, ele fala que as pessoas arrumam outras formas de sair para se divertir e não necessariamente ir apenas ao bar e beber, sendo a escolhida pela maioria. Ele sugere que o mercado precisa se reinventar, trazendo mais experiências aos consumidores.

 

Aqui no Brasil notamos que o público consumidor de cervejas artesanais envelheceu um bocado e, somado a isso, a nova geração tem preferido bebidas de baixo teor alcoólico ou sem álcool. Esses são desafios percebidos no consumidor americano? Como as cervejarias estão lidando com isso? Inclusive a Revolution Brewing possui cerveja sem álcool no portfólio?

 

Taça de chope com a espuma escorrendo“A conversa sobre cerveja sem álcool com certeza se tornou bastante relevante aqui na indústria americana com a Heineken fazendo um papel importante e com a startup de cerveja artesanal, Athletic Brewing, trazendo muitos investimentos em propaganda e trazendo grandes estrelas, consequentemente, conseguindo bastante exposição e mídia. Se eu não me engano, a Athletic Brewing figura hoje como a décima terceira maior cervejaria do país sem nem ao menos ter entrado no top 100 nos últimos anos. Fazer boa cerveja artesanal sem álcool, entretanto, é bem caro e desafiador.

Então é difícil produzir como uma linha acessória. Por isso eu penso que aqueles que vão ter sucesso serão os projetos que tem na produção de uma cerveja sem álcool o seu foco principal. Ainda que não estejamos explorando as cervejas não-alcoólicas por agora na Revolution, estamos para lançar uma água com gás lupulada chamada Super Zero. Todos os nossos rótulos de IPA tem Hero no nome então a Super Zero brinca com a “ousadia lupular” dessas cervejas enquanto não usa o termo “Hero” que, para nós, significa cerveja, álcool, IPA.

A Super Zero usa uma quantidade bastante considerável de lúpulos se comparada com outras águas com gás lupuladas que eu já provei, replicando um pouco do que gostamos em uma Pale Ale, enquanto hidrata sendo refrescante e não contém álcool, calorias, carboidratos e açúcares, algo que não podemos dizer sobre as cervejas sem álcool. Estamos bastante empolgados para vender a Super Zero como um adendo à cerveja e não obrigatoriamente como uma alternativa. Quando você quer uma cerveja mas não pode ou não deve, você vai poder ter uma palhinha das coisas que você tanto ama em uma IPA. “

 

A cerveja sem álcool também é uma tendência no mercado americano e ele percebe isso como sendo um grande empurrão da Heineken, assim como foi aqui no Brasil.

 

Você acredita que a produção de IPAs saturou ou ainda são elas que pagam as contas das cervejarias? Se você fosse fazer uma previsão, qual seria a próxima tendência depois das cold IPAs?

 

“IPAs ainda são definitivamente os best sellers de boa parte das cervejarias por aí, mas provavelmente existem IPAs demais também, especialmente algumas únicas que vêm e vão. Eu penso que as melhores IPAs normalmente são aquelas pensadas para serem produzidas o ano todo, já que elas tendem a ser mais ajustadas e terem suas receitas aperfeiçoadas. Alguns fãs, entretanto, preferem algo mais novo e empolgante, ao invés de uma receita mais familiar, mais confiável, então as cervejarias tentam com frequência angariar também esse público. Em relação às novas tendências, eu penso que serão American Lagers bem feitas e com preço acessível para difundir as marcas e alcançar um público maior. Esses estilos vão, de algum modo, contra a ideia inicial da cerveja artesanal, mas eu entendo que representam um bom objetivo para as cervejarias artesanais irem atrás.”

 

As IPAs definitivamente são as campeãs de vendas na maioria das cervejarias e por isso seguirão sendo replicadas. E Doug ainda nota que o número de IPAs ainda aumenta pelo frequente lançamento de IPAs únicas (que muito provavelmente não serão repetidas).

 

Lançar cervejas diferentes com frequência é uma característica do mercado artesanal americano? Nos conte do ponto de vista de marketing, você poderia dividir conosco estratégias das cervejarias americanas para o lançamento de novas cervejas?

 

Mulher negra de cabelos cacheados bebe uma IPA“Ter uma alta frequência de lançamentos tem sido bom e ruim para os cervejeiros artesanais, mas está chegando em um ritmo que talvez não seja sustentável para todos. Lançar novas cervejas com novas ideias demanda estar apto para mostrar sua amplitude e criatividade enquanto mantém cativada a mente dos seus fãs para que eles sigam querendo acompanhar essa história mais do que eles estariam se as coisas não estivessem mudando. Vai ficando progressivamente mais difícil manter essas novas receitas empolgantes o suficiente ano após ano. Desenvolver rótulos, embalagens, especialmente se tudo for único é caro e, acima de tudo, acaba sendo muito para planejar e gerenciar. Nós ainda tentamos uma ou duas novas cervejas por mês, mas chegamos a operar num ritmo de uma nova cerveja por semana, o que, novamente, não é mais sustentável.”

 

Aqui no Brasil, Lud sente que tem muitos lançamentos, mas as cervejarias estão precisando cativar o seu consumidor primário e pensar em conquistar novos públicos. Ainda não está claro se esse novo público vai ser conquistado com preços mais acessíveis.

 

No Brasil recebemos com grande tristeza o anúncio do fechamento da Anchor Brewing. Você acredita que outras cervejarias americanas icônicas estão correndo o mesmo risco? 

 

“Eu penso que é sim bastante possível enxergar algumas marcas clássicas correndo o risco de terem o mesmo destino da Anchor Brewing. Gostos seguem mudando entre gerações. Ainda que ninguém goste de ver a Anchor fechando, o perfil de “sabor” deles é menos moderno e fadado a uma queda de interesse, mesmo sendo amado por alguns. Quando esse é o caso, é melhor para a empresa simplificar sua operação e diversificar como empresa tendo algo mais contemporâneo buscando assim uma fanbase nova e, consequentemente, saindo dessa posição de refém do seu produto clássico.

Às vezes é melhor, inclusive, fazer isso sob um outro nome, ao invés de lançar algo como uma Anchor Hazy IPA, que, sinceramente, não soa certo. Agora, isso é muito difícil de fazer, então não estou querendo indicar que não seja, mas, bem, nada é fácil em 2023. Vários desafios no mundo da cerveja artesanal, mas milhões e milhões de pessoas que se interessam e amam. Cabe a nós da indústria encontrar novas oportunidades de atrair mais gente para esse mercado. Isso funciona melhor quando combinamos cerveja artesanal com algo forte como a música, a cultura pop, os esportes e todos aqueles hobbies nichados amados muito por poucas pessoas. Eu estou ok com a cerveja artesanal não ser 100% sobre a cerveja em si no futuro. Que ela seja disparada e encontre as experiências e os encontros entre as pessoas e que seja esse o principal.”

 

Ele defende que quando esse é o caso, como o da Anchor, a companhia deveria simplificar o seu negócio e diversificar tendo algo mais contemporâneo para poder ir atrás de uma nova base de fãs. Assim eles não precisam se apoiar apenas na marca clássica. Às vezes é melhor lançar uma marca nova do que lançar uma cerveja que foge completamente ao estilo que a marca clássica se identificava.

 

Obrigada, Doug!

Gostaram do episódio? Quem vocês gostariam de ver no Papo Aberto do Surra de Lúpulo? Deixa nos comentários.

 

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Nana Ottoni

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