Conhecendo a Cerveja Selvagem

 

cerveja selvagem em alguns rotulos sobre a mesaVocê sabe o que é a cerveja selvagem? Hoje vamos explicar um pouco mais sobre essas cervejas. Enquanto o mercado de cervejas artesanais brasileiro caminha para firmar seu espaço entre os consumidores, e atingir novos públicos, cada cervejaria trabalha continuamente para definir – ou reafirmar – a sua identidade, manifestada principalmente no portfolio de produtos.

Algumas optam por receitas mais acessíveis, tanto sensorialmente quando em preço, outras testam os limites da criatividade – e as tubulações das panelas – com cervejas cada vez mais extremas, alcoólicas, encorpadas e com mais adjuntos. Esses são somente dois recortes, mas cada cervejaria tenta se adaptar ao que seus clientes buscam, e com isso conquistar seu espaço, através de diversos caminhos possíveis.

De maneira geral, o mercado brasileiro segue tipicamente a escola americana, tanto nas American Lagers que dominam o portfolio mainstream, quanto na enorme quantidade de variações da American IPA. Essa é, de fato, uma escola cervejeira bastante inventiva e que tem produzido avanços importantes no conhecimento sobre o uso de lúpulos e adjuntos.

Vale explicar, para quem não está familiarizado com o termo, o que isso quer dizer: Uma escola é um conjunto de estilos típicos de determinada região, que carrega seus aspectos culturais, além de técnicas e ingredientes próprios.

Até o momento, temos principalmente dado continuidade, com pequenas adaptações, às criações de terceiros. E temos feito isso muito bem, com rótulos de extrema qualidade e comparáveis às referências de cada estilo. Mesmo assim, fica a pergunta: O que pode ser feito para efetivamente diferenciar a cerveja brasileira do resto do mundo?

Nesse sentido, um grupo de cervejeiros que tem buscado inovar através do uso de microrganismos não convencionais na fermentação. O resultado do trabalho desses alquimistas é a Cerveja Selvagem.


O que a cerveja selvagem tem de tão especial?

 

Esse tipo de cerveja não é invenção nossa. Remete à tradicional escola belga, aquela em que levedura – e bactérias, e outros microrganismos – tem o papel principal. Uma cultura cervejeira que combina história – a cervejaria lambic mais antiga tem mais de 300 anos – com inventividade e inovação. 

O desafio desse tipo de cerveja reside na relação de protagonismo entre homem e natureza. Nos outros estilos busca-se ao máximo dominar a natureza, isolando e aprimorando leveduras em laboratório. Já nas cervejas selvagens, esse equilíbrio é deslocado, e o papel do cervejeiro é cuidar das condições e deixar que a natureza faça seu trabalho. O grau de liberdade irá depender das técnicas utilizadas, que podem ir desde a adição de ingredientes retirados diretamente da natureza, com toda sua combinação própria de microrganismos, o uso de barris “vivos”, até a fermentação em recipientes completamente abertos à microbiota da região. E é nesse ponto que temos dados passos mais largos para nos diferenciar de outros países, aproveitando o que a nossa natureza única tem a oferecer.

bio-1O perfil sensorial resultante desses tipos de fermentação costuma ser bastante complexo, e cheio de camadas e nuances. Como “cerveja selvagem” refere-se a uma forma de fermentação, e não um estilo propriamente dito, não é possível cravar as características de aroma e sabor. Mas não se surpreenda se acabar encontrando uma acidez bastante pronunciada, de perfil acético ou lático, e aromas “animalescos”, como couro e estábulo. Baixo amargor e carbonatação também são características comuns a estilos de fermentação mista ou espontânea.

Se historicamente o perfil sensorial dessas cervejas foi construído pelos microrganismos belgas, especialmente da região de Pajottenland, por aqui tem-se atingido resultados únicos e incríveis a partir da microbiota de diferentes regiões brasileiras, como a mata atlântica. Também utilizamos microrganismos presentes em abelhas nativas, ou na tão brasileira mandioca. Afinal, se a nossa natureza é tão rica e exuberante, porque não utilizá-la também na produção de cervejas? E é esse ineditismo de aromas e sabores que leva muitos especialistas a defenderem que as cervejas selvagens são o caminho para firmar a identidade cervejeira brasileira.

Temos em nossas mãos algo realmente nosso, com microorganismos exclusivos e que representam toda a riqueza natural do nosso país. Esse potencial é ainda mais alavancado pelo uso da fermentação primária ou secundária em barris, que fugindo dos clássicos carvalho francês e americano, pode ser feita com madeiras tipicamente brasileiras, como a amburana, aliada a microrganismos também locais. Para completar o leque de possibilidades, algumas cervejarias trabalham com uma fermentação mista, que possui uma etapa de fermentação com leveduras inoculadas (normalmente a primária), complementada com segunda fermentação em barricas.

É pelo uso dos ingredientes locais e a harmonia com a natureza que as cervejas selvagens tem chamado a atenção também de consumidores fieis de outras bebidas, como o vinho. A elevada complexidade sensorial e a imprevisibilidade do processo, que confere características únicas a cada safra. Essas características ajudam, aos poucos, a mudar o triste preconceito de que a cerveja seria um produto inferior.

O mercado da cerveja selvagem

Prova dessa mudança de perspectiva é a presença de muitas cervejarias especializadas em fermentação selvagem na feira Naturebas, que se dedica a expor vinhos e outros fermentados de pequenos produtores, feitos com práticas sustentáveis e o mínimo de intervenção humana. Nesse evento, muitos consumidores de vinho tem seu primeiro contato com a cerveja selvagem, o que ajuda a divulgar a potência da produção cervejeira brasileira, e atrair clientes até então alheios à cerveja.

No Brasil, cada vez mais cervejarias tem se aventurado na fermentação selvagem. Algumas delas, ao combinar autenticidade e qualidade, tem se tornado referências para todo o meio cervejeiro nacional. Conheça algumas:

Pineal (Sorocaba – SP): Trabalha com um blend exclusivo de microrganismos, combinada com fermentação secundária e envelhecimento em barris de diferentes origens. Apresenta complexidade sensorial, através da atuação dos microrganismos presentes originalmente nos barris.

ZalaZ (Paraisópolis – MG): Pauta do meu último artigo nesse blog, a ZalaZ trabalha com diferentes técnicas de fermentação, trazendo características sensoriais da Serra da Mantiqueira para as suas criações. O destaque vai para as cervejas produzidas por fermentação aberta, refletindo toda a riqueza biológica da Serra da Mantiqueira.

Cozalinda (Florianópolis – SC): Bastante inovadora, trabalha com leveduras locais combinadas a microrganismos decorrentes da fermentação da manipueira (subproduto da prensagem da mandioca) e extraídos de colmeias de abelhas ativas da região. Também realiza blendagens pelo método solera, típico a vinhos fortificados e destilados envelhecidos em barril, aqui aplicado à cerveja.

Fermentaria Local (Jarinu – SP): Trabalha com microrganismos locais, seja em cervejas jovens ou envelhecidas. Utiliza fermentação espontânea em alguns rótulos como as Trambic, brincadeira bem humorada com a Lambic, cerveja selvagem típica da Bélgica.

Boas opções não faltam. Resta esperarmos ver nossas cervejas em posição de cada vez mais destaque, reconhecidas como a verdadeira expressão da identidade fermentativa brasileira.

 

Leia também: Mundo das cervejas selvagens Brasileiras

Mauricio Tkatchuk

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