No Surra de Lúpulo de hoje, vamos finalizar com chave de ouro a série Escolas Cervejeiras, com o Aprofundamento da Escola Americana. Para nos ajudar nesse papo, estamos com Rodrigo Sawamura, Campeão Brasileiro de Sommelier de Cervejas 2016 e gerente do Departamento de Cultura Cervejeira da Estrella Galicia do Brasil. Ouça na íntegra:

Sobre a Escola Americana e suas características

 

Pintura dos pilgrims ingleses que colonizaram os EUARodrigo em 06’22’’: Se esse é o último episódio, imagino que já passamos pela Alemanha, Bélgica, Inglaterra e o que tem de diferença na história da cerveja americana está relacionada ao país. Ao contrário dos outros países já citados, os EUA foi entre aspas, descoberto, né. E reza a lenda que uma das primeiras cervejas, uma das primeiras tentativas dos colonos ingleses, foi uma bebida de fermentação com base em cereais nativos dos EUA. Então temos o início da história dos EUA com a cerveja dos EUA, com esse ponto de partida. A partir desse desenrolar com a história da colonização dos EUA, a gente começa a ter cerveja muito mais concentrada nas localidades onde começaram a se desenvolver os primeiros povoados. Então estamos falando no nordeste dos estados unidos, região que viria a se tornar nova Iorque. E o que temos nessa região no início da colonização dos EUA? Principalmente ingleses e holandeses, então basicamente o que a gente nem nessa primeira etapa são cervejas, ou tentativas de fabricar cervejas, que recebem uma leitura das cervejas que eram produzidas nessa época na Inglaterra e na Holanda. Então temos predominantemente cervejas ales, com características mais maltadas. Com o avanço da colonização, com os EUA ganhando essas proporções, vamos evoluindo a quantidade de cervejarias e vão se espalhando pelos territórios e vão evoluindo até a guerra da independência, onde temos esse primeiro declínio da indústria cervejeira dos EUA. Então tivemos esse primeiro momento muito focado na região nordeste, e aí naquela região se desenvolveu muitas cervejas ales, com espírito de produção mais dos ingleses. E aí com o passar dos anos, começamos a ter uma segunda onda migratória para os EUA, onde essa segunda onda tem predominantemente Alemães. Com essa vinda da cultura alemã, a gente começa a ter um mercado mais sedento, com pessoas mais dispostas a consumir cervejas do tipo lager. Graças a um cara chamado John Wagner, começam a desenvolver uma levedura lager nos EUA, e temos o segundo grande momento da cultura cervejeira norte americana; no caso focado na produção de cervejas lagers. E isso continua firme na história dos EUA até a Lei Seca, a Prohibition. Nisso a gente tem quase a extinção do mercado cervejeiro norte americano. A partir daí é o processo de ressurgimento que podemos detalhar mais pra frente. Mas os dois momentos principais são: colonização, com produção de Ale, e depois da segunda onda migratória, mais uma região central dos EUA e graças ao John Wagner, temos um segundo segmento de tipo de cerveja. E a partir daí o mercado de cervejas começa a crescer muito até a Lei Seca.  

 

E a Prohibition (Lei Seca) americana?

 

Imagem do american prohibition museum, mostrando uma porta de um saloon fechada por violar as regras da lei seca americanaRodrigo em 12’16’’: Até esse momento, que temos de ruptura desse processo de crescimento, o mercado americano de cerveja era muito rico. A gente tem esse primeiro polo no nordeste, região de nova Iorque hoje, desenvolvendo Ales. E quando temos o desenvolvimento das lagers, por conta da necessidade de expansão do mercado, há o investimento em estradas de ferro para poder levar as cervejas para mais longe. Basicamente essa indústria do centro oeste dos EUA, começou a fazer muito estudo sobre uso de outras matérias primas, visto que o principal cereal dos EUA é o milho. Então há um desenvolvimento industrial e investimento tecnológico por conta das cervejas muito grandes. Mas como sabemos, cerveja tem álcool. E todos os males da sociedade, por falta de conhecimento das pessoas, acabavam sendo direcionados para o consumo de bebidas alcoólicas. Então ao longo desse processo de crescimento (com aproximadamente 1500 cervejarias), também surgiram movimentos conservadores que tentaram boicotar o processo para diminuir o consumo. 

 

Rodrigo reforça que o grande pilar da escola cervejeira americana foi a intensidade de sabores, a ousadia e a tecnologia. Lud concorda que a Escola Americana é intensa e ousada por chegar com o pé na porta em termos de sabores e aromas. 

 

Rodrigo em 18’41’’: A Escola Alemã usa a madeira como recipientes para o líquido, né. O Americano percebeu que ele poderia explorar, e isso vem da ousadia, a utilização desses recursos de uma outra forma. Até então o que se buscava ao usar madeira era diminuir drasticamente o sabor da madeira na cerveja e o americano faz exatamente o contrário. Ele cria um estilo para que a cerveja adquira o sabor da madeira. 

E como foi o pós da Prohibition?

 

Foto de duas mãos segurando canecas de cerveja com cerveja clara dentroRodrigo em 20’36’’: A extensão da Prohibition foi muito longa, tivemos uma geração inteira sem ser estimuladas ao consumo legal de bebidas alcoólicas. As cervejarias que existiam na Prohibition ou fecham ou produzem extrato de malte. A sobrevivência da cultura de beber cerveja se deu por conta dos cervejeiros caseiros, que compravam o extrato de malte e faziam em casa. E isso ajudou futuramente a reacender a chama da cultura cervejeira norte-americana. Quando acaba a Prohibition, em 1033, os EUA estão em colapso – recém saídos do crash de 29. A retomada da bebida alcoólica é totalmente controlada. Ou seja, era uma necessidade de produzir o que estava habilitado legalmente, com baixos índices de álcool, em um país com uma crise financeira aguda. Junto com o processo de massificação do processo de fabricação, a super industrialização dos alimentos culminou em fazer uma bebida fermentada mais barata e mais acessível. Tudo isso ajudou a criar o abismo sensorial no mundo da cerveja dos EUA que precede a revolução da cervejaria artesanal dos EUA. A indústria cervejeira precisou se virar nos trinta para sobreviver.    

 

Por que a American Lager, pós-prohibition, se alastrou tanto pela cultura americana como mundial?

 

Rodrigo em 24’43’’: Depois dessa crise financeira, eles procuraram reerguer a economia baseada muito no incentivo ao consumo, então temos movimento em outras áreas que buscavam exatamente ganhar escala. E os EUA como um mercado que começou a ressurgir com o consumismo. A promoção dos caras não é compre 2 e ganhe 1, é compre 30 e leve 50. Então a indústria foi fomentada por uma cultura de consumo. E os EUA depois que se recuperam, são ditadores de tendência e de consumo. A grande pilha dessa época cervejeira, anos 70 e 80, era que alguém trouxesse uma latinha dos Estados Unidos. Mesmo sem saber o que tem dentro. 

 

E as Juicy IPA (Hazy IPAs) e mais recentemente as Cold IPAs? 

 

Foto de um pint de cerveja bem dourada sobre uma mesa de madeira, com lúpulos ao ladoRodrigo em 31’10’’: Só pra fecharmos então. A gente sai do feudalismo sensorial e chegamos no iluminismo, na época áurea da cerveja americana, com as cervejas artesanais. E aí a gente vê o que? O mercado decola. Os cervejeiros norte-americanos começaram a produzir coisas muito influenciados por outras escolas cervejeiras, porém com a interpretação de terroir deles, com matérias primas mais locais, com o lúpulo americano como protagonista. O mais legal dessa história é que dentro desse olhar do estilo clássico, criar um monte de coisa! Hazy, Cold, New England, West Coast… E aí os detalhes técnicos do processo que vão dar diferença para cada estilo e linha de tendência. 

 

Leandro comenta sobre a característica dos americanos de fazer releituras e “produtizar” cervejas seguindo um abismo sensorial para trazer mais consumidores.

 

E o movimento de resgate das lagers clássicas pelo mercado americano?

 

Rodrigo em 42’27’’: Consegui ir para os EUA no pré-Pandemia, em 2018 e 2019, e já naquela época era impressionante a quantidade de, além de IPA e suas variantes, de lagers e cervejas com uma carga sensorial menor. Eu imagino que essa grande tendência dos EUA deve se dar por conta da estabilidade na curva que até então vinha sendo de crescimento. Eu li que muito provavelmente a galera que já conhecia a cerveja artesanal já estava dentro, então pra conseguir crescer o mercado, eles precisavam cativar os caras que curtem BudLight. Como cativa esse cara? Com cervejas com carga sensorial e complexidade sensorial menor. Então com esse entendimento e com o objetivo de continuar com o crescimento do mercado artesanal, a maioria das cervejarias foram atrás. Por isso as cervejas lagers entraram em evidência. 

 

Para concluir, nosso convidado faz uma comparação ótima sobre a escola americana dizendo que sua intensidade e ousadia vinha pela escola estar num período de adolescência, e que hoje, buscam arriscar menos por ter chegado enfim em sua idade adulta.

Gostaram do episódio? Aproveitem bastante porque agora temos episódios sobre todas as Escolas Cervejeiras!

Até a próxima 🙂

 

 

👉 Escute também: ep. 84: História da Escola Cervejeira Belga com Fernanda Meybom

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🍺 O que bebemos durante o programa? Rodrigo bebe água com gás. Lud bebe Vienna Lager, da Malteca. Bulkool bebe fusca azul da Prussia Bier.

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Nana Ottoni

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