Quando o amor pela cerveja encontra a realidade do mercado
Fazer cerveja é fácil. Fazer cerveja boa é mais difícil. No entanto, vender cerveja artesanal de forma consistente? Aí mora o verdadeiro desafio.
Neste episódio do Surra de Lúpulo, Ludmyla Almeida e Henrique Boaventura recebem Adalberto Monteiro, mais conhecido como Morango, para um papo revelador sobre um tema raramente explorado: as dores, técnicas e bastidores de quem coloca a cerveja no copo do consumidor.
Morango é vendedor por essência. Além de sócio da Infected Brewing, ele comanda a distribuidora Beersomos, atua como representante da CBCA no litoral paulista e vive o dia a dia do mercado como poucos. Assim, é o tipo de profissional que sabe que, sem venda, nenhuma cervejaria fica de pé.
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Do comércio exterior às geladeiras dos bares de cerveja artesanal
Antes de vender cerveja, Morango vendia frete. Formado em Comércio Exterior e com pós-graduação em Gestão Estratégica, ele construiu uma base sólida em negócios antes de mergulhar de cabeça no universo cervejeiro.
Porém, o ponto de virada veio quando, ainda como homebrewer, percebeu que sua vocação não era seguir receitas, mas vender histórias líquidas. Em 2017, fundou a Infected Brewing ao lado do mestre cervejeiro JP, e foi aprender na prática o que era botar uma cerveja artesanal em um bar.
Desde então, o aprendizado veio rápido: fazer o plano de negócios é uma coisa; convencer um bar a abrir uma torneira é outra completamente diferente. “No começo eu achava que não precisava levar amostra, que bastava ter uma boa marca. Mas o Junior Davos me ensinou que vender é estar presente, é levar o copo até o cliente”, lembra.
As habilidades invisíveis de um bom vendedor
Ambição, técnica e controle emocional: esse é o tripé do vendedor de cerveja artesanal, segundo Morango.
O profissional que está na rua todos os dias lida com uma média de 100 “nãos” por dia — e precisa encontrar energia no único “sim” que vem no meio do caminho. Além disso, saber lidar com a rejeição, estudar sobre vendas e entender o produto são tão importantes quanto conhecer o processo de brassagem.
Por outro lado, há um ponto que diferencia o vendedor de cerveja dos demais: ele é também embaixador da marca. “Cada cervejaria tem uma história. O vendedor precisa ser o tradutor dessa história para o dono do bar. É ele quem faz o match entre o rótulo e o balcão”, resume Morango.
Prospecção, fidelização e o campo de batalha dos bares
A jornada de vendas começa com algo simples: uma planilha no Excel. “Você lista onde quer ver sua cerveja. Top 10, top 20 bares. Depois, vai lá pessoalmente, tomar um copo, conversar, entender o dono”, conta.
Contudo, transformar o consumidor em cliente exige estratégia. O mercado é competitivo, as grandes cervejarias trabalham com contratos de exclusividade e a guerra de preços ameaça a saúde financeira das artesanais.
Morango divide o mercado craft em três camadas:
- High-end, das ciganas e rótulos experimentais;
- Intermediárias, com Pilsen, IPAs e Neipas;
- Entrada, com linhas mais simples e acessíveis.
Dessa forma, cada uma dessas camadas exige uma abordagem comercial diferente, e o vendedor precisa dominar todas. Negociar preço, entender margem e, ao mesmo tempo, não comprometer o posicionamento da marca é uma arte. “Tem gente derrubando o próprio mercado com preço insustentável pra entrar num bar. Isso é um erro que custa caro”, alerta.
A brigada como extensão da equipe de vendas
Entre os temas mais negligenciados pelas cervejarias está o treinamento da brigada — garçons, sommeliers e atendentes que, no fim das contas, são quem realmente vendem a cerveja ao consumidor final. “Quando o garçom diz que provou a IPA e adorou, a venda está feita. O treinamento muda tudo”, explica Morango.
No entanto, essa etapa enfrenta um problema crônico: alto turnover. As equipes mudam constantemente, e o esforço de treinar pode se perder em semanas. Mesmo assim, ele defende que o investimento é indispensável. “A cervejaria que treina a brigada vende mais, ponto. Além disso, se não der pra fazer sempre, esteja presente: leve brindes, converse, mostre o produto. Fidelizar a brigada é fidelizar o bar”.
Contratos, sellout e o jogo da recorrência
Antigamente, muitas cervejarias garantiam torneiras fixas em bares. Hoje em dia, com menos capital e mais concorrência, isso se tornou inviável. A alternativa é o que Morango chama de “venda sellout” — quando o vendedor calcula a margem de lucro do cliente e entrega o pacote completo: preço ideal, rentabilidade e bonificações atreladas à performance.
“Eu mostro pro dono do bar que vendendo meu chope a R$20, ele tem X% de lucro. Assim, se performar, ganha mais. O vendedor precisa dominar os números, não só o discurso”.
Portanto, essa nova abordagem transforma o vendedor em um consultor de negócios, responsável por ajudar o bar a ganhar dinheiro com a cerveja artesanal. E, consequentemente, garantir a recorrência da marca.
A inadimplência e o malabarismo do vendedor
Se vender é difícil, receber é ainda mais. A inadimplência é um dos maiores gargalos do setor. Morango aprendeu a identificar o bom pagador: “O cara que pede prazo e negocia preço geralmente é bom pagador. Por outro lado, o problema é o que aceita tudo fácil: esse costuma dar calote”.
Ele defende que a política comercial precisa ter flexibilidade e diálogo entre vendedor e financeiro. “O vendedor não pode perder o cliente por burocracia. Às vezes, o boleto venceu na sexta e o cara bombou de venda. Se a empresa bloquear o cadastro, ele vai comprar do concorrente na segunda”, explica.
Em suma, em um mercado com quase 2 mil cervejarias registradas, um descuido basta para perder espaço.
Quem vende pode ganhar mais que o dono
O papo também trouxe um lado curioso: sim, um bom vendedor pode ganhar mais que o dono da cervejaria. “Isso não é incomum”, diz Morango. “Enquanto o dono reinveste o lucro, o vendedor vive da comissão. Desse modo, se ele tem uma boa carteira e performa bem, vai ganhar muito dinheiro, e isso é ótimo! Quer dizer que a cervejaria também está ganhando”.
Ele alerta apenas que as regras precisam estar claras desde o início: carteira, comissão e limites de faturamento precisam estar formalizados para evitar conflitos.
O plano de negócio que o amor esqueceu
A principal mensagem de Morango vem no final: vendas precisam estar no DNA da cervejaria desde o dia 01. “Muita gente investe milhões em equipamento e não quer pagar um vendedor. Além disso, não dá um celular, não treina, não prepara a equipe. Isso é um erro básico. Vender é tão importante quanto produzir”, afirma.
Para ele, a cultura comercial precisa estar presente nas escolas cervejeiras, nos cursos técnicos e dentro das fábricas. Portanto, o amor pela cerveja é essencial, mas amor não paga boleto nem garante recorrência.
Em suma, copo que chega cheio é resultado de muito suor
O papo com Morango deixa claro que, por trás de cada chope bem tirado, existe uma cadeia complexa de negociações, planilhas, treinamentos e muita resiliência. Vender cerveja artesanal é mais do que empurrar produto: é criar relacionamento, entender o mercado e educar o consumidor.
Por fim, talvez essa seja a lição mais importante: o sucesso de uma cervejaria não começa no tanque, começa na rua, com quem veste a camisa e carrega a marca na ponta da língua (e do copo). 🍻