No programa de hoje do Surra de Lúpulo, vamos falar de um tema que acende os corações mais fervorosos dos bebedores de cervejas artesanais: o papo é sobre Puro Malte. Para nos ajudar a desvendar o mistério do puro malte estamos com Henrique Boaventura, podcaster no Brassagem Forte, cervejeiro caseiro nível hard e juiz BJCP nacional. Ouça agora!

✨ Antes de mais nada, deixamos o nosso agradecimento aos Mecenas Empresariais: Cerveja da CasaIris PayCervejaria UçáViveiro Van de Bergen, The Beer Agency e Prussia Bier.

 

 

Puro malte é garantia de qualidade ou é puro marketing? 

 

Mão segurando garrafa de cervejaHenrique em 06’12’’: Certamente o “puro malte” está estampado em inúmeros rótulos e propagandas muitas vezes duvidosas de cerveja. É marketing, basicamente. Estamos falando de uma definição marketeira. Tem algum sentido falar que é puro malte? Pouca coisa, só pra dizer que não está usando milhos ou adjuntos na cerveja. Mas estampar isso no rótulo é marketing. Tem cervejarias que conseguem fazer cervejas terríveis só com puro malte, ao mesmo tempo que você tem cervejas repletas de adjuntos que são maravilhosas e premiadas. A questão maior aqui é que o mercado construiu essa visão de puro malte como se fosse sinônimo de qualidade pra vender um produto premium, valor agregado, e cobrar mais por isso. Quem não tem aquele parente que fala “hoje vou esbanjar e tomar uma puro malte”? É puro marketing. É apenas uma variação de um produto que não têm adjunto.   

 

 

Até que ponto você acha que a Lei de Pureza Alemã (Reinheitsgebot) contribui nessa confusão sobre qualidade versus ingredientes?

 

Henrique em 11’19’’: Em Alemão, a Lei da Pureza se chama Reinheitsgebot. Ela tem um conjunto de normas regulativas tanto no processo de fabricação quanto de comercialização da cerveja. Foi estabelecida lá em 1516, pelo Duque Guilherme IV. Ela não é a primeira lei alemã de regularização de cerveja. Já existiam algumas leis semelhantes décadas antes, mas a lei da pureza foi a que ficou mais conhecida por ser adotada em toda a Bavária, em uma região de feudos. Os dois primeiros itens dessa lei, nem é falado sobre produção de cerveja, é falado sobre valores: como cobrar por cervejas dependendo da época do ano. Então nem o primeiro motivo está ligado à qualidade. O terceiro que é o mais famoso, que fala que só pode usar malte de cevada, lúpulo e água para fazer cerveja. E existia um quarto item falando que o Duque tinha a liberdade pra alterar a lei a seu bel prazer. Tem um mito difundido no meio cervejeiro de que naquela época, eles não conheciam leveduras. Mas eles conheciam sim! Quando falamos da Lei da Pureza Alemã, falamos de ingredientes que ficam na cerveja, sendo que a levedura é removida do processo. Essa Lei, em tese, era como se fosse para melhorar a qualidade da cerveja. Mas o motivo principal dessa lei era por conta de insumos e pela economia. A Lei da Pureza é comercial.  

 

Recomendamos que vocês confiram nosso Ep.138 – Legislação cervejeira com Elisabeth Bronzeri.

 

Vamos contextualizar historicamente o uso de adjuntos (milho) na cerveja: Por que eles começaram a ser usados? 

 

Henrique em 18’14’’: Tem vários motivos, cada escola tinha sua razão de uso. Não dá pra dizer que era usado por um motivo específico. Quando a gente olha pra trás, o milho já era usado pelos povos originários aqui da américa central para fazer uma bebida alcoólica chamada Chicha. Em que eles colocavam o milho na boca, cospem em um recipiente e as leveduras do ambiente fazem álcool e todo mundo fica loucaço. Então o milho já era usado muito antes dos espanhóis pisaram aqui e destruírem as culturas originárias. Se a gente olha pra escola americana, que é uma escola altamente influenciada pelas imigrações das famílias Alemãs, tanto o milho quanto arroz era usado para suavizar a cevada, que tinha um caráter “harsh”.  Para não ficar uma cerveja com caráter tão presente dessa cevada, e também porque tanto o milho quanto o arroz são cereais que aumentam a fermentabilidade do mosto e geram cervejas mais límpidas. Porque a cevada que existia nos EUA tinha um conteúdo proteico maior, e gerava uma cerveja turva. Agora atravessamos o Atlântico e vamos para a Inglaterra; o milho lá era usado para fazer a desova. Para diminuir o valor das taxas pacas e diminuir o valor dos insumos. A Inglaterra é um dos países que mais esteve em guerra, então ela tinha restrição de insumos; então eles faziam usos de adjuntos. 

 

Uma das perguntas que mais recebemos é sobre o sensorial comparativo das cervejas puro malte e as que contém adjuntos. Como elas se diferem?

 

Foto de 3 copos com chope de cores distintas, ao fundo, vários barrisHenrique em 23’57’’: Cada um desses adjuntos têm características bem específicas quando usados em cervejas. O milho a gente vai ter um sabor mais presente, mas remetendo a um dulçor, tipo quando tomamos xarope de milho. Além disso, o milho traz um pouco de cor também porque ele não é um cereal incolor. Na América Central temos centenas de variedades de milhos em diversas colorações. Já o arroz, ele tem um caráter bem neutro, ele contribui muito pouco com sabor e aroma e ele faz a cerveja ter aquela sensação de que não tem nenhum sabor residual na boca, o que convida ao segundo gole. Já o trigo, muito usado na escola belga, já vai trazer mais sabor e principalmente textura. E tem o centeio, que não é usado no mercado em massa, mas ele vai trazer um sabor terroso.  

 

Existe alguma verdade na afirmação que “cervejas que não são puro malte dão mais ressaca”? 

 

Henrique em 30’45’’: O que faz mal à cerveja é a cerveja mal feita. É uma regra. Cervejas bem feitas, seja puro malte ou não, elas não deveriam fazer mal. Um dos fatores que leva à ressaca ou sensação de se sentir mal ao beber é a intoxicação pelo aldeído. Cervejas de consumo em massa, elas tem em sua grande maioria, o uso de adjuntos. Só que elas têm um ciclo muito curto da produção ao consumo. E a gente tá focando em prazos de entrega à venda, não necessariamente no melhor processo, ou em fazer as coisas de forma correta. Vamos pensar no carnaval do Rio de Janeiro: as cervejarias precisam abastecer as lojas. Então se a cerveja está bebível, ela já vai pro mercado. Outro ponto que a gente precisa entender é quanto de cerveja essa pessoa está bebendo? A pessoa vai lá e bebe 12 latas num período muito curto de tempo; você está intoxicando seu organismo. 

 

Faz sentido dizer que “cervejas que usam milho e arroz são mais aguadas”?

 

Henrique em 39’27’’: Eu particularmente, sempre acho aguado algo ruim pra cerveja. Mas cervejas que levam milho e arroz podem ser mais leves. Leves no sentido de não ser tão densa quanto uma Imperial Stout, que é uma cerveja densa. A sensação na boca é mais leve, o sabor mais leve, mas não necessariamente aguado. Tanto o arroz quanto o milho são usados como fonte de amido, que vai ser convertido em açúcar pra gerar resinas que vão gerar gás carbônico e álcool, fermentado pela levedura. 

 

Quanto dessa frase faz sentido e quanto ela pode estar equivocada: “As cervejas com adição de arroz ou milho em geral são disponibilizadas para consumo sem o devido prazo de maturação ou sem preocupação com o ph da água”?

 

Henrique em 44’58’’: O ph afeta muitas coisas no processo da cerveja. Quando falamos de cervejarias que produzem milhões de litros por mês pra vender, se eu alterar o ph da água. Eu posso impactar a eficiência do mosto, eficiência de produção do mosto, posso atrapalhar a fermentação, tempo de fermentação. Tem muita coisa que pode atrapalhar. Eu diria que pelo contrário, tem menos preocupação com ph da água em cerveja artesanal do que cervejas de produção em massa. Mas a gente falou um pouco sobre isso né, de cervejas de produção em massa com milho e arroz. São as cervejas mais consumidas no Brasil. Se em algum momento as cervejarias não cuidarem do seu processo, por N motivos, onde vai impactar? Nas cervejas de milho e arroz. Mas não necessariamente as cervejas de milho e arroz sem a maturação correta. Mas por elas serem a maioria do mercado, se tiver problema no mercado, serão com elas. São as mais vendidas. Nenhuma marca chega a ser a mais vendida por ela vender a cerveja sem a maturação completa. E tem aquela questão, se saiu da cervejaria a responsabilidade é de quem está vendendo. 

 

Obrigada, Henrique, por mais um episódio incrível!

Não deixem de acompanhar o trabalho do Henrique no Brassagem Forte.

Até a próxima!

 

Se você gostou desse episódio, com certeza também vai gostar de: E o lúpulo nacional, hein? com Felipe Wigman e Victor Marinho

🍻 O que bebemos durante o programa? Henrique bebe café, da The Good Coffee; Lud bebe água; Leandro bebe café.

Nana Ottoni

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