No episódio de hoje do Surra de Lúpulo, seu podcast favorito sobre cervejas artesanais, vamos falar sobre o impacto da cerveja na nossa sociedade. Para isso, convidamos Eduardo Marcusso, geógrafo do MAPA, Mestre em Sustentabilidade e Doutor em Geografia. Além de ser sommelier de Cerveja, Homebrewer e Consultor da Câmara Setorial da Cadeia produtiva da Cerveja do MAPA.

 

Estudo do impacto da cerveja na sociedade

 

Imagem em preto e branco de tres homens bebendo cerveja. A imagem é antiga

 

Eduardo em 05’36’’: Estudo isso tudo há mais de quinze anos porque comecei tudo na graduação mesmo. Eu fiz geografia e aí vem aquele negócio né, o que você vai fazer no TCC? E aí eu estudei a relação de uma grande empresa [uma cervejaria] numa pequena cidade. Foi muito interessante, e isso foi me deixando também com vontade de fazer curso sobre cerveja e buscar referências de cerveja artesanal. Em 2005, isso ainda eram os primórdios, a gente não sabia ainda a diferença [entre cerveja artesanal e mainstream], nem de como pesquisar [sobre cerveja artesanal]. Na época eu era professor de geografia e continuei pesquisando e em 2013 eu continuei pesquisando sobre pequenas cervejarias e sustentabilidade. […] O início da trajetória foi essa conexão da trajetória acadêmica e estar numa cidade onde a cerveja ajuda a organizar o espaço [grupo Petrópolis em Boituva]. E Boituva é a cidade que mais gera empregos diretos em fábricas de cerveja no país – daí surge a vontade de pesquisar sobre o impacto da cerveja na sociedade. 

 

Impacto da cerveja com a cultura e o chamado território da cerveja

 

Eduardo em 11’34’’: A grande tem esse impacto de milhões e bilhões de investimento, só que o pequeno tem uma coisa que o grande nunca vai conseguir que é a questão cultural. Você conversar com o dono, perguntar da receita, interagir de forma como a grande nunca vai conseguir. A relação de intimidade e solidariedade. E sobre a questão do doutorado, eu estava em Brasília, me mudei pra lá, e aí fiz o doutorado na UNB trabalhando na área de bebidas e isso me ajudou muito a ter contato com as pessoas no setor. No mestrado eu trabalhei territorialidade e cervejarias.

 

Nosso convidado explica também como a geografia interpreta a palavra território de formas distintas com base em seu contexto, como território político, território geográfico, econômico e cultural. 

 

Eduardo em 14’16’’: A gente aborda a ideia do território da cerveja, no sentido de como a cerveja organiza o espaço – as trocas, os movimentos, pessoas e coisas – nos aspectos econômicos e políticos. Por que se existe um território, existe um poder ali. Quando falamos das pequenas cervejarias e citamos o nome dos donos, tem um poder cultural. Quando falamos das grandes cervejarias, é o poder do capital. […] No carnaval, é território da Pilsen, por exemplo. […] Uma coisa que a gente tem que entender é que a cerveja faz parte da economia e da sociedade, então ela caminha junto com as questões de poder, economia, dinheiro e investir em artesanal é caro mesmo, pra quem produz e pra quem compra.

 

O impacto da cerveja economicamente se dá a partir do momento em que ela dinamiza o território e o fluxo, gerando empregos e impulsionando o comércio local.

 

Eduardo em 20’19’’: Quando a gente vai avaliar a cultura, como a cultura contribui para formação do território da cerveja. A gente tem que ver como que o hábito da cerveja no brasil estabeleceu locais de preferência. Quem ajudou isso foi o chope e o malzbier. O chope foi uma invenção brasileira, o chope, né. Lá fora é o Tap. A cultura do Brasil foi criando esse hábito – e esse hábito organiza o território – de você pedir o chope. E o que é o chope? É um hábito de medida, é 500ml. Na Alemanha já pedem 1 litro, ou meio litro e dá-lhe cerveja. E nisso, no Brasil, se tornou uma cultura de você chegar em alguns bares e pedir o chope com mais colarinho, menos colarinho. Então no Brasil você tem essa tradição de ter a possibilidade de pedir só o creme. 

 

 

Sobre a relação da política com a cerveja. Como podemos entender esse movimento?

 

Foto de tres palhaços foliões no carnaval do rio de janeiroEduardo em 28’17’’: A política está onde o dinheiro está. Isso é um pouco da questão política da criação do território. O território tem seu caráter normativo, ele vai criar normas do fluxo de bens. E a cerveja tem uma característica interessante, na américa do sul, todas as fábricas são do séc. XIX. Porque todos os imigrantes queriam produzir a cerveja que bebiam em sua terra natal, e isso também aconteceu no Brasil. O primeiro surto industrial no Brasil começou no séc. XIX e é quando se começa o debate sobre as pequenas e as grandes cervejarias. A cerveja artesanal, antigamente era a cerveja de alta fermentação; Porque imagina você conseguir gelo em 1950? Em 1800 no Brasil, a população era rural. No Brasil, era tome modernidade. Então os primeiros alemães chegaram, os portugueses vieram, e os primeiros relatos da cerveja no brasil foram artesanais. E aí isso começa a virar mercado, com investidor, como exemplo da Brahma no RJ e a Antarctica em São Paulo. 

 

Eduardo explica que tanto a Brahma quanto a Antácrtica só foram decolar quando conseguiram investidores. Já a primeira diferenciação de tributação entre os tipos de cerveja se deu pelo forma de fermentação, com as Ale e Lagers. Outro fator curioso é que as grandes cervejarias começaram a se organizar em 1899 e a tributação cervejeira só viria a acabar em 1948, quando o Brasil atingia a marca de 200 cervejarias no território. Iríamos recuperar esse número apenas em 2010.

 

E a sua nova pesquisa sobre a trajetória etílica brasileira? 

 

Eduardo em 35’30’’: Quando eu estava fazendo doutorado, eu fui estudar as origens da cerveja no Brasil. E é muito difícil desbravar isso porque tem pouca referência. Mas aí me perguntei se já existia bebida alcoólica no Brasil. Os indígenas bebiam o que? E era o cauim, em que eles usavam mandioca. O cauim é um nome genérico para toda bebida alcoólica insalivada, que é você mastigar o milho ou a mandioca, onde essa mastigação quebra os açúcares e faz eles fermentarem. Tem vários estudos que existem atrás disso, para entender como as bebidas faziam parte da sociedade indígena. A cauim tinha um papel central na sociedade deles. Como a cultura deles é contada, o cauim dava a eles esse aspecto inebriante onde podiam contar sua história e propagar sua cultura. A permissividade que a cerveja dava para eles. O principal relato vem dos tupinambás. Quando eles precisavam fazer um grande evento, se chamava cauinagem.

 

E a cachaça?

 

Eduardo em 40’51’’: A cachaça sofreu do mesmo preconceito que as bebidas destiladas sofreram no mundo. O gim na Europa sofreu o mesmo processo, a bebida do proletariado. Os pubs cresceram na Inglaterra pela taxação excessiva do gim. No Brasil também. O português chegou no brasil e encontrou o indígena e toda sua cultura, mas a questão é a seguinte, o indígena não ia abandonar a cultura dele pra abraçar a cultura de alguém de fora. Qual ferramenta usar para impor sua cultura sobre os indígenas? Porque não foi pacifico, isso foi um mito fundador, né. O português escravizou, estuprou, acabou com a sociedade indígena. Como a história indígena é falada, se você destrói o tecido social, acaba a cultura. Existe uma opressão da cultura europeia em cima da cultura nativa enorme. E a cachaça foi uma imposição social porque quando você oferece a cachaça para o indígena, os europeus falavam que era o presente envenenado. Os indígenas acostumados com 13% de graduação alcoólica, chega a cachaça com mais de 20% e acabou.  

 

Eduardo também explica que a cachaça era utilizada como entorpecente para os escravos.

Obrigada pelo episódio interessantíssimo, Edu!

Até a próxima, pessoal!

 

👉 Escute também: Surra de Lúpulo #159 – Propaganda cervejeira

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Nana Ottoni

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