Quando o Surra de Lúpulo resolveu falar sobre a ascensão e queda da BrewDog, o público foi à loucura. Mas havia outra história esperando para ser contada: a de uma cervejaria que, assim como o mito de Ícaro, voou alto demais e derreteu sob o sol: a Stone Brewing.

Neste episódio, Ludmyla Almeida e Henrique Boaventura revisitam a trajetória da marca que ajudou a moldar o paladar do mundo para o amargor, mas acabou se rendendo ao jogo corporativo que um dia prometeu combater.

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Raízes da rebeldia: o nascimento da Stone (1996–2000)

Nos anos 1990, o cenário cervejeiro americano era um tanto quanto previsível e monótono. As grandes lagers dominavam o mercado com receitas pasteurizadas e paladares genéricos. Em meio a esse mar pálido, dois inquietos — Greg Koch e Steve Wagner — decidiram remar contra a maré.

Em 1996, em San Marcos, Califórnia, nascia a Stone Brewing! Koch, um empresário do ramo audiovisual e com espírito de frontman se uniu a Wagner, um baixista e cervejeiro caseiro mais técnico. A química entre os dois era o equilíbrio perfeito entre o palco e o laboratório. O objetivo: produzir cervejas intensas, aromáticas e sem concessões.

A Stone Pale Ale, lançada em 1997, foi o pontapé inicial, mas a Arrogant Bastard Ale foi o manifesto. Com o slogan “You are not worthy”, a gárgula estampada no rótulo virou símbolo de resistência contra a mediocridade das cervejas de massa. Era mais que uma bebida, era um posicionamento.

Arrogant Bastard Ale - Stone Brewing

A era dourada do amargor: ascensão e expansão (2000–2010)

No início dos anos 2000, a Stone acelerou. Em 2005, inaugurou o Stone World Bistro & Gardens, em Escondido, um templo moderno do lúpulo. Vidro, concreto aparente e vegetação compunham o cenário de um império cervejeiro que já produzia centenas de milhares de barris por ano.

A marca transformou o amargor em identidade. Cervejas como Stone IPA e Ruination IPA definiram o padrão da West Coast IPA moderna, enquanto o festival anual Stone Anniversary Celebration & Invitational Beer Festival consolidava a marca como anfitriã da cultura hophead, os doidos por lúpulo.

O marketing agressivo e provocador, com frases como “Fear No Beer”, reforçava a filosofia de confronto. Greg Koch repetia o credo: “Não fazemos cervejas para o mundo todo, fazemos para quem se importa.”

O resultado? Crescimento de 50% ao ano, reconhecimento nacional e uma comunidade que se sentia parte de um movimento. Mas, como toda revolução que vira sucesso, a arrogância começou a cobrar o preço.

O voo até a Europa e o primeiro tropeço (2014–2019)

A ambição da Stone era global. Entre 2014 e 2016, a cervejaria mirou na Europa, inaugurando a Stone Brewing Berlin, um projeto monumental em um antigo patrimônio industrial de Mariendorf. A ideia era ousada: levar a revolução californiana ao berço da cerveja artesanal europeia. Mas o sonho encontrou um muro. 🧱

O público berlinense, exigente e acostumado à tradição local, não abraçou o amargor extremo da Stone. A operação, cara e culturalmente desalinhada, naufragou. Em 2019, a Stone vendeu a unidade para a BrewDog — um reencontro irônico de duas rebeldes corporatizadas.

Greg Koch admitiu: “Amamos Berlim, mas lutamos demais”. Foi o primeiro grande tropeço público da marca que até então parecia infalível.

Processos, polêmicas e a sombra do sucesso (2016–2021)

Enquanto isso, nos EUA, a expansão seguia firme. A nova planta em Richmond, Virgínia, inaugurada em 2016, adicionou mais 180 milhões de litros de capacidade anual. Mas o cenário craft mudava rápido: estilos mais leves, colaborações e diversidade ganhavam espaço. O discurso “arrogante” da Stone, antes libertador, começava a parecer datado.

Em 2018, a cervejaria processou a gigante MillerCoors pela reembalagem da Keystone Light, que destacava a palavra Stone no rótulo. A vitória judicial rendeu US$ 56 milhões e manchetes: “Davi contra Golias”. Mas a imagem de “rebelde” já não era a mesma. Agora, a Stone era a grande empresa que processava outras.

Outras disputas menores, como a ação contra a Soul Stone Brewing, em Kentucky, acenderam o alerta na comunidade craft: a marca que pregava independência havia se tornado aquilo que julgava combater.

A venda do século: Stone se rende à Sapporo (2022–2024)

O aviso de que algo estava prestes a mudar veio em 2021, com sinais de saturação no mercado americano e o fracasso europeu ainda recente. O golpe final veio em junho de 2022: a Stone Brewing foi vendida para a japonesa Sapporo por US$ 165 milhões.

As fábricas de Escondido e Richmond passariam a produzir Sapporo para o mercado norte-americano. A transação fazia sentido industrialmente: capacidade ociosa, sinergia logística e economia de escala. Mas para os fãs foi uma apunhalada no coração do movimento craft.

E ainda houve a ironia das ironias: anos antes, Greg Koch havia anunciado o TrueCraft, um fundo de US$ 100 milhões para ajudar cervejarias a crescer sem se vender às grandes corporações. O projeto nunca decolou…

A venda para a Sapporo, então, pareceu o epílogo inevitável de uma história escrita em pedra… e apagada pelo tempo.

Stone Brewing - Sapporo

O legado da Stone: quando o rebelde vira instituição

Mesmo sob o guarda-chuva da Sapporo, a Stone manteve parte de sua essência. A divisão de distribuição permaneceu independente por algum tempo, atendendo dezenas de marcas craft na Califórnia. Mas a alma da empresa já havia mudado.

Em 2024, relatos de movimentos sindicais em Richmond mostraram que a cervejaria agora vivia dilemas típicos de corporações: relações trabalhistas, metas de produtividade, expansão industrial. O romantismo deu lugar à gestão.

Mas, então, o que sobrou da Stone?

  • Sobrou o vocabulário visual: gárgulas, slogans provocadores e rótulos icônicos.
  • O paladar: o amargor seco e resinoso que definiu gerações de IPA.
  • E a lição: a rebeldia vende, mas crescer cobra o preço da alma.

Conclusão: o amargor além do lúpulo

A Stone Brewing ensinou boa parte do público a amar o lúpulo e o amargor, mas também mostrou que revoluções, um dia, viram instituições. Quando a gárgula da independência passou a carregar o crachá corporativo da Sapporo, o mito se desfez.

O impacto, contudo, permaneceu. Nenhuma história da cerveja artesanal americana pode ser contada sem mencionar a Stone. Ela formou paladares, inspirou cervejeiros e revelou os limites entre idealismo e sobrevivência.

Porque, no fim das contas, o amargor não vem só do lúpulo. Às vezes, vem também da constatação de que até os rebeldes acabam usando terno.🕴️

Gabriel Gurian

Historiador, com Mestrado e Doutorado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), meus estudos são pautados por bebidas e bebedores na história do Brasil, em diferentes períodos. Atualmente integro o projeto Comer História, desenvolvo pesquisa pós-doutoral na Universidade de São Paulo (USP), com foco no nascimento da cultura cervejeira brasileira no século XIX, e colaboro com o Surra de Lúpulo.

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