No programa de hoje, vamos falar de Papo Solto com os amigos: Henrique Boaventura e Estevão Chittó, do Brassagem Forte. O tema é livre, envolvendo ou não cerveja, para proporcionar maiores reflexões sobre tempo e prazer no trabalho. Ouça na íntegra:


 

✨ Deixamos o nosso agradecimento aos Mecenas Empresariais: Cerveja da CasaIris PayCervejaria UçáViveiro Van de Bergen, The Beer Agency, Prussia Bier e Passaporte Cervejeiro.

 

Reflexões sobre o tempo

 

Foto com uma fruta do dragão, uma ampulheta ao centro e folhagens secas ao fundo.Leandro em 06’30’’: Quando a gente chega nos quarenta, não tem como não pensar no tempo. É foda porque eu tenho tido uns insights positivos e outros negativos. Por exemplo, um insight positivo que eu tenho é que: beleza, eu consigo parar e beber uma boa cerveja com os meus amigos, eu to usando bem esse tempo; sem me sentir atropelado, mas ao mesmo tempo, eu, com 47 anos, já tenho mais tempo de histórias pra contar do que de tempo pra viver. 

 

Chittó: Essa conta tá meio errada, hein!

 

Henrique em 07’29’’: Mas Leandro, pensa só, a gente tá cada vez mais avançando e a gente vai viver mais. Se isso é bom ou ruim, não sei. Pra algumas pessoas acho que é ruim que algumas pessoas vivam mais. Mas provavelmente a população vai viver mais tempo e você vai estender a sua vida também.

 

Leandro em 07’49’’: Tá, mas olha só, não to sendo pessimista, to sendo pragmático. A expectativa média do brasileiro hoje tá por volta de 76, 77 anos. A gente consegue aumentar a expectativa pra 80 nos próximos 30 anos. Então já passei da metade.

 

Henrique em 08’21’’: Sim, então você faz certo. O Estevão [Chittó], por exemplo, vê como se a família dele fosse uma regra geral porque as pessoas da família dele vivem duzentos milhões de anos. 

 

Lud em 08’31’’: Cara, olha só, eu vou trazer uma visão aqui. Eu acho que o Leandro, tem algum sentido no que ele tá falando. Ele fala muita besteira, tá, vamos fazer esse disclaimer, ele fala muita besteira. Mas ele falou uma coisa que tem razão, já se passou da metade da vida quase com certeza. E a questão do tempo, meu pai falava muito isso, cara quando você faz uma certa idade você faz, cara eu vou conseguir dobrar essa merda? chego nos 20, tá vou dobrar pra 40, aí 40 tá legal, tá vou dobrar… Porque assim, eu quero ir pra 80 com uma qualidade de vida merda? Porque eu sei que com a qualidade de vida do Leandro, ele não vai dobrar. 

 

Leandro em 09’20’’: Conhecendo a Lud, isso é um conselho carinhoso dela, tá?

 

Lud em 09’30’’: Essa foi a primeira questão, a segunda questão é que a gente precisa lembrar de tempo como dinheiro. 

 

Leandro em 09’36’’: Ah, sou muito contra isso!

 

Lud em 09’38’’: Calma, vou explicar. Não to falando que você faz coisas cujo tempo é quantificado por grana. Pelo contrário. Você precisa trabalhar menos pra dedicar esse tempo com coisas que te dão mais prazer. Não é time is money, é como você emprega o seu tempo pra ganhar grana, pra gastar com coisas que são obsolescência programada. 

 

Leandro em 10’31’’: Aí que tá, eu separei 3 frases do filósofo Byung Chul-Han, um filósofo sul-coreano que foi criado na Alemanha. Eu ando lendo muito ele e ele trabalha muito essa parada. Acho que por isso to muito angustiado. Tem essa frase dele, do livro Aroma do tempo: a verdadeira falta de tempo não passa por perdê-lo, mas significa que o tempo nos perdeu. Não é a gente que perde o tempo, é o tempo que perde a gente. E aí ele conecta com outras coisas. Também tem ele falando que a federação atual vende sua causa na incapacidade em concluir. O que que ele fala com essas duas coisas? Que quem perde tempo não somos nós. Por a gente não estar ali de corpo presente vivendo outra coisa. É o tempo que me perde naquele momento. Isso é muito sobre você estar presente vivendo as coisas. E outra é que a gente caiu numa falácia da multitarefa, de vou fazer tudo, e abre várias frentes pra fazer ao mesmo tempo, que cria mil grupos de whatsapp, tá super acelerado, que a gente tem dificuldade de concluir as coisas. A gente inicia muito mais do que a gente conclui hoje em dia. Enquanto antigamente, a gente acabava conseguindo concluir mais. Sendo que o tempo é a coisa mais democrática que existe, todo mundo tem 24 horas por dia. Mas hoje em dia tá todo mundo acelerado e a gente acaba criando mais coisas, mas não concluindo tanta coisa.

 

Henrique em 12’31’’: Eu queria sair bem [desse papo], mas o Leandro tá complementando todas as coisas que eu venho lendo, eu venho lendo sobre futuros distópicos. Tava lendo 21 lições para o século 21 e tem coisas que se encaixam. O mais interessante dessa segunda frase, a gente tem impressão que estamos fazendo mais coisas, mas é só uma impressão. Se você anota num papel,você deu um monte de volta. 

 

Chittó em 12’57’’: É muita iniciativa pra pouca acabativa. Toda hora tem um projeto novo, uma coisa que vai revolucionar o mundo e, cara, não. A não ser que tu seja aqueles coaches que levantam às 4 da manhã..e aff, mano, canseira dessa gente. Mas Leandro, vamos lá, tu tem 30 anos pela frente. Velho, 30 anos é tempo pra caralho, velho. Não tem por que entrar nesse processo 30 anos antes. 

 

Leandro em 14’10’’: Mas eu não falo isso de forma ansiosa nem de forma pessimista. Pelo contrário, eu acho que entender isso muda minha perspectiva do mundo. Elimina ansiedade de querer sair fazendo. Só de carreira eu tenho… Por exemplo, tem uma menina que começou a trabalhar comigo há um mês, da equipe de comunicação. Ela é mais jovem do que eu tenho tempo de casado. Ela tem 22 anos. E eu acho isso bom, não acho isso ruim, não me sinto velho. É que eu penso, cara, eu já fiz muita coisa. Talvez eu possa focar mais o meu tempo nas coisas que eu realmente quero fazer e aí junta com o que a Lud falou. 

 

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Prazer no trabalho

 

Foto em preto e branco de jovem fazendo uma pintura.Chittó: Esse é um assunto que me questionam muito. Porque eu deixei minha vida de engenheiro pra trás, e fui virar cervejeiro. E muitas e muitas pessoas, principalmente as pessoas que sabem muito de mercado cervejeiro sempre me perguntam: e aí, se arrependeu? Porque uma coisa é fato, eu abdiquei de dinheiro. Abdiquei de uma vida financeiramente mais estável, porque ser empresário é desafiador, tem um milhão de treta, tem gente que não paga, e ao mesmo tempo eu levo pressão pra minha família. E aí eu pergunto: por que tudo isso? Porque não voltar pra engenharia? Qual é a entrega de valor que o meu trabalho atual me dá. E a resposta é, cara, eu trabalho com o que eu gosto, com o que eu tenho prazer de trabalhar. E o questionamento é: Como vocês enxergam essa relação de trabalho e lazer? Trabalhe com o que ame e nunca mais ame mais nada.

 

Henrique em 27’50’’: Eu trabalho com TI, no meu trabalho das 8h às 6h e TI é uma desgraça. É um mercado relativamente novo, a gente lida com gente e com código. O software a gente tem um pouco mais de controle, gente não. E eu há muito tempo tento equilibrar minhas expectativas sobre o prazer no trabalho. Às vezes o prazer do trabalho é cumprir com o exigido da sua profissão e simplesmente aceitar que eu fiz o que eu podia com o conhecimento que eu tinha, e beleza, é isso, eu posso buscar prazer em outro lugar que não seja o trabalho. Apesar deu saber que o trabalho é uma parte grande da nossa vida, né? A gente vende o nosso tempo. A gente tá negociando o nosso tempo; Se a gente tivesse, como o Chittó, uma possibilidade poderosa… mas nem sempre é assim. Aí você trabalha com algo não tão prazeroso e busco felicidade com os meus hobbies.

 

Leandro em 29’46’’: Eu invejo esse pensamento. Eu não consigo manter o trabalho nessa caixinha. Eu já trabalhei em ambientes abusivos, eu já trabalhei em lugares em que me perguntava por que eu estava indo, que zero estimulava as pessoas. Hoje trabalho num ambiente onde tenho muita voz, tenho muita participação, faço parte do grupo que toma as grandes decisões da empresa. Então isso facilita a minha rotina. Agora, tenho dois compadres que me falam pra não fazer isso. Eu não consigo não fazer isso, aí eu preciso estar bem pra trabalhar bem. Tem coisas que eu sou apaixonada, mas que eu nunca trabalharia. Por exemplo, eu adoro mergulho, mas eu nunca seria um Dive Master [guia turístico de mergulho em alto mar] porque iria acabar com o meu encanto daquilo. E eu percebi isso sobre a cerveja, que eu comecei a me questionar qual curso eu queria fazer, mas aí eu pensei que se eu fizesse curso de sommelier, mudaria a minha visão da cerveja. Eu gosto da minha visão menos racional e mais sensorial. Eu descobri que eu preciso colocar o trabalho com algumas coisas mínimas pra mim. Pra mim tem que atender a parte de estima e parte social. Preciso trabalhar com pessoas que compartilhem dos mesmos valores que eu, senão não dá certo. E aí eu consigo ter prazer com isso. 

 

Lud em 32’10’’: Cara, como eu nunca atuei, eu sou formada em direito, mas nunca atuei na área. A minha vertente sempre foi trabalhar com comunicação. Meu pai falou, vai fundo, passa na pública, que eu pago a faculdade de direito. Nunca passei na pública, e formei em direito. Mas eu arrumei um trabalho que me pagava bem pra época, e aí depois eu fui pra comunicação. E aí eu nunca consegui exercer uma profissão. O Chittó falou que é engenheiro, o Henrique trabalha com TI… Eu nunca trabalhei com direito, consequentemente nunca pude aproveitar da habilidade de ganhar dinheiro. E comunicação eu nunca tive know-how nem formação o suficiente pra galgar nessa área. Eu acabei trabalhando em funções que eram acessórias. Eu dei um jeito de deitar na vida. Então eu sempre tive que arranjar uma forma de ganhar dinheiro e consegui. Mas o trabalho é um prazer, pensar que foi você que criou algo. Então é prazer sim, mas entendia que eram tarefas que eu tinha que executar. Mas eu tenho uma coisa, eu adoro não fazer nada. Eu preciso poder assistir alguma série, ficar vendo instagram, enfim, não fazer nada. Quando eu voltava pra casa, do meu último emprego, eu falava assim “acabou”. Eu também tinha facilidade de desconectar. Segunda eu ia igual uma tartaruga ninja, puta pra caralho né, mas eu não deixava estragar minha sexta, sábado e domingo. Mas e aí a gente faz o que com o hobby? Transforma em podcast. 

   

Chittó em 35’36’’: Vocês sabem que eu gosto de fazer coisas né? Daí eu faço molho de pimenta. E um amigo meu provou e falou “ah, você tem que vender”. E eu, não! Eu já estraguei um hobby, não quero estragar outro. 

 

Henrique em 36’34’’: Acho que a gente tem uma certa experiência, já tomou muita bola nas costas, porque a gente consegue pensar assim, beleza, eu tenho minha fonte de renda. E assim, a gente deu certo né, e a gente consegue botar no papel e dizer assim, beleza, eu posso tomar essa decisão. Mas a sociedade da mídia social, ela incentiva que tudo tem que virar um empreendimento. Você faz um vídeo que faz todo mundo rir, beleza, tem que virar influencer digital. A pessoa tem que transformar aquela coisa que ela fez bem uma vez em um negócio. Acho que temos esse discernimento porque todos nós aqui nascemos no offline. A gente ainda tem um pouco do discernimento da transição pro digital.

 

Lud em 38’14’’: Eu trago um ponto aqui, que nascemos no digital e somos um país do terceiro mundo onde temos, sei lá, duzentos e tantos milhões de pessoas. E aí a gente tem uma quantidade de gente desempregada, porém empreendedor. Pessoas que são obrigadas a empreender pra sustentar suas famílias. Então, como falaram, realmente a gente deu certo. Mas imagina o tanto de gente que nasceu no offline e tá tendo que recorrer ao digital? Um bando de criança vendendo bala na rua e falam que é empreendedor. Que empreendedor? Tinha que estar na escola. É um reflexo da pobreza do nosso povo. Infelizmente.

 

Leandro em 39’34’’: Sim, é um reflexo da pobreza do nosso povo e a partir do momento que a classe média não é mais o meio da pirâmide, ela é parte do alto da pirâmide. A pobreza cresceu tanto, que a base é muito mais sólida do que já foi. E a gente vive muito o discurso neoliberal e também de religião, que é o trabalho enobrece o homem. Cara, isso é muito exploratório. Os nobres não trabalham! Quem tem muito dinheiro, não trabalha. É sobre isso. E não é o trabalho que enobrece o homem, é o ato. E a gente perde um pouco essa coisa e fica buscando dentro dessa relação, uma relação de se provar. E quando eu falo dessa relação, tirando as redes sociais da história, acho que estaríamos num lugar parecido de exposição. Tirando o discurso neoliberal, meritocrático, de que você tem que ser melhor hoje que ontem é exaustivo. Eu tava assistindo a série Bluezone, onde um antropólogo mapeia as zonas do mundo que mais agregam centenários. Ele mapeia como essas pessoas chegaram ao 100 anos e uma coisa em comum que eles tem é o trabalho sem pressão, sem cobrança. Então essa relação de trabalho e lazer, ela é possível. Eu já trabalhei com gente que gosta do afãn, da pressão. E sem julgamentos nisso.

 

Obrigada pelo papo incrível, Henrique e Chittó!

Aproveitamos para fazer um convite para todos que ouviram/leram o episódio, que comentem com suas próprias reflexões.

Seja em nossas DM’s, nos comentários do Blog: Só vem! Vamos conversar 😉

 

✨Leia também: Surra de Lúpulo #176: Nitrogênio na Cerveja com Estevão Chittó

✨O que bebemos durante o programa? Henrique bebe chá; Chittó bebe suco de laranja; Lud bebe New England Duality, da cervejaria Dádiva; Leandro bebe Session IPA, da HOPerários.

 

 

Nana Ottoni

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