Produção e uso do malte de milho na América do Sul

 

Encontro Selvagem é um programa realizado pelo canal Surra de Lúpulo, Abracerva, e com apoio nesta temporada do Conselho Federal de Química, CFQ. Sigam @encontroselvagem no Instagram e não percam nenhum conteúdo.

Ouça na íntegra:

 

 

No Encontro Selvagem de hoje, estamos honrados com a presença de Marcos, cuja expertise foi fundamental para a realização do projeto de maltação do milho que estamos prestes a apresentar. A cervejaria CozaLinda, em parceria com a Fazenda Santa Virgínia, cultivou os milhos que foram meticulosamente maltados. E também gostaríamos de destacar Carla Cisneros e Anderson Olarte, do projeto Victoria, especialistas do Peru que vieram compartilhar seus conhecimentos sobre a produção de Chicha e explorar as diversas facetas das experiências com o milho.

 

Você sabe o que é a Chicha? Leia também: Chicha contemporânea com Diego Simão

 

Qual é o processo de seleção do milho que vocês adotam e por que optaram por tal milho em particular? Sabemos que também estão envolvidos na malteação do milho em algumas etapas. Poderiam compartilhar com a gente mais detalhes sobre a indústria de malte do milho no Peru e como ela funciona?

 

Chicha de jora
Chicha de jora | Portal Amazõnia

Anderson: Bom, lá no Peru, eu trabalhava em um bar cervejeiro, e havia muita gente que consumia cerveja, e foi aí que nós falamos: por quê não vendemos nossa chicha? Então começamos a fazer chicha, vendíamos no bar em draft, igual o resto das cervejas. No início, se tornou muito ácida, não entendia por que, porque se tornou ácida e tudo isso. Então fomos trabalhando, investigando o processo e por que se tornou muito ácido. E então, assim, lendo, eu investiguei, ambos investigamos, né? E já com o tempo, nós nos demos conta de que, enquanto mais deixávamos fermentar, saía muito melhor, né? E então, foi aí que lançamos o projeto e dissemos, né? Bom, vamos agora, ou que se possa distribuir e que vá a muitos lugares mais, né? E começamos a embotelhar, porque antes só era em draft, mas agora, nós embotelamos e já podemos levar não só no Peru, mas em vários países. E o maíz ou a jora, nós chamamos de maíz germinado. Se faz secar no sol, não se usa tambores ou secado no fogo, mas só uma vez germinado, você o atende no sol. E já, né? Também se usa, na chicha tradicional, se usa o maíz fresco, mojado também. E claro, o resultado é diferente, mas seco, nós nos demos conta que é melhor, né? Para fazer uma chicha. Praticamente isso seria, né? Sobre o guiñapo, jora, o maíz germinado.

 

Carla complementa:

Carla: “Sim, como conta Anderson, em Cusco, nos Andes do Peru, ainda se consome a chicha. Chicha de milho, chicha de quinoa, chicha de kiwicha, fazem misturas, chichas com álcool, sem álcool. Lá ainda maltam artesanalmente o milho, nos Andes. Não só em Cusco, onde nós começamos o projeto, mas em todos os Andes, a tradição é mantida. Como diz Anderson, estando em um bar cervejeiro, mais ou menos conversando, ele é cusquenho, entra no mundo da cerveja, eu, cervejeira, chego a Cusco, vejo a chicha, tive a sorte de visitar o mundo, conhecer a história de cervejas históricas, de provar uma Lambic, de estar em Cantillon, de conhecer. E era a lógica, não? E voltamos e falamos, e disse Anderson, isso é exatamente o mesmo. Falamos de um grão que cresce aqui, que se deixa toda noite esfriar, entram os micro-organismos, se torna uma chicha, um fermento. Então, começamos um pouco a nos envolver com isso, e tudo começou a trabalhar, como diz Anderson, com a chicha. Compramos o milho que tem na região, que são diferentes variedades, milho branco, milho roxo, e depois já começamos a cultivar, bem, trigo e fazer o mesmo processo de germinação e secagem ao sol. Bem, nós no salão, Anderson é quem se envolve totalmente nessa parte, mas precisamente porque encontrávamos o jora que se comprava úmida e não era boa para o produto. Não, não saía perfeito, mas assim foi começando. E lá, afortunadamente, em Cusco, há muitas variedades de cereais, grãos, para experimentar. Milho, trigo, quinoa, kiwicha, como eu disse. Mas assim começou um pouco a ideia de trabalhar com o milho e essa fusão.”

 

Quais são os tipos de milho que vocês mais usam? E se existe? Produtores de malte, ou de malte germinado, dentro do Peru, ou vocês são obrigados a sempre, vocês mesmos, fazerem o processo?

 

Anderson: “Não, lá no Peru não há malte, não há malte, então nós somos quem faz, o trigo, o milho, e o milho que usamos para germinar ou para fazer o buñapo é um milho roxo, ou pode ser amarelo também. O nome do milho roxo é chamado de chaminco, no Quechua. E o amarelo, apenas amarelo. Então, esses dois grãos são mais usados para fazer chicha, na verdade. É algo natural fazer chicha, ou cada família faz sua chicha, e quando há aniversário, ou quando fazem sementeira de milho, de trigo, fazem chicha, e cada vez que descansam, tomam a chicha. É como um refresco, mas tem álcool, né? Então, sim, isso é, na verdade.”

 

Em uma discussão sobre o processo de produção de cerveja no Brasil, surge um contraste intrigante. Na Coza Linda, a equipe começou a considerar a utilização de ingredientes cada vez mais regionais, indo além do uso de apenas micro-organismos locais. Como cliente das maltarias catarinense e da Brumenau, eles têm buscado exclusivamente maltes brasileiros em suas cervejas. No entanto, perceberam que isso não era suficiente e começaram a questionar por que não utilizar o milho na fabricação de cerveja.

Florianópolis possui uma conexão histórica com o Peru através do caminho do Peabiru, cujas trilhas terminam na cidade. Existem evidências do uso de milhos nativos brasileiros pelos povos originários na produção de bebidas fermentadas de milho. Embora a chicha seja frequentemente associada ao Peru atualmente, sua presença já foi disseminada por toda a América do Sul. Eles estão começando a reavivar esses laços entre países através do milho. Inicialmente, buscaram milhos não hibridizados da IPAGRE, uma empresa de desenvolvimento agrário de Santa Catarina, para plantar em uma fazenda da família. Plantaram e colheram esses milhos, um amarelo e outro mais vermelho, conhecido como milho colorado ou milho fortuna.

Agora, gostariam de passar a palavra para Marcos, responsável pela malteação, para compartilhar sua experiência de pesquisa e onde encontrou informações para realizar esse processo. Marcos, é a sua vez de brilhar! Eles estão ansiosos para aprender com vocês e revitalizar esse conhecimento compartilhado, inclusive através da produção de uma cerveja no domingo, onde colegas cervejeiros poderão aprender com eles e explorar juntos esse rico universo.

 

Marcos: “Primeiramente, gostaria de expressar nossa gratidão ao Diego e sua família, da Família Santa Efigênia, da Fazenda Santa Virgínia, que cultivou e nos forneceu os milhos. Tivemos o privilégio de realizar a malteação, um desejo que faz parte do nosso projeto há alguns anos. Desde 2016, 2017, 2018, estávamos em busca dessa oportunidade. No entanto, somos uma malteria pequena, com lotes de apenas uma tonelada. Para nós, esse volume pode parecer significativo, mas em comparação com aqueles que malteiam apenas 20 quilos do próprio milho, como mencionaram anteriormente, somos gigantes. Tudo é uma questão de perspectiva. Encontrar milho não hibridizado, variedades de polinização aberta e em quantidade suficiente para a malteação era um desafio. Participamos de eventos de preservação de sementes crioulas, como a Expo Inter em Esteio, em busca de fornecedores, mas muitas vezes nos deparávamos apenas com pequenas quantidades, contadas uma a uma, destinadas ao plantio doméstico ou à alimentação animal”.

 

Diego explica que no processo de plantio da primeira etapa na Fazenda Santa Virgínia, foram enfrentados grandes desafios em obter as sementes de milho necessárias. Eles optaram por utilizar o milho desenvolvido pela Ipagra, devido a um acordo estabelecido com uma produtora de sementes orgânicas que possuía a quantidade adequada para plantar um hectare. A obtenção dessas sementes foi uma tarefa árdua, porém, agora podemos afirmar que o primeiro obstáculo foi superado com sucesso.

 

Marcos: “Então, assim, se foi difícil conseguir 15 quilos de semente para iniciar o plantio, imagina a minha dificuldade anterior em obter 600 quilos, 800 quilos, uma tonelada para maltear. Esse foi o primeiro desafio. O segundo desafio, como bem observou o Diego, foi encontrar literatura e informações técnicas. Encontramos algumas referências na literatura? Sim, encontramos, mas muitas vezes é apenas um parágrafo em um livro inteiro, mencionando a existência do processo. Encontramos alguns artigos também, mas geralmente são resultados de experimentos de laboratório, com aplicabilidade pontual. Com base em nossa experiência anterior com cevada, trigo, trigo mourisco, arroz, centeio, aveia e outros cereais, tivemos que aprender a trabalhar com o milho. Cometemos alguns erros, é verdade, mas não muitos. Certamente faremos ajustes e melhorias nos próximos lotes. É o refinamento do processo, como em todas as áreas da vida, não é mesmo? Estamos ansiosos pela chegada das próximas sacas.”

 

Anderson: “Lá também, o milho não é algo utilizado em abundância. Às vezes, é destinado apenas para alimentar galinhas. Às vezes, há mais cultivo. Existe um tipo muito produtivo, porém econômico. Se você quer grãos maiores, custa muito caro. O choclo também é assim. O choclo é o que se come, cozido no sangue. Atualmente, há um interesse crescente das pessoas pelo milho. Isso desperta o interesse dos produtores para o plantio. Lá também é difícil encontrar uma variedade ou as variedades básicas. As originais são misturadas, e há muitos híbridos também, como sempre ocorre. Existe um instituto que cuida das sementes, mas sim, é necessário trabalho em equipe e muita pesquisa. No Peru, ainda não temos isso, e somos muito pequenos. No entanto, acredito que em breve isso irá mudar. No Brasil, há uma indústria muito grande. No Peru, ainda é um pouco menor. Mas aos poucos, acredito que alcançaremos o mesmo nível. E há uma força conjunta, porque temos o Brasil, o Peru, o Equador trabalhando com sua própria malta, além da Argentina e, acredito, também o Chile. Portanto, acho que o Peru está ficando para trás porque não produz malte. Havia uma produção de malte, mas não existe mais. Precisamos começar a trabalhar com produtos locais, não é verdade?”

 

Anderson, falando sobre o processo de malteação deles, explicou: “Ok. O malteado, eu o chamo de jora, na realidade, já estou acostumado a dizer isso. É uma malta de milho, não é mesmo? Então, a jora, nós a deixamos descansar por dois dias, 48 horas, e depois desse período, já… Em relação ao milho, ele fica à temperatura ambiente, em torno de uns 17 graus, 18 graus dentro da casa. Sim, então depois, bem, ele é revirado duas vezes ao dia também, de manhã e à tarde. E uma vez que já completaram os cinco ou seis dias, já os colocamos ao sol. Aí também leva mais uma semana, porque como é um grão grande, não seca rapidamente. Isso é praticamente o mesmo processo que usamos para maltear o trigo, mas o trigo seca mais rápido. Marcos, como foi o processo para você?”.

 

Marcos: “Estão ouvindo sobre o processo de malteação de Anderson e Carla? Foi bastante similar, com cerca de 48 a 50 horas de imersão, com algumas trocas de água, não é mesmo? Em seguida, ocorreu a aeração, removendo o CO2 quando não havia água, seguida pela germinação no piso, conhecida como floor malting. Durante cerca de 5 a 6 dias, as temperaturas não variaram muito, com ligeira queda à noite e aumento durante o dia, mantendo um certo controle de temperatura e isolamento, mas ainda sujeitos às flutuações climáticas de Campos Novos, que é mais fresco que São Paulo, por exemplo. Até aqui, tudo muito semelhante. A grande diferença surgiu na fase de secagem. Utilizaram um cilindro secador para o primeiro lote, o milho colorado. Devido à sua casca avermelhada, mas com interior branco, onde se concentra o amido, decidiram desenvolver mais cor durante a secagem para adicionar sabor e coloração ao mosto. Optaram por uma secagem mais semelhante ao processo de Munique, com aproximadamente 60 horas de secagem. Iniciaram recirculando um pouco de ar quente para ativar as proteases, obter FAN (Free Amino Nitrogen) e substrato para a reação de Maillard, entre outros processos. Já para o milho fortuna, optaram por uma secagem mais clara, semelhante à do Maltipil, com a temperatura máxima próxima a 100 graus, em contraste com os 160 graus utilizados para o milho colorado”.

 

Anderson: “O que consigo imaginar sobre o processo de secagem de vocês, além da questão do tempo, é que no início da secagem, nos primeiros dias, as enzimas ainda estarão… Trabalhando, enquanto em uma secagem forçada, posso escolher quando encerrar esse processo. Assim, imagino que talvez o malte de vocês tenha algumas características um pouco diferentes devido a essa secagem”.

 

Carla: Secam ou também chegam a dar um pequeno tostado ao maíz?
Marcos: “A gente não torra, tá? Não temos torrador, mas eu cheguei ali no Colorado a uns 150, 160 graus Celsius, o que é bastante, né? E depois desse processo de radiculador, peneira, retirar a radícula, né? Vinte quilos dá pra fazer isso manualmente, né? Uma tonelada já precisa… E a partir do momento em que tivermos mais sementes, podemos pensar em outras variedades, como o malte caramelo, não apenas o malte claro de base, ou um pouco mais escuro, como foi o caso do colorado, apenas para brincar um pouco com a cor. Estamos passando algumas amostras aí, infelizmente não preparamos copos para todos, mas vocês podem ir compartilhando, né? São duas variedades, então sugiro que provem primeiro o amarelo, que é o Fortuna, a variedade do milho, e depois o colorado, que é o vermelhinho, com uma temperatura um pouquinho mais alta de secagem”.
E agora, reforçando um pouco da importância  do milho, talvez como o malte sul-americano. Porque a gente está aqui brevemente falando, tanto em Cusco tem 2, 3 variedades que são mais comuns a vocês, mas são os maltes das cervejarias de vocês. Aqui do nosso lado, a gente já falou de dois tipos, a gente pode chegar ainda num terceiro tipo de malte, mas isso a gente está falando de uma malteação básica. A partir do momento que tu começa a falar da gente começar a fazer malte caramelo, fazer outros maltes, a gente pode não apenas desenvolver novas chicha beers, mas como releituras de alguns outros estilos que a gente queira fazer. Fazer uma releitura do estilo manipueira com malte de milho, por exemplo, dá pra fazer e ao mesmo tempo a gente pode fazer cervejas escuras com milhos escuros, a gente pode começar a empenhar nisso e eu queria muito perguntar pra vocês porque no meio do ano passado por conta, eu acho que foi uma organização do pessoal do Equador eu não me lembro muito bem, a gente tava no mesmo grupo até, que era um grupo de internet que começou a se discutir um pouco sobre o uso dos milhos na produção de outros tipos de cervejas.
Como vocês estão vendo a ampliação, se existe primeiro, né? E como vocês estão vendo, principalmente na região dos Andes, já que o Peru tem mais contato com o pessoal de países vizinhos, que produzem títia também, e na utilização de milho na releitura de estilos de cervejas hoje. Como é que vocês estão vendo? Se é incipiente, no caso de ser pouco ainda, se já há muita gente brincando com milho para fazer IPA, fazer lager. Como é que está esse cenário lá?

milhoCarla: Eu acho importante distinguir o uso do milho e o que é a chicha, não é mesmo? Porque falamos do milho em diferentes estilos já conhecidos. Já se usava o milho, e eu acredito que está se implementando mais e mais, utilizando mais variedades, porque não altera muito a receita, não altera muito o perfil, mas há mais interesse em destacar o sabor do milho. Daí surge o movimento da chicha, as fermentações naturais, como se faz a chicha com micro-organismos que estão presentes em ambientes naturais como Cusco. Em Lima é difícil fazer, então não é possível reproduzir porque há muita contaminação, não se pode capturar no ambiente. Então é isso. Pelos resultados, pelas experimentações que fizemos, sim, há muito interesse. Há muito interesse no Equador também em fazer chicha, como você disse, é uma bebida latino-americana, porque vem do centro, de fato, não é mesmo? Então, há muito interesse, sim, mas falta um pouco de chegar a um consenso sobre o que queremos alcançar, se queremos criar estilos específicos, se queremos estabelecer um estilo de chicha, uma chicha beer, é preciso definir parâmetros. Vamos experimentar, vamos definir parâmetros. Isso foi algo que, se não me engano, foi o Gordon Strong na Copa Muita do Mundo que comentou, e eles criaram a categoria chicha beer, mas como avaliar? Alguém te traz uma chicha beer, mas é feita com milho, mas com uma levedura belga, uma US05, qualquer uma… O que você está fazendo? Nós chegamos com uma chicha beer, que é uma fermentação mista, ácida e com brettanomyces e outra complexidade. Como compará-las? E ele disse, precisamos de parâmetros. E surgiu a iniciativa de que o fazemos juntos. E acho que isso falta, chegarmos a um acordo, todos os países interessados, em começar a estabelecer quais estilos queremos fazer, quais estilos queremos reproduzir e colaborar entre todos.

Marcos: Eu acho que é uma situação bem fácil de resolver, bem tranquila. Como ela comentou, há muito uso de milho, mas pensando em milho adjunto. Para isso, há muita literatura, muita tecnologia, isso já está dominado. A gente pode brincar, usar malte de milho em vez de milho adjunto, para dizer que pelo menos é malte. Claro, o custo, o valor agregado é outro, o processamento é diferente, mas eu acho que é super tranquilo. Dá para brincar com chicha, com outras bebidas, dá para fazer turbid mash, para fazer selvagens a longo prazo, mais complexas. Eu acho que o uso, a criatividade do cervejeiro, ela tem que aflorar. A gente está dando mais uma pequena ferramenta, entre tantas outras. Existem inúmeros lúpulos, inúmeras leveduras, inúmeros maltes, a gente está adicionando mais um. Não é nenhuma novidade, não estamos reinventando a roda, mas aqui no Brasil, pelo menos para vocês, será novidade. Então é mais uma pequena ferramenta. Nesse “toolbox”, vocês podem usar para tentar explorar a criatividade. E a gente espera… de vocês também, ideias, sugestões e loucuras de vocês e fazer intercâmbio e mandar a “Mount” pra lá e fazer colaborativa lá e vocês virem ajudar nós a “mountar” aqui, eu acho que o futuro é colaborativo, andorinha sozinha não faz verão, né?
Carla: Sim, de fato, vamos falar no workshop de produção sobre processos e na experimentação, na loucura que fazemos, processos há vários e vários bons resultados. Mais ou menos, íamos contando quatro processos diferentes para resultados diferentes, desde uma kettle sour a uma Catarina Sour, de repente, com fruta, mas limpa, ambas, todas com a chicha, mas depois temos a fermentação mista. Há para explorar um monte, há para explorar muito, sim. Bom, isso vamos ver também no workshop amanhã.

E vocês poderiam falar um pouco sobre a receita que vamos produzir no domingo? Gostaria que comentassem sobre a receita da Chicha Beer especial que faremos no domingo com o grupo de cervejeiros brasileiros, e também falassem um pouco sobre as principais dificuldades ao trabalhar com milho na produção.

 

Anderson: Sobre a receita, em nosso caso, usamos 50% de malte e 50% de trigo germinado, malte de trigo. Depois fazemos uma decoção de cerca de 30% para extrair todos os sabores do milho também, porque normalmente na chicha tradicional se utiliza o milho. Então fazemos essa decoção e depois a deixamos esfriar. Normalmente maceramos entre 70 e 72 graus. E, bem, fazemos a primeira fermentação com uma levedura neutra, que neste caso seria a US05. Uma vez terminada, aos 15 dias, já adicionamos o honcho da chicha de jora. Temos várias opções, porque nem todos os honchos têm um sabor rico ou um aroma agradável, porque… Como são micro-organismos naturais, às vezes apresentam cheiros desagradáveis, então os separamos. Depois disso, deixamos fermentar por seis meses a um ano, até provarmos e decidirmos em que momento já podemos engarrafá-la. Normalmente deixamos pelo menos três meses antes de engarrafar para poder vendê-la. Outra dificuldade seria… Bem, em lotes grandes, não sei, mas me disseram, né? Por usar milho, possivelmente não vai filtrar bem, né? Vai obstruir todo o falso fundo. Isso é o que dizem, né? Eu, com meus lotes de 60 litros, então não tenho esse problema, né? Mas talvez em lotes maiores possa ocorrer isso, né? Mas depois não há problema.

 

Marcos: Apenas para complementar a linha de raciocínio, eu já havia alertado o Diego antecipadamente sobre duas grandes perguntas que eu tinha. Primeiro, a questão da temperatura de gelatinização do amido do milho, mas aí você mencionou a decoção, e também a mostura em temperatura mais alta, começando em torno de 70, 72 graus Celsius, então isso já está mais ou menos resolvido. E outra grande questão que me deixou intrigado foi a proporção de 50% de malte de milho e 50% de malte de trigo. A questão dos nutrientes para a levedura, já que haverá uma fermentação com saccharomyces ali para começar, certo? Se precisaria suplementar, talvez, nutrientes? Ou se não seria necessário?

 

Anderson: Olha, nós não utilizamos nenhum aditivo desse tipo para melhorar a fermentação, mas já fizemos testes apenas com milho, 100%. Como eu mencionei… Há bastante amido, que não acaba sendo fermentável no processo de maceração. Não há muitas enzimas, então é por isso que recorremos ao trigo. Assim, todo o amido se converte em açúcares fermentáveis. Isso é o que normalmente fazemos. Mas sim, também nos disseram que poderíamos usar algum aditivo que ajudasse a converter esse amido em açúcar fermentável, não é? Mas até agora ainda não utilizamos. Talvez pudéssemos fazer uma cerveja 100% de milho, que poderia ser sem glúten. Mas ainda não fizemos isso, não é mesmo?

 

Marcos comenta que a questão da gluten-free é interessante. Ele inicialmente não estava tão preocupado com a questão enzimática na mostura, mas sim com os aminoácidos e o zinco para garantir uma fermentação adequada pela levedura. Ele considera que um extrato residual pode fazer parte das características da cerveja, contanto que não haja problemas no início da fermentação. Marcos destaca que, geralmente, a levedura de primeiro uso está bem nutrida quando sai do laboratório, pelo menos é o que se espera.

 

Nana Ottoni

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