No episódio 36 do Surra de Lúpulo, nosso podcast de cerveja artesanal, batemos um papo superinteressante, às vésperas do Natal, sobre cerveja zero, cerveja sem glúten e cervejas de baixa caloria com os criadores e apresentadores do podcast de ciência NaruHodo! Ken Fujioka é sócio e co-fundador da ADA Strategy, empresa de consultoria estratégica, e Altay de Souza é doutor em Psicologia pela USP, pesquisador do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e pesquisador colaborador do Centro de Ciências da Comunicação e Cognitivas (4C) da ECA-USP.
O papo de quase uma hora é um brainstorming divertido e cheio de conteúdo sobre aspectos comportamentais do consumo de cerveja no Brasil, desde as ocasiões em que a cerveja é consumida, até raízes mais profundas e antropológicas que remontam a formação cultural do Brasil. Altay explica que o consumo de cerveja sem álcool vem atender um novo perfil de ocasião de consumo em nosso país, que já vem sendo explorado lá fora desde o boom dessas cervejas nos mercados árabes, onde o consumo de álcool é proibido e esses rótulos cobriram um nicho até então jamais explorado.
“Mas a verdade é que a procura pelas cervejas sem álcool, ou com baixíssimo teor, remonta à época medieval. Naquele tempo, beber cerveja era mais saudável do que beber água, porque não havia tratamento e a produção resolvia essa questão em virtude da etapa de purificação no processo produtivo. Até as crianças bebiam cerveja nessa época! Hoje em dia essas cervejas se tornam mais populares porque o mercado encontrou nichos de ocasião de consumo não preenchidos, como as pessoas que querem ter uma vida mais saudável, por exemplo, sem deixar de consumir cerveja. Quando pensamos em uma cerveja zero, é removida, ou bem reduzida, a parte nociva do líquido, que é o álcool. É um produto que valoriza o paladar e que se incorpora bem ao ritual social sem gerar alteração de percepção e os danos em potenciais que isso causa, como os comportamentos violentos, tão associados à bebida em nosso país”, explica Altay.
Quando perguntado sobre o aumento das cervejas sem glúten, Altay contextualiza: “A cerveja sem glúten vem na esteira das ocasiões de consumo, mas, sobretudo, porque atende um público interessado em pertencer a uma nova tendência comportamental. “Segundo a sociologia, nós analisamos um indivíduo social de acordo com três comportamentos: idioma, alimentação e crenças. No Brasil, embora haja uma resistência muito grande em mudar o padrão alimentar, as empresas atuam nessa engenharia social para passar ao consumidor uma sensação de pertencimento. Beber cerveja sem glúten, mesmo que ela não seja estritamente necessária para uma pessoa que não tem doença celíaca, é uma forma de pertencer a um novo padrão da moda, de quem é mais ‘natureba’”.
Mas Altay ressalta que o crescimento das cervejas zero e sem glúten, embora crie novas formas de se relacionar com essa bebida, não vai, a curto prazo, destituir o papel sociocultural dela no Brasil e no mundo. “A cerveja é uma espécie de ícone ritualístico que o indivíduo pode usar como um instrumento de autopercepção. O álcool pode estar associado a comportamentos adaptativos, como a socialização, e desaptativos, como a violência. Na Rússia, por exemplo, o consumo de vodka se dá, sobretudo, pela depressão. Mais do que as cervejas zero ou baixo álcool, são a escolarização e a conscientização, feita a partir de iniciativas como o Surra de Lúpulo, que podem ajudar a criar um novo paradigma de consumo”.