No episódio do Surra de Lúpulo desta semana, vamos falar sobre a pasteurização da cerveja. Um tema super técnico e que impacta muito as cervejarias, mas principalmente os consumidores. Para nos ajudar nesse assunto polêmico, estamos com Duan Ceola, Mestre em Química, da Bellbruck Cervejaria, e rei dos laboratórios cervejeiros Brasil afora.

 

✨ O Surra de Lúpulo conta com o apoio dos nossos queridos Mecenas Empresariais: ✨ Cervejaria UçáViveiro Van de Bergen e Prussia Bier.

 

Ouça o episódio na íntegra:

Pasteurização da cerveja e suas implicações

 

Duan já nos deu o prazer do conhecimento e presença dele aqui, falando de assuntos super técnicos dos laboratórios cervejeiros. Então não vamos nos demorar em apresentações por aqui. Vamos começar com pé direito:

 

O que é pasteurização? E como é esse processo dentro de uma cervejaria?

 

Duan diz ter uma relação de amor e ódio com o processo de pasteurização. Durante o programa, os ouvintes vão entender o porquê desse amor e o porquê desse ódio.

 

Louis Pasteur“O conceito da pasteurização envolve um processo que diminui o grau de contaminação microbiológica. Essa diminuição do grau de contaminação microbiológica é aplicada com calor, em temperaturas que não podem, obviamente, ser temperaturas de volatilização de alguns compostos. Então a pasteurização trabalha com temperaturas sempre abaixo de 100 graus, mais precisamente entre 60 e 75 graus em média. O objetivo da pasteurização é reduzir em escala logarítmica a quantidade de contaminantes que estão presentes, sejam bactérias, sejam outros tipos de contaminantes, ou simplesmente inativar os microorganismos que estão no estado vegetativo”.

 

E por que é importante salientar isso? Porque a pasteurização, de acordo com Duan, não vai salvar o rolê, ela não vai salvar a cerveja. Existem dois casos de  micro-organismos:

  • O primeiro, alguns micro-organismos que são termotolerantes, ou seja, eles aguentam temperaturas mais altas, aí você tem um problema.
  • E você pode ter um outro problema que envolve alguns micro-organismos criarem o que a gente chama de biofilme, criar um esporo. Quando isso acontece, também, a pasteurização não é tão eficiente. Ela reduz a probabilidade de você obter um sucesso no objetivo da pasteurização, que é evitar proliferação de contaminação e aumentar a vida útil da cerveja.

 

De acordo com Duan, alguns acreditam que o processo de pausterização foi descoberto, outros acreditam que ele foi inventado. Luiz Pasteur, em 1862, um químico francês teria descoberto esse método e desenvolvido. Inclusive, Duan tem até a patente dele pendurada na parede, tão charmoso que é esse tema. Basicamente, Pasteur submeteu algumas amostras de cerveja, de leite ao calor e viu que esses alimentos, esses produtos, eles não deterioraram com tanta facilidade. E aí foi eureca, foi um bingo na cabeça dele.

E aí foi descoberto ou inventado, enfim, o processo de pasteurização.

 

Quais são os problemas que a pasteurização pretende solucionar (ou prevenir) na cerveja? E quais seriam os estilos mais indicados para passar por esse processo?

 

O objetivo da pasteurização, de uma maneira geral, é prolongar a vida útil daquela cerveja. Agora a gente vai falar de cerveja, mas existem pasteurizações de alimentos sólidos e outros tipos de bebida, leite, suco, enfim, refrigerantes, energéticos. Mas o objetivo para a cerveja é você aumentar a vida útil dela. E aí a gente entra num parâmetro de controle de qualidade que é muito simples. Quando é necessário pasteurizar?”

 

brinde com duas pilsnerAgora, há dois cenários a serem observados. De acordo com Duan, no primeiro cenário, temos uma cervejaria pequena, um brewpub, por exemplo, que produz até 50 mil litros e opera em uma cadeia de produção bastante rápida. Para esse tipo de situação, ele argumenta que a pasteurização não é apenas desvantajosa, mas desnecessária. Não faz sentido pasteurizar um produto com uma vida útil que não ultrapassa algumas semanas, ou no máximo um ou dois meses. É possível implementar medidas microbiológicas para garantir uma certa vida útil para a cerveja.

No entanto, segundo Duan, há outro cenário a considerar: uma cervejaria com capacidade maior, cujas cervejas são distribuídas para diversos pontos de venda e estados diferentes. Nesse caso, o processo de pasteurização se torna fundamental e uma peça-chave. Ele destaca que mesmo que a sanitização interna seja feita adequadamente, não se pode confiar apenas nisso. A seleção natural dos micro-organismos é uma realidade, e alguns desenvolvem resistência e se adaptam ao meio ambiente para sobreviver. Por isso, Duan enfatiza que é muitas vezes necessário alterar o princípio ativo do sanitizante ou sua concentração para garantir a eficácia.

Segundo as observações de Duan, para cervejarias que dependem de uma logística externa mais complexa, a pasteurização é essencial para prolongar a vida útil da cerveja nas prateleiras dos supermercados. Ele menciona que todos os estilos de cerveja podem ser pasteurizados, especialmente aqueles que exigem uma logística mais extensa e uma vida útil mais longa. Duan também aponta que alguns estilos, como Pilsen e Light Lager, lidam melhor com a pasteurização, enquanto outros, como IPAs, podem ter seu perfil sensorial comprometido devido à degradação de moléculas durante o processo.

 

É comum serem feitos testes nas cervejas após a pasteurização? Se sim, o que se pretende verificar nesses testes?

 

Em questão laboratorial, a gente tem dois métodos analíticos para avaliar o nível de pasteurização. São testes que envolvem a metodologia para fazer esses testes, realizada através da visualização da atividade de um tipo de enzima chamada beta-fructosidase”.

 

pausterizaçãoÉ uma enzima muito específica que realiza a inversão da sacarose e ela é inativada quando se atinge um nível de pasteurização mínimo de 5, 5,5 UP. E o que isso significa? O que é UP? É uma unidade de pasteurização. Duan explica que é uma unidade para medir o quanto foi pasteurizado. Ele detalha que essa unidade funciona da seguinte forma: cada minuto a 60 graus equivale a um UP. Por exemplo, se deixou o produto por 5 minutos a 60 graus, isso significa que foram 5 UPs. Esse é o conceito básico da parte laboratorial envolvendo o processo de pasteurização.

Ele continua explicando que existem métodos oficiais para isso, que envolvem reagentes específicos como carbonato de sódio, ácido sulfúrico, tiossulfato, sacarose pura, iodo, entre outros. Também há um teste rápido, qualitativo, que consiste em utilizar uma fitinha de sacarose para medir se ocorreu a pasteurização ou não pela ação da enzima mencionada anteriormente.

Duan destaca a importância de ficar atento ao funcionamento do equipamento de pasteurização, seja ele um pasteurizador de túnel ou flash, e à metodologia específica empregada. Ele menciona também a utilização do “viajante”, um data logger colocado dentro da garrafa para medir as temperaturas durante o processo, especialmente útil para pasteurizadores de túnel.

No entanto, Duan ressalta que o nível de pasteurização é influenciado por diversos fatores, como o tipo de cerveja, o processo de envase e até mesmo questões sensoriais. Ele enfatiza a importância de considerar esses aspectos para determinar o nível de pasteurização adequado para cada estilo de cerveja, já que um processo muito agressivo pode comprometer o sensorial do produto. Portanto, a determinação do nível de pasteurização não é baseada em um único valor, mas sim em uma análise criteriosa das condições específicas de cada bebida.

 

Como fica o sensorial da cerveja pasteurizada? Sabemos que sensorial é algo muito subjetivo, mas seria legal contextualizar para os nossos ouvintes, percepções sensoriais que a cerveja pasteurizada carrega. E as cervejas sem álcool?

 

abrindo cerveja“Estou falando agora da pasteurização em túnel; depois, vamos falar do flash, que muda um pouco. Na pasteurização em túnel, passo várias garrafas, várias embalagens com diferentes níveis de UP. Então, vou desde 2 UP até 15 UP. Assim, tenho uma grande quantidade de cervejas submetidas a diferentes níveis de pasteurização. O que fazemos com isso? Misturamos os controles de qualidade. Em uma cervejaria, o controle de qualidade é como uma mesa sustentada por três pernas: microbiológica, físico-química e sensorial, como já comentamos em podcasts anteriores. Portanto, a pasteurização melhora muito o controle de qualidade microbiológico, mas prejudica o sensorial.”

 

Ele explica que eles pegam todas as cervejas que foram submetidas à pasteurização e montam um painel sensorial com panelistas treinados para avaliar qual é o nível máximo de pasteurização que podem alcançar sem comprometer o sensorial. Quando se fala em sensorial, ele detalha o que se deve esperar daquele limite máximo, da amostra que foi aprovada para não aprovada.

Um indicador chave para determinar o limite de pasteurização é o aroma e sabor de papelão ou caramelo. Duan esclarece que quando se detecta o aroma de caramelo, isso indica que a cerveja foi muito agredida, com moléculas submetidas a um processo oxidativo. Ele menciona que usam um marcador específico para determinar o sensorial da cerveja, e que a pasteurização não destrói, mas compromete o sensorial. Ele destaca a demanda industrial atual por alternativas que minimizem esse comprometimento.

Duan também comenta sobre a subjetividade do sensorial, especialmente no Brasil, onde as pessoas se acostumam rapidamente com o paladar. Ele ressalta a importância de compreender esses dois cenários para os profissionais da área.

 

Uma cerveja sem álcool ou com baixo teor alcoólico, ela precisa ser pasteurizada porque das três variáveis que eu comentei de probabilidade de contaminação, pH, gás carbônico e etanol, o etanol já não está mais presente ali ou está em uma concentração muito baixa. Então, cervejas sem álcool ou com baixo teor alcoólico, elas merecem um carinho especial na hora de pasteurizar, porque o risco de contaminação tende a aumentar.”

 

O que é flash pasteurização? Muda alguma coisa a questão sensorial entre a flash pasteurização e a pasteurização “completa”?

 

É um equipamento grandão, uma cuba grandona, entra a embalagem, passa por um esguicho de água, um chuveirinho com diferentes temperaturas, até ela sair do outro lado. Esse é o pasteurizador túnel. Então, na pasteurização túnel, a pasteurização é feita na embalagem, seja ela lata, garrafa, barril, pet, enfim, na embalagem”.

 

pausterização flashNosso convidado enfatiza que não há um método melhor ou pior, mas sim diferentes resultados para diferentes objetivos. Na pasteurização em túnel, todo o processo é realizado em linha: a embalagem é envasada e passa pelo pasteurizador, onde existem zonas de diferentes temperaturas. Duan explica que geralmente se faz uma rampa de temperatura para evitar agredir a cerveja. Depois de passar pelo pasteurizador, a cerveja segue seu caminho para a embalagem.

Ele também menciona o processo de pasteurização flash, que difere em velocidade e agilidade. Nesse caso, o líquido é pasteurizado rapidamente, mas a embalagem não. No layout do pasteurizador flash, a cerveja passa por trocadores de calor e vai para um tanque pulmão antes de ser envasada. Duan ressalta a importância de garantir que o envase esteja livre de contaminação, pois qualquer contaminação nesse ponto invalidaria o processo de pasteurização.

Em termos industriais, ele destaca que o processo de flash-pasteurização fica mais vulnerável à parte microbiológica do envase, enquanto na pasteurização túnel é um pouco mais confortável, pois é possível realizar o processo em linha. Essa é a principal diferença entre os dois métodos, conforme explicado por Duan.

 

Quais são as novidades no processo de pasteurização e como as tecnologias tem ajudado nesses processos? Tem IA para isso?

 

“Sim, tem inteligência artificial. A gente vem observando um crescimento nessa inteligência artificial. E, de um modo geral, quando a gente pensa em otimização no processo de pasteurização, ele vem sendo muito, muito, muito explorado, muito explorado mesmo pela ciência”.

 

Segundo Duan, a ciência tem se dedicado intensamente ao estudo da pasteurização para minimizar ao máximo possível o impacto sensorial na cerveja. Recentemente, tem havido um grande interesse em trabalhos com alta pressão. Essa técnica, explorada desde os anos 90 em outras indústrias como a de leite, frutas e carnes, envolve submeter a cerveja a pressões extremamente altas, variando de 100 a 1000 megapascal. Embora isso reduza significativamente a atividade dos micro-organismos, ainda há degradação sensorial, e algumas bactérias podem sobreviver à pressão.

Outra abordagem é a pasteurização por campo elétrico pulsado, na qual a cerveja é submetida a um campo elétrico que inativa os micro-organismos, sem impactar tanto o sensorial. No entanto, essa técnica pode ser mais cara devido às suas exigências operacionais e fabris mais complexas.

Um terceiro método é o aquecimento ôhmico, que, embora eficaz, é considerado bastante caro e quase inviável para a indústria de pasteurização de cerveja. Por fim, há o ultrassom, que utiliza ondas sonoras de natureza física com frequências entre 20 e 100 kHz para inativar os micro-organismos. No entanto, o ultrassom pode tornar a cerveja mais turva, representando uma desvantagem sensorial e físico-química.

Embora essas técnicas alternativas estejam em desenvolvimento, a pasteurização térmica ainda é predominante devido à sua eficácia comprovada e menor impacto sensorial.

 

 

👉Ouça também Surra de Lúpulo: Receitas Cervejeiras com Beto Tempel

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🍺 O que bebemos durante o programa? Duan bebe Juicy IPA, da Bellbrook; Lud e Leandro bebem água.

Nana Ottoni

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