No episódio de hoje do seu podcast favorito sobre cervejas artesanais, o Surra de Lúpulo, vamos tentar desvendar os mistérios da fermentação cervejeira e além. Para isso, convidamos a ilustríssima Rozilene Sá, química, mestra cervejeira, sommelière de cervejas e especialista em fermentação há 22 anos na indústria. Ouça o episódio na íntegra:
Deixamos o nosso agradecimento aos Mecenas Empresariais: Cerveja da Casa, Iris Pay, Cervejaria Uçá, Viveiro Van de Bergen, The Beer Agency, Prussia Bier e Passaporte Cervejeiro.
Sobre escolher estudar fermentação cervejeira
Rozi em 5’00’’: Bom, vou começar primeiro agradecendo o convite para estar aqui com vocês. E a minha história com a cerveja é bem engraçada. Eu fui visitar uma cervejaria em 1994. Vi um cervejeiro ali apresentando a cervejaria e falei o que eu preciso fazer para ser mestra cervejeira? Ah, não, vem trabalhar na cervejaria? E aí dali eu já saí incumbida de arrumar um estágio na cervejaria. Isso era um curso técnico. Quando eu entrei na faculdade, foi a primeira coisa que eu fiz. Foi ir atrás de um estágio. Eu deixei uma bolsa de pesquisa na faculdade para fazer estágio naquela época, isso há 22 anos, 2001. E aí eu entrei na cervejaria, fiz todo o fluxo ali, supervisora de produção, gerente de produção e aí depois me tornei especialista do processo de produção, especificamente fermentação. E é por isso que eu estou aqui hoje. Eu sou cervejeira formada pela World Green Academy, que é o curso feito em Chicago e Munique. Sou sommelier de cervejas pelo STB e o que paga os meus boletos de fato é ser especialista em fermentação e cuidar da fermentação das nossas cervejas.
Qual a importância da fermentação não apenas nas bebidas, mas também nos alimentos e até na produção de bioenergia?
Rozi em 07’49’’: Às vezes a gente acha que a fermentação está ligada à fermentação alcoólica, que é produzir cerveja. Mas a fermentação está ligada, no nosso dia a dia, seja na produção de iogurte, produção de alimentos, principalmente lácteos e também na geração de energia renovável, que a gente pode falar, por exemplo, de etanol produzido através de biomassa biogás. Então, a fermentação também está totalmente correlacionada com isso. Uma coisa bem bacana para a gente falar de onde vem a fermentação. A gente tem microorganismos como bactérias, leveduras que vão converter algumas substâncias mais complexas, substâncias orgânicas complexas em simples. Mas de onde surgiu a fermentação? Ela é utilizada pelo ser humano muito antes do que a gente pensa. Vou só dar uma leve associação, bem no início, de forma extremamente empírica. Ou seja, os povos primitivos começaram a perceber que certos alimentos, grãos, frutas, quando expostos ao ar e calor, eles se transformavam e produziam sabores e aromas diferentes. Distintos, né? Ok. A beleza quando a gente leva isso lá pros povos nórdicos, por exemplo, esse processo ele garantia a alimentação durante o inverno, durante os longos períodos de inverno, quando a gente vai pro continente africano, o povo dependia de alimentos fermentados para que a gente tivesse um prazo de validade mais longo e pudesse suportar o período de seca. Então, ou seja, desde a forma empírica até trazer para o nosso dia a dia. O levante que a gente usa para fazer pão. A fermentação está ali, em volta de tudo que a gente consome. Hoje não é só a nossa cervejinha que faz a nossa felicidade. […] A gente pode falar também, dentro da produção de energia, a gente pode falar de biogás, a gente pode falar sobre tratamento de dejetos orgânicos e produzir energia por aí. Etanol produzido a partir de biomassa, ou seja, através de processo experimental ativo.
Rozi explica que a energia produzida pela fermentação é energia com selo verde.
E o que é a fermentação, Rozi? E se puder nos conte como surgiu a fermentação na cerveja.
Rozi em 14’20’’: Primeiro, o que é fermentação? A gente tem ali um microorganismo transformando e aí a gente pode falar levedura, bactérias, transformando produtos orgânicos complexos em simples como né? Geralmente podemos falar de pão e cerveja como as primeiras formas de fermentação. Eles estavam sempre relacionados à produção de pão e cerveja. Os egípcios, por exemplo, faziam pão usando massas experimentadas. A cerveja também era produzida a partir da fermentação de grãos. E como é que foi isso? Imagine que os povos primitivos foram lá, fizeram uma colheita de cevada selvagem. Choveu. Aquele grão de cevada foi transformado, Choveu novamente e a gente teve ali açúcares sendo transformados no nosso líquido precioso. E tomou aquele líquido e saiu, fazendo a festa. Óbvio que se a gente associa isso a um videozinho, a gente vai associar grãos, chuva caindo, grão sendo transformado, depois chuva caindo novamente e a gente tem ali a produção de uma fermentação alcoólica. E assim surgiu a cerveja. Mas quando a gente pega os processos de fermentos ativos, hoje, pensando na utilização de levedura, tudo, a gente pode usar o processo para produção de cerveja, vinho, cachaça, saquê, que é fermentação do arroz, para produção de medicamentos, por exemplo. Penicilina em grande quantidade. A gente tem processos, fermentativos, enzimas, aminoácidos e alguns hormônios e vacinas aí também relacionados a isso.
Migrando um pouco, vamos falar de fermentação na alimentação. Qual a importância da fermentação na produção de alimentos, como pães, queijos, iogurtes etc?
Rozi em 21’51’’: Quando a gente pensa poxa, vou produzir pão em casa, que geralmente a gente pode fazer a partir de um suco, que é uma nada mais do que uma solução de açúcares, um suco de abacaxi ou enfim, farinha de trigo. E você deixa aberto e começa ali a desenvolver uma micropropagação em casa para produzir pão. Óbvio que lá nos primórdios eram usadas massas fermentadas de uma forma totalmente primitiva, não a forma que a gente faz hoje. E aí a gente fica ali cuidando da geladeira e aí, de tempos em tempos, dando o alimento. Pra quê? Porque a partir do momento que ele consome os açúcares que tem ali, você está fornecendo mais açúcares, como a farinha de trigo, né? E a cerveja, pensando na produção de cerveja. A gente começa a partir de uma célula, vai se multiplicando aquela célula, aumenta a quantidade de célula presente que ali a gente já começa a chamar de biomassa. E isso a gente chama de propagação. Eu estou propagando a quantidade de levedura que eu tenho para produzir cerveja, para produzir uma fermentação alcoólica. Beleza. Mas qual é o impacto da fermentação quando a gente vai para queijos e iogurtes, por exemplo, Todos os lácteos como um todo? A gente não tem produção. Isso é muito importante. Eu sempre falo porque quando a gente fala de fermentação, parece que sempre vai produzir gás carbônico e álcool. Não, para os lácteos, aí para toda a família aí do iogurte a gente tem o quê? A gente tem microrganismos que são bactérias do gênero lactobacillus. Quem se lembra de Yakult? Lactobacilos que convertem açúcares como glicose em ácido láctico e não produz gás carbônico e nem álcool. Beleza. Voltando ainda para os alimentos, fermentação acética, a gente tem o quê? Bactérias do gênero acetato backer que vão converter álcool etílico, geralmente produzido de uma fermentação alcoólica, em ácido acético, que é o nosso vinagre. Nossa produção de vinagre é feita dessa forma. E aí a fermentação última, que é a terceira, é a que mais me interessa, que é a que de fato paga os meus boletos; É a fermentação alcoólica. Aqui a gente tem o quê? Tem levedura, Saccharomyces aí principalmente, que vão converter açúcares como glicose, frutose, maltose e uma pequena parcela de maltose em álcool etílico, que é o etanol e gás carbônico. E aí, dentro dessa fermentação, a gente pode falar de três famílias: Ale, Lager e Lambic. É o gênero da cepa que vai definir para qual família a fermentação vai.
Lud fala sobre a Cold Ipa e Rozi complementa dizendo que é feita com fermentação mista.
Voltando para o nosso líquido sagrado, bora falar de fermentação na cerveja?
Rozi em 36’19’’: A gente começa a história da fermentação da cerveja lá com Pasteur, né. Ele de fato conseguiu mostrar que a fermentação não era um processo químico espontâneo. Que a gente tinha microrganismos vivos envolvidos. Seja bactéria, seja levedura e que não era um processo químico espontâneo. E que a partir dali sim, a gente começa a produzir diferentes produtos fermentados. Agora, é na fermentação alcoólica que entra a produção de cerveja. Dentro da fermentação da cerveja, o que é importante? Primeiro, escolher a cepa com a capacidade que a gente quer para nossa cerveja. Então se você quer uma cerveja que tenha um aroma semelhante com o de banana, você tem que pegar o catálogo de cepas e escolher de forma correta. Escolha da cepa. Eu quero uma fermentação acelerada ou mais lenta? Vou produzir uma cerveja que dentro da subdivisão ali é da família das Ale ou da Lager? Eu vou escolher a cepa. E quem faz cerveja em casa? A partir do momento que compra a levedura, cada código de levedura tem a característica daquela levedura e aí a gente escolhe a levedura de acordo com o que queremos na nossa cerveja. Primeiro ponto, a escolha. É o momento mais importante. Escolheu a cepa? Beleza. Como vou cuidar da levedura para fazer minha cerveja? A levedura é igual a gente, tem que estar feliz para trabalhar bem. Se ela não estiver feliz e engajada, o produto final não vai ser um bom produto. Então tem que ter cuidado com temperatura de armazenamento, tempo de armazenamento. Momento de tirar da produção anterior e quanto tempo entre o momento em que recolhe a levedura para o momento em que será reutilizado. É um organismo vivo, um fungo, então tem que cuidar de tempo, temperatura, pressão. Você está tirando o CO2 que a levedura está gerando? A levedura tem que ser a nossa melhor amiga e temos que cuidar bem dela. A estrela da produção cervejeira é a levedura. A estrela da fermentação é a levedura. Dito isso, depois que a gente dosou ela no mosto cervejeiro, os cuidados ainda são os mesmos cuidados durante o processo de cuidado dela. Não pode fornecer oxigênio de menos, não pode fornecer alimentos de menos. Tem que controlar a temperatura, o Ph do mosto… Tudo isso vai ter impacto no produto final.
Obrigada pelo papo maravilhoso, Rozi!
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O que bebemos durante o programa? Rozi bebe Dry Stout, da RuErA; Lud bebe Goat Fish Head, Bock Bier colaborativa com da Narcose com Juan Caloto; Leandro bebe Manet Blond Ale com Goiaba, da Masterpiece.