No episódio 65 do nosso podcast sobre cervejas artesanais, Surra de Lúpulo, você confere os mitos e verdades do milho na cerveja com Priscila Vanz, analista de qualidade, e a sommelier Bia Amorim.

Ludmyla e Leandro lembraram da repercussão que gerou o artigo que Bia escreveu sobre o uso de milho nas cervejas e convidou a sommelier para falar mais sobre o assunto. Bia sugeriu convidar também uma pessoa com mais conhecimento técnico no assunto. Após uma pesquisa, chegamos até o nome de Priscila Vanz.

Confira o artigo de Bia Amorim

Há 15 anos na área de gastronomia e dona do site “Farofa Magazine”, Bia também é organizadora de eventos e professora, participando pela quarta vez do nosso podcast. Priscila é especialista em Gestão de Segurança de Alimentos e atualmente cursa pós-graduação em pós-colheita de grãos e segurança alimentar, atuando na unidade moageira de milho da Cooperativa Agrária Agroindustrial desde 2015, ano em que a indústria foi fundada.

“A gente se sente abraçado ao conversar e trabalhar com o que gosta”.

Uso do milho no Brasil e suas influências

Perguntamos às nossas convidadas sobre a história do milho e quando o grão começou a ser visto como vilão pelos consumidores cervejeiros. Bia conta que uma das inspirações para escrever o artigo foi o livro “O Milho na Alimentação Brasileira”, de Carlos Alberto Dória, que traça uma arqueologia do milho na história da alimentação no Brasil. Bia se questionava em qual momento o grão foi adicionado às cervejas e quando começou a não ser visto com bons olhos. Para ela, não se trata do milho em si, mas do preconceito de algumas pessoas sobre o ingrediente que sempre esteve na nossa alimentação tanto no meio rural quanto em grandes centros urbanos. O avanço da tecnologia, o surgimento do milho transgênico e a forma como isso foi comunicado de maneira equivocada, assustou o grande público com razão.

Retrospectiva de 2020 com Bia Amorim; ouça

“No artigo eu cito a pesquisa da doutoranda em ecologia pela USP, Sílvia Fernanda Mardegan sobre marcas que ultrapassam a permissão de 45% do uso de cereais não maltados. Isso colaborou para que as pessoas perdessem a confiança no ingrediente usado dando início à polêmica”.

Popularização do uso do milho

Leandro comentou sobre a influência da indústria americana no consumo do milho, popularizando o grão no Brasil, hoje usado em preparações doces e salgadas. Priscila conta que o milho faz parte da nossa alimentação de forma milenar, assim como o trigo. Para ela, a questão dos transgênicos trouxe um preconceito maior, mas explica que a nossa indústria trabalha com o milho convencional, separando o transgênico. Isso requer um investimento altíssimo para garantir as exigências da legislação. Também existe a questão dos pesticidas que, numa escala de produção muito grande, pode causar um efeito acumulativo no organismo, sendo necessário um rígido controle para entregar ao cliente um milho seguro. Outro processo que se aprimorou muito é a degerminação, a separação da parte mais oleosa do grão que acaba alterando o sabor da bebida.

Derrocada da utilização do milho

Bia conta que começou a trabalhar numa indústria nova com equipamentos de última geração e por isso não sentiu essa dificuldade, mas é notável o preconceito sobre a quantidade de óleo presente no milho e o quanto isso influencia na cerveja, não só no gosto, mas também na turvação e quantidade de espuma. Para ela, após o ano 2000 esse processo tecnológico melhorou muito incentivando a agrária a criar uma unidade de negócio própria para atender as cervejarias.

Lud comentou sobre o percentual de adjunto na cerveja permitido pela legislação. O uso do milho no lugar do malte barateou a produção, mas o limite permitido estava sendo ultrapassado. Recentemente, tivemos uma alteração na normativa em julho de 2019, mas esse quesito se manteve igual. Priscila explica que pela legislação é permitido até 45% do adjunto. A principal alteração foi que anteriormente você podia colocar “cereais não maltados” no rótulo e agora é preciso colocar o nome específico do adjunto usado. Para Bia, o preconceito com o uso do milho é muitas vezes uma questão de “ostentação” visto que a maioria das pessoas nem tem esse embasamento para opinar:

“Olha o quanto a Priscila está falando sobre tecnologia do milho. O leigo consome o bolo de fubá, mas não admite o grão na cerveja. Não faz o menor sentido”.

Puro Malte

Leandro destaca o papel da publicidade que cria degraus de qualidade para provocar diferenciação na gôndola e facilitar a tomada de decisão. Lud observa que quando as grandes cervejarias são “pegas no pulo” usando mais milho do que deveriam, acabam criando uma estratégia de marketing trazendo o advento do puro malte. A maioria dos cervejeiros que já passaram pelo “Surra” contam que se aborrecem quando veem uma cerveja artesanal com “puro malte” no rótulo só pra ocupar mais espaço na gôndola.

Sobre a definição de “puro malte”, Bia explica que ao invés do uso de milho, trigo ou centeio, é usado 100% de cevada. Para a sommelier, o que realmente importa é o gosto de cada um.

“Se é do seu gosto, tá tudo bem. A gente precisa parar de criar problemas. Se quiser melhorar alguma coisa, fale com os governantes para melhorar a questão burocrática, política e tributária”.

Priscila explica que o milho é um adjunto neutro, e quanto mais é adicionado à mistura, menos malte ela terá, perdendo alguns atributos sensoriais. Também há uma alteração na cor da cerveja já que o milho tem uma cor mais fraca.

“Uma cervejaria experimental fez alguns testes com diferentes porcentagens de milho nas bebidas. As diferenças observadas são de cor, corpo e viscosidade, mas com pouca alteração do sabor”.

Priscila também fala sobre a produção de malte, insuficiente caso todas as cervejas usassem apenas ele. Mesmo importando, a quantidade não seria suficiente o que torna as outras opções inevitáveis.

Cervejas que tem milho e ninguém sabe

Pra fechar nosso papo, comentamos sobre algumas cervejarias com rótulos que levam milho em suas composições mas não são notadas como a “Rodenbach”, a “Avós”, a “Wals” e mais recentemente a “Devaneio do Velhaco”. Bia acha que a qualidade da cerveja no copo é que fala mais alto.

“Não se deve elitizar a cerveja. É um produto para todo mundo”.

Para acompanhar nosso papo, Lud tomou uma Jagged Edge da “Brewdog”, Leandro uma Coffmaru da “UX Brew”, Bia bebeu uma pilsen com café da “Louvada” e Priscila uma pilsen da “Metzgerbier”.

Surra de Lúpulo

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