No programa de hoje, vamos falar de orgulho verde e amarelo, o assunto é leveduras brasileiras. Para fermentar o papo da melhor forma possível, convidamos Luciana Brandão, do Laboratório da Cerveja, e Ana Carolina, mais conhecida como Carola Carvalho, do Space Beer Project, para nos explicar isso e muito mais. Ouça o episódio na íntegra!


 

✨ Deixamos o nosso agradecimento aos Mecenas Empresariais: Cerveja da CasaIris PayCervejaria UçáViveiro Van de Bergen, The Beer Agency, Prussia Bier e Passaporte Cervejeiro.

 

Vamos falar de leveduras brasileiras?

 

O melhor jeito de começarmos esse papo são essas duas poderosas, se apresentarem para os nossos ouvintes! 

 

Selfie de Luciana com Carola
Foto: Arquivo Pessoal; Laboratório da Cerveja

Carola em 07’45’’: Eu sou a Carola Carvalho, eu trabalho com levedura já faz um tempo. Fiz doutorado e mestrado, e fiz a ordem inversa, isso é uma longa questão, mas é possível de se fazer. Quase buguei com o sistema da USP, mas deu certo. Hoje em dia eu to fazendo meu pós-doc, é uma confusão acadêmica que não vem ao caso. E eu isolo essas leveduras de abelhas nativas em organismos extremófilos, não somente pra gente aplicar na biotecnologia, caso tenha algum gene que a gente possa aplicar. E dentro desses lugares que eu isolo os microrganismos, têm os meles das abelhas nativas, eles fermentam naturalmente. A gente consegue isolar e entender um pouco como funciona toda essa biodiversidade que vive nos meles. E nisso estudar leveduras interessantes, extremófilos. E por que estudar isso? não somente pra gente aplicar na biotecnologia, mas para estudar a sobrevivência da vida no universo, adaptar nossa vida para fora. Nos próximos anos, vamos começar a explorar o universo e precisamos levar toda a nossa bagagem terrestre para os outros planetas. Elon Musk, me nota! Vamos produzir cerveja em Marte. E eu também fui diretora científica do projeto Manipueira.

 

Luciana em 12’22’’: Eu também comecei a minha vida trabalhando com leveduras, sou biológica né, e sempre trabalhei com microbiologia. Sempre trabalhei com leveduras e bactérias e etc. E foi em 2012 que entrei no laboratório e segui uma vida acadêmica certinha durante bastante tempo. Já trabalhei com muitas leveduras, taxidermia de leveduras, biodiversidade de leveduras. Já trabalhei com leveduras da Antártica, da Patagônia e todas essas leveduras não só para estudar a biodiversidade brasileira, mas para aplicação biotecnológica. Em 2016, eu e minha sócia, tivemos oportunidade de fazer pós-doc juntas e a gente se juntou e pensou no boom de cervejas artesanais que estava rolando, principalmente em Minas. E aí sugerimos que dentro da universidade criemos um projeto de inserção, fazendo um produto mínimo viável que poderia dar pra trabalhar. E aí no final de 2018, abrimos o laboratório e aí foi o ano da pandemia. Mas mesmo assim, conseguimos crescer e ficar mais conhecidas no meio. Então eu saí da veia acadêmica, ainda sou professora universitária, mas eu saí um pouco dessa veia acadêmica para empreender. É claro que a veia acadêmica não sai do laboratório da cerveja, porque a gente precisa dessa ponte entre academia e mercado. 

 

Luciana, fala pra gente sobre a Star Brasilis

 

Star Brasilis em fermentação
Foto: Arquivo Pessoal; Laboratório da Cerveja

Luciana em 17’04’’: A Star Brasilis foi uma agulha num palheiro, porque além de tudo ela é mineira, da nossa terrinha. A Star Brasilis é o nome comercial, mas o nome da espécie é Starmerella meliponinorum. Ela foi descoberta lá atrás, naquele laboratório que eu trabalhei. E aí descobriram essa espécie nova, que foram encontradas em associação às abelhas da tribo Meliponini. Então ela faz parte da nutrição da abelha, e tem o processo de polinização. E aí ela foi descrita em 2013 e está guardadinha para estudo de biodiversidade. Em 2014, novas coletas foram encontradas porque as abelhas visitam diversas flores. E aí, nessa coleta para descrever novas espécies, foram encontradas essas espécies aí. E aí, em 2018, alguns alunos começaram a trabalhar com cerveja no laboratório, e eles começaram a trabalhar com a biodiversidade brasileira. E aí agora a gente tinha um trabalho de leveduras não Saccharomyces nas universidades brasileiras. E aí pegaram essas leveduras e fizeram diversos testes laboratoriais. E quanto mais testes, mais você vai descartando leveduras. Chegou-se em 4 linhagens, sendo duas Starmerellas e duas Torulapo. E aí entra o laboratório da cerveja! A gente sempre esteve muito junto deste trabalho como orientadoras, trabalhando com os estudantes. E aí vimos a possibilidade de levar essa levedura pro mercado de alguma forma. E aí assinamos com a UFMG um contrato de transferência de tecnologia para que a gente possa utilizar essas leveduras da biodiversidade brasileira e fazer testes. E com o contrato assinado, podíamos trabalhar em uma escala maior. Uma coisa é sair dos 30 litros e fazer 1000 e 20 mil litros, e aí conversamos com o Fernando da Prússia Bier, e ele encarou esse desafio. E aí nós planejamos a receita – que não deu certo de cara. Fiz mais testes, não fermentou e eu e a Bia não dormimos. Mas gente, a levedura foi e fermentou lindamente e tivemos a maravilha que foi a Wilde.

 

Carola complementa que o trabalho foi excelente e que a levedura Starmerella abre um leque sensorial totalmente novo.

 

Carola, agora queremos saber do projeto Manipueira. Quais conclusões iniciais podemos tirar desse grande experimento?

 

Carola assinando barril do projeto Manipueira
Foto: Arquivo Pessoal; @spacebeer-project

Carola em 27’28’’: O projeto Manipueira englobou diversas cervejarias do brasil inteiro, de todos os biomas nacionais, e quando começou o projeto eu conversei com Diego, Bia e Alan, na época, e falei “po, vai ter muita gente fermentando, por que a gente não isola a levedura?”. Então a ideia foi assim, bora isolar as leveduras dessas cervejarias, não vamos só produzir cerveja, vamos produzir ciência! E aí não era obrigatório, lógico, mas aí começamos a registrar o momento em que a levedura foi coletada, o momento em que foi refrigerada, etc. A gente sabe que muitos tiveram vontade de participar, mas a gente sabe que o dia a dia da cervejaria é muito corrido. Mas a ideia no início era isolar as leveduras dos diversos biomas brasileiros participando do projeto dos que estavam participando. E aí tivemos ajuda de uma startup brasileira, By My Steal, que eles resolveram ajudar a gente de forma metagenômica. Ou seja, entender todo o material genético de cada amostra. Para entender todos os microrganismos que estavam ali. Óbvio que era um procedimento caro, então fechamos um pacote em que eles fariam de forma gratuita pra gente de 3 cervejarias, de 3 biomas. Aí tivemos CozaLinda, Uçá e Instituto Federal. Cada um enviou 6, 7 amostras. Já são quase 21 amostras de cerveja e eles fizeram essa parte de sequenciamento e conseguimos entender um pouco a dinâmica populacional desses microrganismos.  Isso nos diz quem são os organismos que começam a fazer as primeiras fermentações e quais estão no final, consumindo um açúcar mais complexo. Basicamente você tem alguns organismos que são encontrados em abundância na natureza em processo fermentativo. E aí vem a beleza, essa levedura ela começa a produzir álcool porque o álcool começa a matar os outros organismos e você vê todos aqueles bichos estranhos e esses bichos estranhos vão morrer. E a levedura começa também a produzir açúcar. Foi assim que foi feita a cerveja há milhões de anos e é assim que continuamos produzindo cerveja selvagem. É tudo no seu tempo. E o resultado foi muito interessante. Conseguimos identificar os organismos que sempre estiveram dentro desse processo, e na Uçá, tivemos o maior número de leveduras. Acredito que por conta do clima. Isso influenciou no sabor da cerveja. Agora que sabemos quem eram os players em cada momento e período de fermentação, agora começamos a isolar os microrganismos. E acredito que a Luciana sabe o quão trabalhoso é fazer esse processo de isolamento. E depois é o processo de identificar os organismos, o que eles são capazes de fazer. 

 

Existe uma pretensão do Brasil ser um “exportador” das leveduras e microrganismos descobertos por aqui? Esse é um mercado promissor na opinião de vocês?

 

Foto de levedura em microscopio
Foto: Arquivo Pessoal; @spacebeer-project

Luciana em 42’04’’: Olha, vou te falar uma coisa. Até comentei isso mais cedo com a Carola. A gente está sendo observado, você pode ter certeza disso. O pessoal tem observado o boom de leveduras brasileiras. E o mercado da cerveja brasileira é muito bom. Mas é legal explorar os nichos do mercado né. Agora, exportar levedura, nós, empresa Laboratório da Cerveja, exportar, a gente não tá pensando nisso. Mas nada impede né, é conhecido que a gente tem uma biodiversidade gigante aqui, mas tem toda questão burocrática. Existe biopirataria, mas não podemos fazer isso, é uma etapa de cada vez. Mas sim, estamos sendo notados. O bioma brasileiro é enorme.

 

Carola em 44’18’’: O mundo olha pra cá e pensa “quero aquela levedura, é brasileira”.

 

Seria possível falarmos das características mais marcantes das leveduras e microrganismos nativos no nosso país? E o que isso fala sobre o nosso terroir?

 

Luciana em 50’22”: Quando a gente trata de microorganismos que estamos descobrindo, já esperamos algumas características. Agora, em se tratando da Star Brasilis foi um achado porque as características sensoriais foi diferente, sentimos abacaxi muito maduro, frutas brancas, uva, pêra. E esse abacaxi madura nunca senti em nenhuma outra levedura. E outra coisa, gente, tudo vai variar da fonte de nutriente que você está entregando para essa levedura. São muitas variáveis que existem no processo de criação de cerveja. Relação entre compostos de carbono e nitrogênio dentro do mosto cervejeiro. É impossível estudar todas as rotas metabólicas que tem em casa composto… Então pode variar. E temos que lembrar que o sensorial para cada um é diferente. Isso também é muito relativo.

 

Que papo incrível, meus amigos! Até a próxima!

 

✨Leia também: Surra de Lúpulo #176: Nitrogênio na Cerveja com Estevão Chittó

✨O que bebemos durante o programa? Luciana bebe Ale com levedura Star Brasilis; Carola bebe água; Lud bebe Witbier, da cervejaria Leopoldina; Bulkool bebe Ipa, da Patagônia.

Nana Ottoni

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