Se existe uma cervejaria que sintetiza a cultura de pubs britânicos, a tradição das cask ales e o espírito resiliente de uma empresa familiar, essa é a Fuller’s Brewery. No 10º episódio da série “Cada Cerveja, uma História”, Ludmyla Almeida, Henrique Boaventura e Gabriel Gurian nos conduzem por uma jornada saborosa e bastante informativa pelas origens, transformações e singularidades dessa gigante da tradição inglesa.
MAS ANTES, CONHEÇA E APOIE OS NOSSOS MECENAS EMPRESARIAIS:
🍻 Prussia Bier – O bom filho à casa torna! A Prussia voltou a apoiar o Surra com suas criações ousadas e um clube cheio de experiências com leveduras raras. E, assim, tem mimo: na sua primeira compra acima de R$99, use o cupom SURRA e ganhe 3 cervejas grátis (duas delas premiadas!). Corre lá no site!
🍺 Cervejaria Stannis – Essa grande parceira oferece desconto para os nossos ouvintes! Use o cupom SDL12 no site deles e ganhe 12% OFF. As melhores cervejas você encontra aqui.
Das raízes em Chiswick à fundação oficial
Antes de se tornar a respeitada Fuller’s Smith & Turner, a história começa em Chiswick, Londres, em 1816, com a fundação da Griffin Brewery pelos irmãos Douglas e Henry Thompson. Apesar de aquela localização contar com antecedentes cervejeiros desde o século XVII, os marcos dessa história começam mesmo no século XIX.
Ali, os irmãos não se destacaram nem na produção nem na gestão do negócio, e acabaram com problemas financeiros. Até que, em 1829, recorreram a um rico investidor: John Fuller, que apostou no negócio em nome de seu filho, tornando-se sócio majoritário da Griffin Brewery.
Nos anos seguintes, a sociedade foi se desmanchando, e os Thompson abandonaram o negócio, deixando tudo na mão de Fuller. Mas havia um problema: ele também não sabia nada sobre cerveja.
Com a morte dele em 1839, John Bird Fuller, seu filho, em cujo nome havia feito investimentos, assumiu a cervejaria, encerrou de vez o vínculo com os Thompson e, para remediar a falta de domínio do negócio e da produção, trouxe dois outros sócios com disposição para investir e expertise: Harry Smith, cervejeiro de carreira, e John Turner, cunhado daquele. Nascia, assim, em 1845, a Fuller, Smith & Turner.
- Diferença importante: a Fuller, Smith & Turner é a companhia detentora, enquanto a Griffin é a cervejaria em si. O local, ainda que associado à marca, permanece com esse nome até hoje.
Mais do que uma cervejaria: pubs e hospitalidade como modelo de negócio
A Fuller’s nunca foi apenas uma cervejaria, já que, desde os tempos dos Thompson, investiu na gestão de pubs. Dominar diferentes etapas da cadeia cervejeira, da produção à distribuição, e focando em hospitalidade, a FST consolidou um modelo de negócio verticalizado e resiliente.
Na década de 1870, com George Pargiter Fuller, filho de John Bird, a Fuller’s já tinha uma reputação consolidada por suas cervejas na cidade de Londres e na região sul da Inglaterra, graças à própria rede de pontos de venda. Algumas décadas depois, no final do século XIX, a Fuller’s se expandiu mais ainda através dos seus estabelecimentos, indo além de pubs e restaurantes, incluindo hotéis e estalagens (as chamadas inns), enquanto mantinha uma produção cervejeira de respeito.
Graças a essa movimentação durante tanto tempo, mesmo permanecendo uma cervejaria relativamente pequena, a Fuller’s sedimentou sua reputação no mercado britânico, antes de adentrar o século XX, no qual seguiu a mesma cartilha. Foi um negócio com várias frentes, cuja produção cervejeira era apenas uma delas.
Ainda hoje, essa vertente de hospitalidade britânica se mantém, com mais de 300 estabelecimentos entre pubs, hotéis e inns sob sua gestão!
A magia da cask ale e o serviço à moda antiga
A cask ale é um dos grandes símbolos da Fuller’s. Servida com a tradicional beer engine – um tipo de torneira diferente, que tem o mesmo princípio de uma bomba d’água, o de puxar a cerveja e servir ela através de um pescoço de ganso que geralmente tem na ponta um difusor que faz com que se faça um serviço único –, essa cerveja não filtrada e não pasteurizada termina sua fermentação no próprio pub. O resultado, assim, é uma bebida viva, de baixa carbonatação e sabor fresco.
Aliás, a Fuller’s é uma das grandes vencedoras da CAMRA (The Campaign for Real Ale), lançada em 1971, que valida a qualidade e o respeito às tradições das cask ales. Validação essa que ajudou a impulsionar a crescente demanda dos consumidores por cervejas regionais e mais tradicionais, como as produzidas pela Fuller’s.
Nesse embalo, a Fuller’s também participou do movimento de modernização da produção inglesa nos anos 1970, lançando uma nova fábrica em 1981, totalmente pautada pelo sucesso dos seus rótulos recém-consagrados.
Parti-gyle: quando ciência encontra tradição
Poucas cervejarias mantêm viva a técnica britânica chamada Parti-gyle, usada pela Fuller’s para produzir diferentes rótulos a partir da mesma base de mosto. A mistura de mostos com diferentes densidades permite criar cervejas como a London Pride, ESB e Golden Pride, variando apenas proporções e amargor.
“O entendimento de que cada mosto gera uma cerveja é errado. Pelo menos no caso da Fuller’s”, diz Henrique.
Assim, esse processo é um exemplo claro de como tradição e técnica se fundem para criar uma linha consistente de cervejas artesanais britânicas com identidade.
Resiliência da FST e a ascensão da London Pride
Em 1989, o Reino Unido ratificou as Beer Orders, um conjunto legislativo contrário ao monopólio de grandes marcas que, entre outras coisas, estabeleceu um limite para o número de pubs (na casa dos 2000) que uma única cervejaria tinha o direito de possuir. Assim, essa legislação provocou uma reestruturação no setor, enfraquecendo um domínio de longa data de seletas cervejarias no cenário de pubs britânicos. Muitas delas abriram mão de pontos, e um grande número de estabelecimentos ficou vago no mercado.
Ao mesmo tempo, várias empresas cervejeiras optaram por sair do ramo de produção e concentrar suas operações nos estabelecimentos de hospitalidade, sobretudo em pubs e hotéis. Foi o caso de duas gigantes do Reino Unido, a Bass e a Whitbread, que venderam suas operações cervejeiras para a belga Interbrew – antes da fusão dela com a Ambev –, na virada do século XX para o XXI.
Diante disso, o segmento cervejeiro regional sofreu grandes pressões para crescer, se consolidar e suportar aquelas mudanças. Muitas cervejarias ficaram pelo caminho, mas a Fuller, Smith & Turner – que, nos anos 1990, era considerada uma das maiores cervejarias regionais independentes – conseguiu preservar sua autonomia graças ao controle contínuo das famílias fundadoras de mais de 60% das ações da empresa. Além disso, ela também não excedia o limite dos milhares de pubs restritos pela lei.
Desse momento de transformações no mercado, veio um robusto investimento publicitário na London Pride, o carro-chefe da marca.
O que quer que faça, orgulhe-se (ou tome uma Pride 😂).
De empresa familiar aos braços de um conglomerado: a venda para a Asahi
Em 2019, o braço cervejeiro da Fuller, Smith & Turner, a Fuller’s Beer Company, foi vendido para o grupo japonês Asahi, que também é e já era dono de outras grandes marcas, como a Pilsner Urquell. Isso marcou o fim de uma trajetória histórica, da última cervejaria de propriedade familiar em Londres.
Apesar disso, a produção cervejeira segue na Griffin Brewery, e os rótulos continuam sendo distribuídos nos pubs, hotéis e estalagens da marca, que não pertencem à Asahi.
A mudança gerou muitas críticas no Reino Unido, mas, na prática, a identidade visual, os processos e o estilo das cervejas seguem preservados.
Portfólio atual: tradição engarrafada
Com distribuição em mais de 80 países, a Fuller’s segue como referência em cervejas inglesas. Entre seus rótulos mais famosos estão:
- London Pride – Best Bitter símbolo da marca
- ESB – Cerveja que deu nome ao estilo Extra Special Bitter
- Fuller’s 1845 – Strong Ale comemorativa
- Honey Dew – Golden Ale com mel
- Vintage Ale – Barleywine sazonal de receita anual
- Past Masters – Série que recria receitas históricas da cervejaria
Conclusão: tradição que resiste ao tempo
A história da Fuller’s é a exemplar da história da própria cerveja inglesa desde o século XIX: feita de tradição, pubs, cask ales e uma boa dose de resiliência. Mesmo diante de pressões do mercado e da globalização, a marca segue viva e influente. Não apenas por suas cervejas, mas pelo que representa no coração do Reino Unido.
No mundo das artesanais, poucas são tão icônicas quanto a Fuller’s. E como diz seu slogan: Whatever you do, take pride! 🍻