No 11º episódio da série Cada Cerveja, Uma História, Ludmyla Almeida, Henrique Boaventura e Gabriel Gurian mergulham na trajetória da Cervejaria Polar, símbolo regional do Rio Grande do Sul e protagonista de uma história muito particular na indústria cervejeira nacional.

Cerveja que nasceu na cidade de Estrela, floresceu com identidade própria e foi absorvida pelo gigante da consolidação cervejeira brasileira — mas que ainda se liga a muitos na cidade que a viu nascer.

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Um começo bairrista no Vale do Taquari

A história da Polar começa em 1912, em Estrela-RS, com a fundação da Sociedade em Comandita Júlio Diehl & Cia. Mais que fazer cerveja “de ofício”, a empresa atuava em diversos setores: de armazém de secos e molhados a refinaria de banha. A produção cervejeira era apenas um dos braços do negócio, que detinha algumas marcas, como Aurora, Bock Bier e Cometa.

Estrela-Rs

Essa diversidade talvez tenha sido seu calcanhar de Aquiles enquanto business. Como diz Gabriel, era “pouca manteiga em muito pão”. Assim, em 1919, a sociedade mudou de mãos e se tornou Kortz, Dexheimer & Cia, até ser adquirida em 1922 por Luiz Ignácio Müssnich, que renomeou a empresa como Cervejaria Estrela S.A. em 1927, em homenagem à cidade de origem.

Após a morte de Müssnich em 1935, a gestão passou à sua esposa Amália e às suas filhas. Sob a alcunha de Fábrica de Cerveja – e depois Cervejaria Estrela – Viúva Luiz I. Müssnich, elas mantiveram viva a tradição cervejeira, num exemplar momento de liderança feminina em um mercado dominado por homens. Apesar de se ter permitido que viúvas assumissem os negócios dos maridos desde o primeiro Código Comercial do Império, de 1850, esse protagonismo continuava sendo exceção, especialmente no mundo da cerveja.

Cervejaria Estrella - cervejaria Polar

A virada em 1945: nasce a Cervejaria Polar

O ponto de inflexão para a empresa ocorreu em 1945, quando um grupo de empresários de Santa Cruz do Sul, liderados pelo belga Jean Hanquet, comprou a Cervejaria Estrela e a rebatizou como Cervejaria Polar S.A. Indústria, Comércio e Agricultura. Com nova injeção de capital, a Polar se estruturou e cresceu, transformando-se em peça-chave da economia estrelense.

Casco escuro - cervejaria polar

Se em 1945, ela produzia 609,2 mil garrafas por ano, em 1948, esse número chegou a 1 milhão e 100 mil garrafas. E em 1962, no seu cinquentenário, era coisa de quase 13 milhões. Também contava com uma maltaria própria em Guaporé — uma associação entre duas partes distintas na cadeia de produção que é raridade até hoje.

Casco Escuro: marketing e tecnologia

Um dos marcos da empresa foi ajudar na popularização da “cerveja de casco escuro”, nome derivado das garrafas âmbar que protegiam o líquido da foto-oxidação — a reação provocada pela incidência de luz em compostos do lúpulo, que gera o temido cheiro de gambá. Embora já existissem registros anteriores de uso dessas garrafas (inclusive pela Brahma), a Polar abraçou o conceito como bandeira publicitária nos anos 1960: “Polar criou, a nação inteira consagrou”.

De produto local a marca nacional

Crescendo no estado gaúcho e despontando com vários rótulos na década de 1960, a Polar S/A finalmente se tornou Cervejaria Polar S/A em 1969.

Num dos carnavais daquela década, em 1966, comemorando 90 anos da cidade de Estrela, um dos carros alegóricos, que homenageava a cervejaria, vinha com a mensagem: “A maior contribuição da indústria de Estrela para a nação”. Tamanha era a sua importância. 2 anos depois, em 1968, a Polar era responsável por 60% dos impostos de Estrela.

Carnaval - cervejaria Polar

No quesito inovação, enquanto expandia, a Polar também inovou com a criação da Polar Export, uma garrafa não retornável, pensada para ampliar a distribuição para outros estados. A embalagem era vendida como reutilizável, em linha com ideias sustentáveis que ecoariam décadas depois. E, com ela, a cervejaria passou a ter filiais em São Paulo e chegou até o Ceará e o Maranhão.

O sucesso da cervejaria foi tanto que, em 1970, ela abriu seu capital por meio do Banco Industrial de Investimentos do Sul. A partir daí, ficou “irresistível”.

Cerveja Polar - Surra de Lúpulo

A fusão com a Antarctica e a chegada da Ambev

Assim, em 1972, a Cervejaria Polar foi comprada pela Antarctica Paulista. A operação gaúcha foi absorvida rapidamente e, apesar de continuar fabricando seus próprios produtos, a cervejaria estrelense passou a produzir também itens do portfólio da Antarctica. Isso gerou expansão: novas plantas em Caxias, Montenegro e Porto Alegre, e investimentos pesados para dobrar a capacidade produtiva em algumas unidades.

Mas como em toda grande fusão, vieram perdas

A queda: fim da produção em Estrela

Com a criação da Ambev em 1999 e, posteriormente, da AB InBev em 2004, a Polar foi cada vez mais relegada a um segundo plano. Houve um processo gradual de esvaziamento da operação da Polar, com demissões em massa a partir de 2001. Já em 2006, eles desativaram oficialmente a fábrica original de Estrela, marcando o fim de uma era. Uma mobilização popular até tentou barrar esse movimento com o slogan “Polar, Estrela é teu lar”, mas o processo era irreversível.

A Polar hoje: identidade sem origem?

Hoje, a marca continua viva — ainda sob o portfólio da Ambev —, mas sem produzir em sua cidade natal. Sua comunicação tenta manter o vínculo com a identidade gaúcha: as cores da bandeira do estado, os slogans bairristas e o apelo “é boa porque é daqui”. Mas como bem colocou Henrique Boaventura, essa ligação parece mais narrativa do que realidade. Polar ainda existe, mas já não é mais a mesma.

Cervejaria Polar 2025

A infraestrutura em Estrela atualmente é utilizada pelo poder público, que a adquiriu e também tombou o complexo. Fala-se há alguns anos na criação de um arquivo histórico e de um museu, mas, ao que parece, essas iniciativas ainda não saíram do papel. No entanto, um memorial da cidade foi inaugurado em 2021, no prédio popularmente conhecido como Castelinho; a instituição é engajada na preservação da história da cervejaria enquanto parte integral da trajetória no município, e contou por anos com a coordenação de Airton Engster dos Santos, um grande divulgador dessa mesma história!

Portfólio: da Viva à Puro Malte Gaúcho

Ao longo da história, a Polar produziu rótulos como:

  • Cerveja Viva – clara, barata e popular
  • Estrela Tipo Pilsen – o carro-chefe
  • Iris e Combate – cervejas escuras tipo Bock
  • Cerveja das Senhoras – possivelmente uma Malzbier
  • Polar Chopp (em barril ou garrafa)
  • Casco Escuro
  • Malzbier

Hoje, sob o guarda-chuva da Ambev, temos:

  • Polar Exportlager clara padrão da marca
  • Puro Malte Gaúcho – outra lager, com marketing que exalta a cevada gaúcha utilizada em sua produção
Portfólio Polar
Portfólio histórico da Polar, compilado no perfil do Facebook da marca, 2012.

Conclusão: A cervejaria que se confundiu com sua cidade

A história da Polar se confunde com a história de Estrela. O que começou como uma pequena fábrica no interior do Rio Grande do Sul virou orgulho local, símbolo cultural e força econômica regional. Mas também é um exemplo emblemático de como o processo de consolidação de uma indústria no país pode engolir identidades e concorrentes locais em nome da escala e da eficiência.

Talvez a Polar de hoje seja apenas uma sombra do que já foi. Contudo, a lembrança da cerveja que ajudou a construir uma cidade permanece viva — em arquivos, em memórias e, felizmente, em iniciativas que buscam honrar esse passado. 🍻

Gabriel Gurian

Historiador, com Mestrado e Doutorado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), meus estudos são pautados por bebidas e bebedores na história do Brasil, em diferentes períodos. Atualmente integro o projeto Comer História, desenvolvo pesquisa pós-doutoral na Universidade de São Paulo (USP), com foco no nascimento da cultura cervejeira brasileira no século XIX, e colaboro com o Surra de Lúpulo.

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