No programa de hoje do Surra de Lúpulo, mergulhamos no seguinte tema: Como devemos nomear a cerveja artesanal independente? Será que ter uma nomenclatura específica é realmente importante? Para nos ajudar a desvendar esse enigma filosófico etílico, convidamos dois dos nossos participantes mais recorrentes e experientes: Bia Amorim, que já esteve conosco em 4 episódios do Surra, e Henrique Boaventura, com impressionantes 7 participações.
Ouça na íntegra:
Temos o prazer de informar que este programa é oferecido pelo nosso Mecenas Empresarial, Cervejaria Uçá. Ficou curioso para beber essa cerveja direto de Sergipe? Não passe vontade, compre pelo site! Entrega em todo Brasil.
Cerveja Artesanal independente e nomenclatura
Este programa é menos sobre perguntas e mais sobre um debate dinâmico. Para orientar nossa discussão, criamos alguns tópicos-chave. Antes de começarmos, vale a pena definir o que é NOMENCLATURA: trata-se do conjunto de nomes e designações utilizados em uma área específica do conhecimento.
1. Na opinião de vocês, como deveríamos chamar as cervejas que não são mainstream?
“No fundo, nenhuma dessas questões trata sobre qualidade, né? Então, não é uma chancela, porque eu acho que, a depender da forma como a gente tratar, confunde o consumidor. Assim como a conotação cerveja premium, que é uma questão de quanto ela custa na gôndola, confunde o consumidor.” – Bia Amorim
Bia argumenta que é importante nomear cervejarias menores, mas questiona o uso do termo “menores”. Ela sugere que a nomenclatura pode seguir um modelo econômico, como limite de faturamento e número de funcionários. Bia observa que chamamos de “cerveja artesanal” e depois “craft” à medida que crescem. Ela destaca que a necessidade de uma nomenclatura pode estar ligada à criação de políticas e apoio a pequenos empresários no mercado. Para ela, debater o uso da nomenclatura é crucial para entender seu propósito.
Bia também explica que termos como “cervejaria micro-regional” e “cervejaria regional” são usados, por exemplo, no anuário do MAPA, para descrever o volume de produção e a área de venda. Micro-regionais vendem até 100 km de onde estão instaladas e regionais até 500 km. Ela menciona também termos como nanocervejaria, microcervejaria e brewpub. Bia questiona se faz diferença chamar de “independente”, “cervejaria boutique” ou “cervejaria rural”, refletindo sobre a adequação dos diferentes termos.
Henrique diz que, no fim das contas, cerveja é apenas um líquido delicioso e importante para muitas evoluções tecnológicas. Ele concorda com Bia que é problemático usar os mesmos termos para diferentes abordagens comerciais e de marketing. Ele também observa que os termos como cerveja especial, artesanal, craft e independente são usados para se diferenciar no mercado, mas questiona se há realmente algo de especial nessas designações. Ele critica, por exemplo, uma cervejaria que chama uma Pilsen de especial sem justificar o porquê. Para Henrique, faz mais sentido diferenciar cervejas com base em fatores como a proporção de impostos.
“As pessoas querem tomar uma cerveja ou uma cerveja premium? As pessoas querem tomar uma cerveja ou elas querem tomar um puro malte? Então, se a gente tá falando de nomenclatura, né, é só, tipo, por que que a gente tá querendo botar nome nas coisas. Eu acho que só é fundamentado um pensamento que faz sentido em questões políticas, porque eu concordo com o Henrique, que na gôndola é tudo cerveja. A partir dali, são as questões de gosto, questões econômicas e afins e marketing.” – Bia Amorim
Leandro mostra sua indecisão sobre a nomenclatura no marketing de cervejas. Ele observa que usar termos como artesanal, premium e gourmet serve para agregar valor e justificar preços mais altos, simplificando o discurso para o consumidor. No entanto, internamente, essas designações podem levar a debates acadêmicos, tributários e legais. Ele concorda com Henrique que, no final das contas, todas são cervejas, mesmo que de estilos diferentes. Leandro também destaca a importância de avaliar a fábrica e a produtora, considerando aspectos como a quantidade produzida, a cadeia de produção e a política de proteção e incentivo.
2. Padronizar esse nome (conceito) importa? E importa para quem?
Henrique Boaventura acredita que as cervejas poderiam ter nomes diferentes para fins de marketing, destacando que são produzidas por pessoas locais, o que agrega valor ao produto. Ele menciona o exemplo da Alemanha, onde existe um orgulho em consumir cervejas locais, sugerindo que essa conexão com a cervejaria é importante. Henrique propõe mudar a forma como as cervejas são apresentadas no mercado, diferenciando claramente as grandes cervejarias das independentes. Ele ressalta a necessidade de uma diferenciação simples entre o mercado de massa e o não-massivo, criticando a confusão gerada pelos muitos termos atuais como especial, artesanal e independente.
“Eu acho que tem que padronizar para a gente poder ter a referência, né? Principalmente a gente que escreve, que fala sobre o mercado, que está sempre debatendo, né? Muito nesses lugares de debater o mercado. Se a gente tem uma padronização, acho que daí todo mundo fala a mesma língua” – Bia Amorim
Lud destaca que a importância da nomenclatura é principalmente para os empreendedores. Ela menciona que, dependendo da produção, a nomenclatura pode influenciar a quantidade de impostos a pagar e os benefícios a receber. Lud compara isso aos regimes tributários, como simples, lucro real e lucro presumido, ressaltando a importância de termos claros para orientar os cervejeiros.
Henrique explica que para se manter no mercado, uma cervejaria precisa crescer, o que pode levar a mudanças significativas. Ele menciona que, devido à economia, um brewpub local pode não ser sustentável sem buscar crescimento constante, até que, eventualmente, a “bolha” estouraria, resultando no fechamento da cervejaria. Ele destaca que isso ocorre no Brasil, mas a comunicação sobre esses casos não é clara. Henrique argumenta que são necessárias leis e regras específicas que apoiem pequenas cervejarias, permitindo-lhes pagar salários e custos sem precisar se tornar gigantes. Ele enfatiza a necessidade de políticas que permitam a sustentabilidade das pequenas empresas.
Leandro argumenta que a nomenclatura é importante para reforçar direções de incentivo governamental. Ele acredita que, ao incentivar a indústria local e de pequeno e médio porte, é possível gerar empregos e movimentar a economia. Leandro menciona a campanha “A cerveja rende” da Cinde Serve, que explicava a importância da cadeia produtiva da cerveja. Ele sugere que o governo deve incentivar a produção local e empresas sustentáveis, usando critérios além da produção de litragem, como o uso de energia solar. Leandro defende a categorização das empresas com base em perfis como local, sustentável, entre outros, em vez de apenas tamanho ou alcance.
Bia Amorim menciona o exemplo de Ribeirão Preto e discute com Lud sobre como a cerveja pode ser vista não apenas como gastronomia ou cultura, mas também como uma identidade para pequenas empresas locais. Bia enfatiza a importância da sustentabilidade e de chancelas como a trapista para cervejarias, destacando como esses aspectos podem contribuir para a economia local e fortalecer a rede de produtores.
Henrique fala dos diferentes métodos de taxação de cerveja ao redor do mundo. Ele menciona que nos Estados Unidos, tradicionalmente, a taxação é baseada no volume produzido. Na Inglaterra, historicamente, a taxação era calculada pelo malte utilizado na produção, incentivando o uso de adjuntos como açúcar para reduzir custos. Henrique destaca que até o vidro utilizado em casa já foi taxado na Inglaterra. Na Alemanha, a taxação varia de acordo com o teor alcoólico da cerveja, com categorias como Einfarbier para cervejas com baixo teor alcoólico e Starkbier para cervejas mais fortes, estas últimas sendo mais pesadamente taxadas. Ele critica a abordagem simplista de taxação de cerveja no Brasil, sugerindo que deveria haver mais consideração pelas especificidades do produto, como ocorre em outros países com cerveja artesanal independente.
Lud discute sobre diferentes políticas de taxação de cerveja, citando exemplos do Reino Unido. Ela menciona que cervejas com teor alcoólico abaixo de 1.2% ABV são isentas de impostos no país. Para pequenos produtores, há possibilidade de descontos ou taxas mais baixas, dependendo do volume de produção anual (até 4.500 hectolitros) e do teor alcoólico. Lud destaca que no Brasil, existe o conceo de “imposto do pecado”, que também afeta a tributação sobre bebidas alcoólicas.
Bia Amorim critica o imposto do pecado no Brasil como sendo resultado do moralismo, destacando a necessidade de uma abordagem mais progressista. Ela cita uma frase do livro “Embriagados”, de Edward Slingerland, sobre como as pessoas pagam impostos mas ainda assim desejam desfrutar de prazeres como dançar. Bia enfatiza o papel social das bebidas alcoólicas e sugere que o debate sobre impostos deve considerar também questões como o açúcar e os impactos da tecnologia na saúde das pessoas.
Henrique finaliza destacando a importância de entender as leis e regulamentações para as cervejarias artesanais, enfatizando que muitas vezes a falta de conhecimento sobre gestão pode ser um obstáculo. Ele compara a situação a estar no “inferno” e aconselha a abraçar os desafios do mercado, aceitando as consequências se cometer erros.
Ouça também: Envase Cervejeiro com Guilherme Bonn de Hollanda
Gostou do nosso bate papo? Seja um apoiador do Surra de Lúpulo clicando aqui.