A fagulha punk (2007): quando 55 garrafas viraram um manifesto
Tudo começa no norte da Escócia, em 2007. Cansados do domínio das lagers industriais no Reino Unido, James Watt e Martin Dickie montam a BrewDog em Fraserburgh, numa garagem adaptada. A primeira leva da Punk IPA — 55 garrafas vendidas em feiras locais — traz algo maior que receita: atitude. Assim, rotulagem agressiva, humor ácido, linguagem visual de zine underground e a promessa de “destruir o mainstream” criam uma identidade que conecta jovens urbanos e curiosos por sabores fora da curva. No copo, amargor marcante e frescor cítrico; na cabeça, a sensação de pertencer a uma tribo que rejeita o status quo.
Dali em diante, construiu-se uma história icônica… que, atualmente, está em decadência.
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Comunidade como motor: bares, tours e a sensação de “ser parte”
A BrewDog entende cedo que vender cerveja é vender pertencimento. Tours de fábrica, clubes, e — sobretudo — bares com estética industrial e tap lists generosas viram vitrines da cultura da marca pelo Reino Unido, Europa, EUA, Ásia e até São Paulo. Reconhecer um bar BrewDog em qualquer cidade era inegavelmente fácil: a experiência era padronizada, barulhenta e instagramável. O produto consistente certamente sustentava o discurso — quando rótulo e gole conversam, nasce fidelidade.
Equity for Punks (2009): fãs viram sócios, dinheiro vira megafone
Em 2009, veio a virada de jogo: Equity for Punks. Antes de “crowdfunding” virar buzzword em bebidas, qualquer fã podia comprar ações da BrewDog. Assim, entram caixa para fábrica, logística e expansão, e entram milhares de embaixadores espontâneos defendendo a marca nas redes e nos bares. A genialidade estava principalmente em unir investimento e fã-clube: você não comprava só cerveja; investia num futuro onde a craft dominaria o mundo. O holofote da imprensa de negócios acelera a expansão — e aumenta a responsabilidade por transparência e resultados.
Expansão e espetáculo (2012–2016): fábrica em Ellon e marketing-limite
Com comunidade engajada e capital, chega a nova fábrica em Ellon (2012): moderna, com laboratório e espaço para inovar — um salto de escala para quem começou na garagem. Em paralelo, o marketing vira arma pesada: tanque de guerra em Londres para lançar cerveja; garrafas em animais taxidermizados; e o caso das “latas de ouro” que, na verdade, eram apenas banhadas. Vieram então processos, multa do regulador britânico por propaganda enganosa e ressarcimentos pagos por James Watt. A cada polêmica, novos holofotes; a linha entre ousadia e responsabilidade ficava mais tênue.
Unicórnio com alma anti-establishment? (2017): a entrada da TSG
Em 2017, a TSG Consumer Partners injeta centenas de milhões de libras e a BrewDog vira unicórnio. Assim, estabeleceu-se com avaliação nas alturas, metas agressivas e governança mais dura. A marca que se vendia como anti-establishment passa a jogar o jogo do establishment. O sonho grande, enfim, ganha combustível — e cobrança.
O IPO que não veio (2021): frustração, custos em alta e rachaduras
O IPO parecia inevitável em 2021, expectativa de mercado e de milhares de Equity Punks. O adiamento vira frustração: investidores suspeitam dos números; fãs se sentem traídos e exigem transparência. O timing agrava tudo: saída de pandemia, insumos e energia disparando, inflação apertando margens. A BrewDog precisa provar disciplina financeira sem perder identidade — exatamente quando os problemas culturais transbordam.
“Punks With Purpose” (2021) e a crise de cultura
Em junho de 2021, ex-funcionários publicam a carta Punks With Purpose, descrevendo um ambiente tóxico: cultura de medo, humilhação, pressão desumana e sexismo. Para quem via de fora uma empresa divertida e libertadora, o choque foi grande. A comunidade que a marca cultivou cobra coerência. A confiança racha — e barulho de marketing já não abafa barulho de denúncia.
Documentário da BBC, selo B Corp perdido e efeito dominó (2022)
O documentário Disclosure: The Truth About BrewDog (BBC, início de 2022) amplia a audiência das acusações. Em seguida, a BrewDog perde o selo B Corp — golpe simbólico que grita: discurso e prática não batem. Vêm boicotes, dificuldade para atrair talentos, fechamento de bares menos rentáveis e margens pressionadas. O caixa sente. Investidores, também.
A queda de James Watt e a reestruturação (2024)
Em 2024, James Watt deixa o cargo de CEO — oficialmente, uma transição planejada; na prática, resposta à pressão. Seguem fechamento de unidades deficitárias, revisão de contratos e corte de custos. Mesmo com receita acima de £350 milhões, o resultado é prejuízo na casa de £40 milhões e necessidade de novos empréstimos, inclusive do próprio fundo TSG. A presença global permanece; o status de vanguarda, não.
2025: ainda grande, mas sob ceticismo
Hoje, a BrewDog continua entre as maiores artesanais do mundo, com rótulos reconhecíveis e base de fãs que não sumiu. Mas o entusiasmo arrefeceu. Parte do público se distancia; outra segue consumindo com reservas. No ar, a pergunta: a marca consegue recompor coerência entre o que prega e o que pratica?
Cinco lições que ficam
- Comunidade exige transparência.
- Marketing ousado tem limite.
- Cultura interna é inegociável.
- Crescimento pede processo e governança.
- Reputação leva anos para construir e segundos para ruir.
Nota agridoce: o investimento “do outro lado”
Para coroar a incoerência percebida, veio à tona a compra, por James Watt, de participação na Heineken — o símbolo de um establishment que a narrativa punk dizia combater. Às vezes, para conhecer alguém, basta dar dinheiro a ela.
Conclusão: o amargor que não vem do lúpulo
A trajetória da BrewDog é um estudo de caso sobre como produto bom, marketing criativo e crescimento rápido não sustentam sozinhos uma marca. Sem coerência entre discurso e prática, a comunidade que ergue também derruba. A BrewDog mudou o jogo — e mostrou o preço de ignorar o básico: respeito, consistência e cuidado com pessoas. Quando você bebe uma BrewDog hoje, o sabor é só da cerveja, ou há um amargor extra da história? A resposta diz menos sobre o líquido e mais sobre o que esperamos das marcas que cativam — e a responsabilidade que elas assumem ao nos convidar para fazer parte.