No episódio de hoje do Surra de Lúpulo, vamos mergulhar na fascinante história da IPA (India Pale Ale), uma das cervejas mais amadas e icônicas entre os apreciadores. Para este conteúdo, contamos com a expertise do sommelier e historiador Sérgio Barra, que fez uma pesquisa aprofundada sobre o tema. Vamos descobrir juntos como essa cerveja conquistou seu lugar especial na história! Ouça o episódio na íntegra:

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A História da IPA, o começo:

lupuloOriginado na escola cervejeira britânica, esse tradicional estilo de cervejas, India Pale Ale, é caracterizado pelo amargor que vem dos lúpulos. Dizem que o sucesso e popularidade desse estilo brotou na Índia e outras colônias britânicas do oriente, ao longo do século XIX, conquistando posteriormente a própria Grã-Bretanha e os Estados Unidos.

Ao longo do século XX, o estilo sofreu um declínio na sua popularidade. Esse hiato acabou no final do século devido ao interesse dos cervejeiros artesanais norte-americanos, que o transformaram no estilo de cerveja artesanal mais popular do planeta. Chegando a ser entendido até como sinônimo de cerveja artesanal em alguns lugares.

Podemos dizer que a IPA é a mãe de uma infinidade de sub-estilos. Os cervejeiros artesanais misturaram esse estilo a suas criatividades para criar tantos novos estilos a ponto da IPA ganhar uma categoria própria na última edição do Guia de Estilos do Beer Judge Certification Program (BJCP).

A categoria 21, que é composta por 09 estilos: American IPA, Belgian IPA, Black IPA, Brown IPA, Red IPA, Rye IPA, White IPA e Hazy IPA. Em outras categorias vamos encontrar ainda a original English IPA (Categoria 12, Pale Commonwealth Beer) e a Double IPA (categoria 22, Strong American Ale). Existem ainda outros sub-estilos não classificados no guia de estilos, como Triple IPA, DDH IPA (Double Dry-Hopping IPA) e Session IPA.

Essa participação no movimento da cerveja artesanal ao redor do mundo, gerou um grande interesse pela sua história. Segundo a versão mais popular, mistura longas viagens marítimas à vela para o Oriente e ingleses na Índia.

Entretanto, quando começamos a pesquisar a história da IPA, ficamos sabendo que a essa versão popular da história do estilo é mais um daqueles mitos da história da cerveja e acabaram se consolidando como verdade de tanto serem repetidos.

Para esse episódio nos apoiamos fundamentalmente no trabalho do jornalista inglês Martyn Cornell, pesquisador da história da cerveja na Inglaterra, e que se debruça sobre o tema desde 2003.

Um dos problemas da forma como a História da cerveja vem sendo escrita é o fato de que ela se fecha em si mesma, sem se conectar com fatos e contextos históricos maiores. Então, não se pode falar da história da India Pale Ale sem abordar a presença britânica no subcontinente indiano por meio das atividades da Companhia das Índias Orientais (no original, East India Company ou EIC).

A EIC foi fundada em 1600, por comerciantes de Londres, a quem a Rainha Elizabeth I concedeu o monopólio do comércio com as “Índias Orientais” (subcontinente indiano e China), por um período de 15 anos que foi renovado pelo Rei James I, em 1609, por tempo indeterminado. Para conduzir suas operações, a EIC recebeu permissão para exercer a soberania em nome da Coroa e do governo inglês. Qualquer pessoa que negociasse sem licença da Companhia era passível de confisco de seus navios e carga, bem como a prisão. 

Haviam aproximadamente 70 navios em serviço regular no comércio das Índias Orientais. Os chamados “East Indiaman”. Que eram navios mercantes, porém armados de canhões. Um típico East Indiaman carregava entre 30 e 36 canhões. Como afirma Cornell: 

“O comandante de um navio poderia ganhar até £12.000 por ano com negócios privados, vendendo produtos ingleses na Índia, geralmente para os “funcionários civis” da empresa nos postos comerciais conhecidos como “fábricas”, e trazendo produtos indianos de volta para a Grã-Bretanha”. (CORNELL, 2003)

Os primeiros navios da EIC chegaram à Índia em 1612, estabelecendo uma feitoria em Surat, na costa Oeste da Índia. Entre os principais itens de comércio estavam algodão, seda, salitre (nitrato de potássio), chá e ópio. O comércio desses dois últimos produtos estava intimamente relacionado. Para conseguir o chá, que crescia somente na China, a EIC o trocava pelo ópio conseguido na Índia. Tendo sido a responsável pela introdução do ópio na China. A respeito do comércio de chá, afirma Mark Cartwright: 

 

“As importações de chá para a Grã-Bretanha alcançaram um tal montante que, antes uma mercadoria com altos preços, ele passou a ser uma bebida mais barata do que a cerveja produzida no país. Com a ajuda das importações de açúcar barato das fazendas escravagistas no Caribe, os britânicos tornaram-se uma nação de bebedores de chá”. (CARTWRIGHT, 2022) 

 

Ainda no século XVII, a EIC instalou vários postos comerciais no subcontinente indiano (Bombain, Masulipatam, Madras, Calcutá), aumentando gradativamente seu poder e alcance. Construiu fortalezas, cunhava moedas, administrava suas próprias cortes de justiça e mantinha prisões para quem fosse condenado por elas. Chegando a governar a Índia após a Batalha de Plassey, em 1757, quando as tropas da Companhia derrotaram o Nabado Siraj-ud-Dualah da província de Bengala e seus aliados da Companhia Francesa das Índias Orientais.

No auge do seu governo na Índia, em 1803, a EIC tinha um exército de cerca de 260 mil homens. Duas vezes o tamanho do exército britânico. Como afirma Cartwright: “Muito mais do que uma empresa comercial, a EIC no fim das contas tornou-se um estado dentro do estado, até mesmo um império dentro do império, não respondendo a ninguém com exceção de seus acionistas”. (CARTWRIGHT, 2022)

Seu governo durou até 1858 quando, após a Primeira Guerra de Independência Indiana ocorrida naquele ano, a Coroa Britânica assumiu o governo direto da colônia, instituindo o novo Raj Britânico.  Essa guerra foi uma rebelião contra o domínio britânico que teve várias causas, mas cujo estopim inicial veio do protesto dos sepoys (sipaios, em português), soldados indianos empregados pela EIC, contra o fato de seus salários serem muito menores do que os dos soldados britânicos.

Naquele momento, a EIC empregava cerca de 45.000 soldados britânicos e mais de 230.000 sepoys. Como diz Cartwright: “Depois que o motim foi suprimido, o sentimento na Grã-Bretanha era de que uma colônia tão importante como a Índia não poderia mais ser deixada nas mãos de uma empresa privada.” (CARTWRIGHT, 2022).

Criticada pelos seus monopólios e termos comerciais que beneficiam apenas ela mesma e seus acionistas, e acusada de corrupção, a EIC foi dissolvida pelo Parlamento inglês em 1874 e os seus exércitos foram absorvidos pelo exército britânico. Em 1877, a Rainha Vitória (1837-1901) foi proclamada Imperatriz da Índia.

 

A “História Oficial”

 

A versão mais repetida para a criação do estilo India Pale Ale é aquela que diz que durante o período de dominação colonial britânica da Índia, os administradores coloniais e os militares que eram mandados para servir ali precisavam ser abastecidos de cerveja, que tinha que vir da Inglaterra, uma vez que na Índia não se produzia a bebida.

Alguns autores como Pete Brown chegam mesmo a afirmar que conseguir uma cerveja decente para o abastecimento das tropas era uma questão urgente, pois muitos soldados ingleses morriam bebendo Arak. Uma bebida fermentada local feita de suco de palma. 

Uma vez que as cervejas poderiam não resistir à viagem de navio da Inglaterra até a Índia, que poderia durar até seis meses, um cervejeiro chamado George Hogdson, proprietário da Bow Brewery, criada em 1752 em Londres, teria criado uma cerveja Pale Ale com uma carga extra de lúpulo para suportar a viagem. O efeito conservante do lúpulo, descrito já pela monja beneditina Hildegard von Bingen no século XI, garantia que a cerveja chegasse fresca ao seu destino. E lhe dava o amargor característico. 

Essa nova cerveja teria feito muito sucesso entre os ingleses na Índia e passou a ser procurada também na Inglaterra, por aqueles soldados e administradores que voltavam da sua temporada no Oriente. Tendo se popularizado aí depois que um lote dessa cerveja que estava sendo levado para a Índia foi resgatado de um naufrágio na década de 1820 e leiloado para os habitantes locais na Inglaterra.   

O que não se repete com muita frequência é o fato de que um dos responsáveis pela propagação dessa história foi ninguém mais ninguém menos do que o responsável pela criação do moderno conceito de estilos de cerveja: o jornalista britânico, crítico de cervejas e uísques, Michael James Jackson (1942-2007).

O seu livro de estreia, The World Guide To Beer, publicado em 1977, foi traduzido para mais de dez idiomas e foi uma forte influência da Revolução da Cerveja Artesanal nos Estados Unidos. No Brasil, foi publicado em 2009 o Guia Ilustrado Zahar da Cerveja, que é uma versão do The World Guide To Beer.

No capítulo sobre as Ales inglesas e norte-americanas, Jackson escreve um parágrafo sobre a história da IPA que reproduzo abaixo na íntegra para que não restem dúvidas da sua parcela de responsabilidade na divulgação da história:

O rajá britânico na Índia precisava de um suprimento regular de cerveja. De que outra forma se poderia governar o maior império do mundo? O problema é que a cerveja exportada da Inglaterra se degradava durante a longa e quente jornada marítima contornando o Cabo. A solução era prepará-la com uma densidade levemente maior que a da pale ale normal e carregar no lúpulo. Na verdade, os lúpulos entravam mais como conservantes naturais. Os cervejeiros britânicos nunca pararam de produzir IPA, mas a maioria do que é feito mal se distingue da pale ale comum ou da bitter. (JACKSON, 2009, p. 52).

Enquanto connoisseur reconhecido internacionalmente e autor mundialmente respeitado, poucas pessoas questionam as histórias contadas por Jackson, seja nos inúmeros livros sobre cerveja que veio a publicar, seja na sua famosa série televisiva The Beer Hunter, que foi ao ar no final da década de 1980 no Reino Unido e nos Estados Unidos. E que é muito assistida ainda hoje no meio cervejeiro brasileiro. E, sendo ele “a voz mais influente em alimentos e bebidas do século XX”, como diz Garret Oliver, quem teria a coragem de questionar a sua versão da história. 

 

Pale Ales antes e depois de Hodgson:

 

Felizmente, alguns pesquisadores tiveram essa coragem. O principal dos quais, certamente, é o jornalista inglês Martyn Cornell, autor de diversos livros sobre a história da cerveja na Inglaterra e do site Zythophile. Lendo jornais e livros dos séculos XVIII e XIX atrás de pistas sobre o surgimento do estilo, ele percebeu que desde o início do século XVIII, os ingleses já sabiam que cervejas mais alcoólicas e lupuladas resistiam melhor às longas viagens marítimas. E que o armazenamento em barris garantia a qualidade da cerveja por até mais de um ano.

Segundo ele, a cerveja deve ter chegado às Índias já nos primeiros navios a navegar para o Oriente, ainda no século XVII. Haveria menção de um capitão de navio das índias Orientais sendo “bem abastecido com… cerveja inglesa”, já em 1638. Em 1750 quase 1500 barris de cerveja estavam sendo exportados da Inglaterra para a “Ásia” em geral. Número que havia subido para 9.000 barris em 1800. (CORNELL, 2003).

Pete Brown, por sua vez, cita registros de pale ale sendo bebida na Índia em 1716, quando o presidente da colônia em Madras (localizada Golfo de Bengala), Joseph Collett, foi castigado pela East India Company por uma conta mensal de bebidas fenomenalmente grande que incluía “24 dúzias e meia de Burton Ale e Pale Beer”. (BROWN, 2021, p. 646)

Infelizmente, Brown não cita a fonte da sua informação e parece haver um pequeno erro de data, uma vez que Collet assumiu o cargo de presidente de Madras apenas em 8 de janeiro de 1717. De qualquer modo, a citação corrobora a afirmação de Cornell, de que cervejas inglesas já chegavam regularmente à Índia muito antes de Hodgson abrir a sua cervejaria (em 1752). 

Importante abrir um parêntese para discutir o que se entendia por Pale Ales ou Pale Beers no contexto dos séculos XVII e XVIII. Não se trata do estilo English Pale Ale, como passará a ser definido a partir da década de 1970 pelas obras de Michael Jackson. Mas, no contexto da virada do século XVII para o XVIII, uma pale ale podia ser, na prática, qualquer cerveja mais pálida do que havia antes. Principalmente depois que a inovação da fundição de coque (por Abraham Darby, em 1709) tornou possível controlar consistentemente a temperatura da cevada maltada para produzir malte pale.

Como explica Martyn Cornell, as maltarias não podiam usar carvão comum para secar o malte verde, pois ele envenena seu produto. E, por isso, usavam o coque (que é, basicamente, o carvão que teve removidos os seus compostos voláteis e tóxicos). (CORNELL, 2022, p. 18).

A partir de um anúncio em um jornal de Calcutá do século XIX, Pete Brown afirma que, sabendo que um alto teor alcóolico e grandes concentrações de lúpulo ajudam a preservar a cerveja por longos períodos, os cervejeiros ingleses teriam escolhido para exportar para a Índia cervejas do tipo “October Ale”. Cervejas de outono, fortes, claras e bem lupuladas, populares entre a nobreza rural do século XVIII, fabricadas para serem maturadas em adegas por até 10 anos. Enviadas sem maturação prévia para a Índia, elas maturavam na viagem que poderia durar até seis meses, e chegavam à Índia totalmente acondicionadas e prontas.

Dessa forma, ao contrário do que conta o “mito”, em vez de estragar a cerveja, a longa viagem para o Oriente, na verdade, a “arredondava”. Segundo o autor, teria sido esse estilo de cerveja que George Hodgson teria enviado para a Índia. Adaptando a sua receita ao longo do tempo, a partir do feedback dos seus clientes. Martyn Cornell também afirma que as cervejas que os comerciantes da Companhia compravam de Hodgson eram do estilo Porter e October Ale. Hodgson, portanto, não fabricava nenhuma cerveja especial para ser exportada para a Índia.

As October Ales, podem ter sido as precursoras do que viria a ser conhecido como IPA. A partir de suas pesquisas em periódicos indianos, afirma Cornell que durante um bom tempo a India Pale Ale foi identificada como uma cerveja sazonal fabricada em outubro.

Um anúncio na Calcutta Gazette de 20 de janeiro de 1822 descreve a carga recém-chegada no navio Honorable Company, que incluía “pale ale de primeira qualidade de Hodgson, de genuína produção de outubro”. Três décadas depois, no Leeds Intelligencer de 18 de outubro de 1856, a cervejaria Tetley’s anunciava aos seus clientes que estava entregando “East India Pale Ale, produzida nesta estação”.

Apenas com o desenvolvimento de um sistema de refrigeração eficiente no final do século XIX, os cervejeiros puderam começar a produzi-la o ano todo. Então, ao contrário do princípio amplamente seguido hoje em dia, que diz que a IPA é uma cerveja que tem que ser consumida fresca, no século XIX parecia ser consenso de que ela era uma cerveja que precisava ser maturada para alcançar o ponto ideal de consumo.

Retornando para o final do século XVIII, um anúncio da Calcutta Gazette de abril de 1784, citado tanto por Cornell (2003) quanto por Brown (2012, p. 647), cita a venda de outros dois tipos de cerveja, além de pale ales e porters, na Índia: Strong ales e small ales.

Segundo Cornell, Strong ale deveria ser outro nome genérico para se referir às Pale Ales (literalmente, cerveja forte). Mas Small Ale era uma cerveja levemente lupulada com não mais do que 4,5% ou 5% de teor alcoólico. Contrariando a ideia de que apenas cervejas fortes e bem lupuladas conseguiam sobreviver à jornada para o Oriente. 

Segundo as pesquisas de Cornell, a primeira aparição do termo East India Pale Ale na imprensa aconteceu em um jornal australiano, apenas em 29 de agosto de 1829. Mais de um século depois das cervejas inglesas começaram a desembarcar na Índia.

A edição daquele dia do Sydney Gazette and New South Wales Advertiser publicou que a venda de Mr. Spark possui cervejas da Taylor Walker e East India Pale Ale. Alguns meses após esse primeiro anúncio, em 19 de fevereiro de 1830, outro jornal australiano, o Colonial Times of Hobart, na Tasmânia, anunciava a venda da Taylor’s Brown Stout e East India Pale Ale. Sendo assim, até o momento, a primeira cerveja a ser nomeada de India Pale Ale é a da cervejaria Taylor Walker, fundada em Londres em 1730. 

Até meados da década de 1830, era possível encontrar também a denominação Pale Ale for India (Pale Ale preparada para a Índia) ou Pale Export India Ale em anúncios nos periódicos da Inglaterra. A Pale Ale preparada para a Índia certamente tinha mais lúpulo do que aquela vendida na própria Inglaterra.

Cornell cita um Tratado sobre alimentação e dieta, de autoria de Jonathan Pereira, publicado em 1843, que afirma que “a Pale Ale preparada para o mercado da Índia e, portanto, conhecida como Indian Pale Ale, é… cuidadosamente fermentada, de modo a ser desprovida de qualquer doçura, ou seja, seca; e contém o dobro da quantidade normal de lúpulo” (CORNELL, 2022, p. 148).

Parece que as Pale Ales para exportação eram lupuladas a 6 libras por barril ou mais, enquanto as domésticas eram lupuladas com metade dessa taxa. Mas não é possível afirmar que eram feitas dessa forma desde o começo da sua exportação, um século antes. 

 

“Essa cerveja mais lupulada era também mais cara do que os outros estilos existentes no mercado britânico. Willian Ford, secretário da associação de malteadores, escreveu em 1862 que a India Pale Ale era “um artigo em grande e crescente estima pelas classes média e alta da sociedade” (CORNELL, 2022, p. 152).

 

Enquanto os trabalhadores ainda preferiam beber Porter e Mild Ale. Na Índia, onde uma IPA podia chegar a custar quatro vezes mais caro do que na Inglaterra, as pale ales exportadas por Hodgson, Bass, Allsopp e outros também eram bebidas pelos europeus de classes média e alta: os oficiais militares e os “funcionários públicos” civis que trabalhavam para a Companhia das Índias Orientais, comercializando, administrando e cobrando impostos. As forças da Companhia ou as posteriores forças do Exército Britânico na Índia, preferiam, e continuaram bebendo porter na Índia até o final do século XIX. 

Para aproveitar o crescimento da popularidade das IPAs no mercado doméstico, algumas cervejarias que não produziam o estilo começaram a “trapacear” com as suas cervejas já existentes. Como explica Cornell, quase todos os cervejeiros vitorianos produziam quatro ou cinco graus diferentes de cerveja amarga clara. O que eles faziam, então, era renomear as suas Strong Bitters de guarda como IPA. Por isso, Cornell chega a colocar em dúvida se existiu de fato um “estilo adequadamente distinguível” que podemos chamar de IPA. Ou se a denominação não era “apenas uma peça sofisticada de marketing para uma bitter bem lupulada”. (CORNELL, 2022, p. 151).

 

O papel de Hodgson no comércio com a índia

 

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Ao longo dos séculos XVIII e XIX, além da Bow Brewery, várias outras cervejarias também enviavam cervejas para a Índia. Sempre se referindo aos jornais de Calcutá, Pete Brown afirma que a primeira pale ale a ser mencionada pelo nome foi a da cervejaria Bell’s, de Burton upon Trent, em 1790 (mas, infelizmente, ele não cita a fonte completa).

Segundo Cornell, Hodgson teria sido o primeiro a começar a enviar garrafas identificadas com o nome da sua cervejaria. E, por isso, acabou se tornando o cervejeiro mais conhecido e ganhando a fama de inventor do estilo. O primeiro anúncio com o nome das cervejas de Hodgson apareceu no Calcutta Gazette em setembro de 1793. Em janeiro de 1801, o mesmo Calcutta Gazette publicou um anúncio para a chegada de “cerveja de Hodgson… recém-chegada e agora exposta para venda apenas por dinheiro vivo”.

A cervejaria de Hodgson era uma das menores de Londres, produzindo uma média de 11.200 barris por ano durante os primeiros 16 anos da sua existência. Sua vantagem era a de que estava localizada em Bow Bridge, perto das docas da Companhia das Índias Orientais, que ficavam em Blackwall, na margem norte do Rio Tâmisa, a leste de Londres. Essa proximidade facilitou o seu contato com os capitães dos navios da Companhia. Além disso, Hodgson oferecia aos capitães um crédito estendido, de até 18 meses, para pagar a cerveja que compravam dele.

Em 1809, a reputação da cervejaria Bow já havia sido estabelecida na Índia. Seu nome já era uma garantia de qualidade. Naquele ano, ela era descrita na Gazette como “a Pale Ale selecionada de Hodgson, garantida por excelência superior”. Como afirma Cornell: 

 

“não há dúvida de que a Pale Ale de Hodgson conquistou a maior parte do (comparativamente pequeno) mercado de cerveja indiano antes de 1820; que Hodgson era facilmente a cerveja com a melhor reputação no mercado indiano; e que a reputação da cervejaria Bow durou décadas, mesmo depois que as cervejarias rivais chegaram e começaram a tirar Hodgson do mercado com suas próprias pale ales.” (CORNELL, 2010)

 

A cerveja de Hodgson fazia muito sucesso também na Austrália, como mostra um anúncio no Monitor, de Sidney: “outro jornal de Sydney, o Monitor, reclamou em abril de 1828 que a ‘cerveja colonial’ não era ‘tão boa quanto’ a pale ale de Hodgson. E anúncios em jornais australianos para a pale ale de Hodgson de, pelo menos, 1823 a chamavam de ‘celebrada’ E ‘altamente estimada’.” Naquele ano existiam sete cervejarias em funcionamento em Sidney. O que explica a comparação de cerveja que vinha de Londres com aquela “colonial”, ou seja, produzida na colônia. 

Em 1811, já sob a administração do seu filho Mark, a cervejaria se concentrou mais intensamente no mercado da Índia. Dois anos depois, estava enviando cerca de 4.000 barris por ano para o Oriente. Quatro vezes a quantidade embarcada em 1801.  Em 1821, sob a administração de Frederik Hodgson (neto de George) e Thomas Drane, a cervejaria foi reconstruída e decidiram cortar dos negócios os capitães da EIC e enviar suas cervejas para a Índia eles mesmos, aumentando os seus lucros.

Para isso, eles encerraram o acordo de longa data de dar crédito de 12 ou 18 meses na cerveja que vendiam aos capitães da Companhia, aumentaram o preço em 20% e se recusaram a vender em quaisquer termos que não fossem em dinheiro, abrindo um escritório em Cornhill (Londres), e se estabelecendo como transportadores.

Na Índia, se os comerciantes locais tentassem importar cerveja de outra cervejaria, eles baixavam tanto seus preços que espantavam seus concorrentes. E mesmo que os comandantes dos navios conseguissem cerveja com outra fábrica, a reputação da Bow era tamanha na Índia que essa cerveja dificilmente iria encontrar compradores.

Com isso, eles conseguiram desagradar tanto os capitães da Companhia quanto os comerciantes de Calcutá e Madras, que descobriram que também estavam sendo excluídos dos negócios com a marca mais importante no comércio local de cerveja. 

No início de 1822, insatisfeito com os termos comerciais mais restritivos impostos por Frederik Hodgson e Thomas Drane, Campbell Marjoribanks (Presidente da EIC em diversas ocasiões) teria se reunido com Samuel Allsopp, proprietário da cervejaria Allsopp’s de Burton-upon-Trent, na busca de um novo parceiro comercial.

Majoribanks procurou Allsopp porque sabia que o cervejeiro tinha experiência em exportar para países distantes. As cervejarias de Burton eram grandes exportadoras de cervejas escuras para a Rússia e o Báltico (talvez Russian Imperial Stouts e Baltic Porters) e passavam por uma grave crise no final do século XVIII e início do século XIX devido ao contexto de guerra entre a Coroa Britânica e a França Revolucionária.

O Bloqueio Continental, decretado por Napoleão Bonaparte em 1806, fechou os portos bálticos aos comerciantes ingleses. Entre 1780 e meados da década de 1820, o número de cervejeiros em Burton caiu de treze para cinco. Eles encontraram na exportação de suas cervejas para a Índia a sua tábua de salvação.

Localizada distante da costa, a produção das cervejarias de Burton tinha que ir através de canais até Liverpool (ao Norte) ou Londres (ao Sul). E, dali iniciar a sua viagem marítima para a Índia. A chegada da ferrovia a Burton em 1839, que fez com que o frete entre Londres e Burton caísse de £3 a tonelada para 15 xelins. Além disso, o tempo que um barril de cerveja levava para viajar até capital caiu de uma semana para 12 horas. 

Majoribanks teria dado a Allsopp amostras da cerveja de Hodgson, para que ele tentasse reproduzir. Mas a cerveja de Allsopp teria ficado melhor devido ao caráter particular da água de Burton. A água dura proporcionava uma conversão melhor do amido em açúcar e o alto teor de sulfato de cálcio realçava os sabores dos maltes e dos lúpulos.

E na década de 1830 Allsopp’s e Bass (criada em 1777) já exportavam 6000 barris por ano para a Índia. Em 1832-33, a Bass tinha 43% do comércio anual de cerveja para a Índia de 12.000 barris, Hodgson e Drane apenas 28% e Allsopp 12%. O comércio de Hodgson continuou a declinar até que, em 1841-42, caiu para apenas 6,5% dos 18.300 barris anuais, contra 29% da Bass e 36,5% da Allsopp.

A estratégia de Frederik Hodgson e Thomas Drane tinha dado errado e eles resolveram concentrar suas vendas na própria Inglaterra, mas não conseguiram evitar o seu declínio. A abertura da estrada de ferro não beneficiou apenas o comércio das cervejarias de Burton-upon-Trent com o Oriente.

Já em 1840 os comerciantes de vinho de Londres começaram a anunciar India Pale Ales anônimas, sem os nomes dos cervejeiros. Na década de 1850, a produção de Burton era de 971.000 barris por ano. Passando, no final da década de 1860, para 1,75 milhão de barris por ano. E, em 1888, subiu para 3 milhões de barris por ano.

Ao mesmo tempo, como informa Cornell, várias cervejarias londrinas montaram filiais em Burton para tentar preparar as Pale Ales que não conseguiam fazer adequadamente com a água de Londres. Em 1842, a cervejaria de Hodgson era apenas a 25ª maior de Londres em consumo de malte, com pouco menos de 5.000 quartos por ano, o equivalente a uma produção de cerca de 20.000 barris de cerveja.

Em 1849 Edwin Abbott & Son, Pale Ale e Stout Brewers assumiram os negócios na antiga cervejaria de Bow Bridge. A cervejaria ainda mudou de mãos mais algumas vezes, até ser comprada pela já citada Taylor Walker, em 1927. Até ser demolida em 1933.

 

O naufrágio de um mito

 

Na Inglaterra, a primeira menção à India Pale Ale aparece na edição de 30 de janeiro de 1835 do Liverpool Mercury. Cornell chama a atenção para o curioso fato de que a cerveja anunciada era justamente da Bow Brewery que, como foi dito antes, a partir de determinado momento concentrou suas vendas na própria Inglaterra. 

Apesar de já estar à venda em Londres desde, pelo menos, 1822 (segundo anúncio no The Times de 11 de janeiro daquele ano, também citado por Cornell), apenas a partir da década seguinte o estilo começa a se popularizar no Reino Unido.

Diz Cornell que a partir de abril de 1841, apareciam no The Times cinco ou seis pequenos anúncios diários de comerciantes vendendo “India Ale”, “Pale India Ale”, “Pale Export India Ale” e outras variações. Marcando o momento em que a cerveja realmente decolou em Londres. 

Por isso, Cornell questiona também a história de que o responsável pela popularização do estilo na Inglaterra tenha sido o famoso naufrágio ocorrido no Canal da Irlanda por volta de 1827 de um navio que carregava 300 barris de cerveja.

Na ocasião, vários barris teriam sido resgatados e vendidos a donos de pubs em Liverpool pela seguradora do navio. Segundo suas pesquisas, teria acontecido realmente um naufrágio na costa de Lancashire envolvendo um navio que transportava barris de cerveja para a Índia.

Barris de IPA foram de fato colocados à venda em Liverpool devido a esse acontecimento. Mas não na década de 1820, como conta a versão popular da história, e sim em 1839. Se tratava do East Indiamen de 584 toneladas chamado Crusader, carregado com barris de India Pale Ale das cervejarias de Bass e Allsopp, além de outros artigos (produtos acabados de algodão, seda, carne bovina e suína em barris, caixas de persianas de vidro, lingotes de ferro e chapas de lata).

O Crusader deixou o porto de Liverpool em 6 de janeiro de 1839 e foi colhido por nada mais nada menos do que a pior tempestade que se abateu sobre a costa da Irlanda no século XIX. Acontecimento que ficou conhecido como a Noite do Grande Vento. Estimativas sugerem que naquela noite morreram entre 200 e 400 pessoas, milhares de casas e chalés foram destelhados, com muitos deles pegando fogo. Entre 30 e 40 navios foram afundados ou encalharam, com tripulações inteiras morrendo afogadas. O Crusader foi empurrado de volta para o porto de Liverpool, atingindo um banco de areia e quebrando o costado. Como afirma Cornell:

O Crusader começou propriamente a quebrar apenas no domingo, 17 de fevereiro, mais de cinco semanas depois de ter encalhado. Embora tenha se despedaçado em quatro dias. No entanto, a primeira venda de carga salva do naufrágio do Crusader já havia ocorrido em Liverpool na quinta-feira, 7 de fevereiro. Incluía tecidos de algodão, tecido de lã, lenços e véus de seda, folhas de flandres – e “India ale, das marcas Bass e Alsop [sic]”. (CORNELL, 2015)

Segundo Cornell, a história da popularização da IPA no Reino Unido por meio do naufrágio do Crusader surge pela primeira vez em um livro chamado Burton-upon-Trent: sua história, suas águas e suas cervejarias, escrito por um certo Willian Molyneaux e publicado em 1869. A respeito do naufrágio, Molyneaux escreve:

 

“A Índia parece ter sido o mercado exclusivo para a cerveja amarga de Burton até cerca de 1827, quando em consequência do naufrágio no Canal da Irlanda de um navio contendo uma carga de cerca de 300 barris. Vários barris salvos foram vendidos em Liverpool para o benefício dos subscritores, e por este meio, de uma maneira notavelmente rápida, a fama da nova cerveja indiana se espalhou por toda a Grã-Bretanha.” (CORNELL, 2015)

 

Houve de fato um naufrágio e a subsequente venda da carga de cerveja recuperada em Liverpool, porém mais de uma década depois daquilo que diz Molyneaux. Para Cornell, não é possível afirmar que esse episódio foi o responsável pela popularização da IPA na Inglaterra porque a cerveja produzida para o mercado da Índia já estava disponível em Liverpool desde pelo menos 1825. Ano em que a cervejaria Hodgson abriu uma agência em Liverpool para a venda de “pale ale engarrafada” para “comerciantes e outros”.

Além disso, o primeiro uso conhecido da expressão East India Pale Ale em uma publicação britânica vem de um jornal de Liverpool datado de 1835. Quatro anos antes do naufrágio do Crusader. Segundo Cornell:

 

A julgar pelo aumento nos anúncios do IPA nos jornais de Londres, o verdadeiro impulso para a popularidade da cerveja parece ter sido alguns anos após a Grande Tempestade, em 1841. Esse foi certamente o ano em que Bass finalmente abriu uma loja em Liverpool para a venda de “pale india ale”, declarando em um anúncio no Gore’s Liverpool General Advertiser, em 22 de abril, que anunciava a nova loja que “Esta cerveja, há tanto celebrada na Índia, tornou-se agora um artigo de tão grande consumo neste país (onde está quase substituindo todos os outros tipos de licor de malte)”. (CORNELL, 2015)

 

O mesmo livro de Molyneaux teria sido o responsável também pela informação de que George Hodgson teria inventado o estilo: 

“A origem da India Ale é por consentimento comum creditada a um cervejeiro londrino chamado Hodgson, que (…) descobriu o processo de fabricação de uma bebida peculiarmente adequada ao clima das Índias Orientais e que, sob o nome de ‘India Pale Ale’, monopolizou o comércio indiano de cerveja inglesa (…) A cervejaria onde a pale ale foi produzida pela primeira vez, de acordo com a opinião popular, foi a Old Bow Brewery.” (CORNELL, 2015)

 

Antes dele, nenhum cervejeiro, nem mesmo Hodgson, havia reivindicado os créditos pela descoberta de que cervejas mais fortes e lupuladas funcionavam melhor para exportação para o Oriente. Assim, Cornell parece ter encontrado o responsável pela criação dos mitos que compõem a história popular do estilo. 

Mas Molyneaux escreve quase um século após os fatos que narra, e as suas  afirmações não se baseiam em pesquisas, mas no “consentimento comum” e na “opinião popular”, como está expresso no próprio texto. Ou seja, como infelizmente ainda acontece muito quando o assunto é história da cerveja, o autor estava apenas reproduzindo afirmações que eram repetidas, como se diz popularmente, no “boca a boca”. 

 

Conclusão

 

No final do século XIX, graças ao desenvolvimento dos sistemas artificiais de refrigeração e a uma maior compreensão das propriedades da levedura, a lager se popularizou, sendo fabricada na Índia e fazendo o trabalho de refrescar ainda melhor do que a IPA. 

Porém, segundo Martyn Cornell, a verdadeira responsável pela queda de popularidade da IPA foi a “grande queda de densidade” que aconteceu devido à Primeira Guerra Mundial. Impostos muito elevados no pós-guerra obrigaram os cervejeiros a reduzir a potência de suas cervejas para tentar mantê-las acessíveis. Fazendo com que as IPAs fossem se assemelhando à Best Bitters. Até que, na década de 1950 os dois estilos viraram praticamente sinônimos: “Em 1948, o livro The Brewer’s Art publicado pela Whitebread, dizia que o termo India Pale Ale estava agora ‘quase obsoleto.” (CORNELL, 2022, p. 157)

Foi a Revolução da Cerveja Artesanal que aconteceu nos Estados Unidos a partir da década de 1970 que fez renascer o interesse pelo estilo. Ainda que ele fosse amplamente produzido nos Estados Unidos já no século XIX. Particularmente no Nordeste, região de maior influência britânica. Então, IPA se tornou, praticamente, sinônimo de cerveja artesanal, servindo de inspiração para a criação de muitos outros estilos.

Um episódio da história da IPAs que passa quase despercebido à maioria dos amantes do estilo é o fato de que elas podem ter chegado ao mercado brasileiro, muito antes de chegar até mesmo aos EUA. Segundo as limitações da navegação à vela até meados do século XIX, a viagem marítima entre a Grã-Bretanha e a Índia, incluía navegar para o Atlântico, através das Ilhas Canárias e para o mar aberto. 

As correntes e os ventos alísios faziam com que os navios tivessem que navegar para o oeste quando tentavam ir para o leste. Depois de cruzar o equador, os navios frequentemente se aproximavam da costa do Brasil e então navegaram de volta pelo Atlântico Sul, contornaram o Cabo da Boa Esperança, pelo canal de Madagascar, pelo Oceano Índico, de volta pelo Equador e chegavam a Bombaim ou Calcutá cerca de 6 meses após deixar Londres ou Liverpool. (BROWN, 2021, p. 647-648)

Após a abertura dos portos brasileiros às nações amigas de Portugal, decretada por D. João, em 28 de janeiro de 1808, os navios em viagem para a Índia podiam usar os portos brasileiros como uma parada estratégica no meio da viagem. E, efetivamente faziam, como nos informa a Gazeta do Rio de Janeiro, único jornal a circular no Rio de Janeiro entre 1808 e 1822.

Ainda em 1808 entraram no Rio 90 navios estrangeiros de comércio. Dois anos depois esse número já tinha subido a 422. Em setembro de 1808, já existiam 100 firmas inglesas estabelecidas no Rio de Janeiro. Segundo levantamento feito a partir da Gazeta do Rio, 92% dos navios ancorados no porto da cidade até setembro de 1822, a carga declarada era cerveja, de nacionalidade inglesa.

 

cerveja tim-tim e até a próxima cerveja

 

 

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O que o vinho natural pode ensinar a cerveja artesanal | SdL #232

 

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Nana Ottoni

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