Será que a profissão sommelier e sommelière ainda está próxima das pessoas ou tornou-se algo exclusivo e distante? Neste episódio do Surra de Lúpulo, Lud IPAcondríaca e Henrique Boaventura exploram a origem desse termo, sua evolução e, mais importante, como esses profissionais podem melhorar a comunicação com os consumidores de cervejas artesanais. 

Recebemos o incrível Rafael Cheruti, sommelier, mestre em estilos, juiz de concursos, especialista em marketing da @cervejarialabirra e produtor de conteúdo, para um papo que vai abrir horizontes sobre a conexão entre a profissão e o público.

Ouça o episódio na íntegra:

Sommelier como profissão

sommelierA origem do termo sommelier remonta à Idade Média, com raízes na língua francesa. O termo era usado para designar a pessoa responsável pelo transporte e cuidado com as bagagens ou suprimentos de senhores feudais e viajantes. Essencialmente, o sommelier era um encarregado de cargas.

Com o passar do tempo, o significado do termo evoluiu, passando a identificar quem cuidava dos mantimentos, especialmente bebidas como vinhos, nas cortes europeias. Esses profissionais tinham a tarefa de selecionar, armazenar e servir vinhos e outras bebidas, garantindo sua qualidade e apresentação adequadas.

Na era moderna, o sommelier se tornou um especialista em bebidas, abrangendo vinhos, cervejas, destilados, chás e até águas, dependendo do contexto. Hoje, o termo é associado a profissionais que unem técnica e conhecimento para elevar a experiência gastronômica.

Porém, a popularização do conceito trouxe um certo distanciamento da simplicidade de suas origens, levando o sommelier a ser visto como algo mais elitizado, o que pode criar uma barreira com o público em geral.

 O mercado cervejeiro hoje aproxima as pessoas ou as afasta?

Rafael acha que hoje, em função de tudo que acontece no mundo globalizado, tudo é muito diferente do que era lá atrás, quando começou esse rolê todo. Obviamente, o serviço segue sendo muito importante, ele é uma maneira que muitas pessoas têm de fazer o primeiro contato com o consumidor, encantar essa pessoa, fazer com que ela queira descobrir outras coisas. Ele lembra do mercado cervejeiro em 2017, 2016 e 2018, em Caxias do Sul, quando um cliente entrava num bar e tinha 10 torneiras e esse cara que estava no balcão, que às vezes nem tinha todo esse conhecimento teórico, era o cara que chegava para o cliente que estava no balcão e falava: “Poxa, tu vem aqui no bar todo dia, tu toma Pilsen todos os dias, que tal tu provar uma Helles agora e experimentar isso?”

Cheruti diz que se perdeu um pouco isso de tentar entender as necessidades do cliente, entender o que ele já experimentou, e tentar guiá-lo minimamente para que ele consiga fazer outras escolhas, melhores ou não. Essas ferramentas digitais, de acordo com Rafael, são para talvez fazer esse primeiro contato. Para que daí esse cliente, quando estiver lá no restaurante, onde quer que seja, e ele ver aquela cerveja diferente, talvez pense: “Poxa, tem um maluco lá que eu vejo de óculos, barbudo e de boné que falou um dia um negócio sobre isso.” Poxa, eu acho que vale a pena tentar experimentar”. E aí a gente entra no casamento entre essas duas figuras, né? Porque talvez possam ter falado coisas muito legais para ele, mas se ele não tiver um serviço legal, um atendimento bacana, talvez ele vai dizer, poxa, palavras muito bonitas, mas no final das contas, achei uma droga.

 

Vamos falar sobre formação de público?

 “Eu vejo de duas formas, eu vejo que tem muito conteúdo bom e que tem muito conteúdo bom mesmo sendo produzido hoje. Lembro da época em que eu comecei a pesquisar sobre cerveja, para ler sobre cerveja. Isso em 2016, por aí, 2017. A oferta de informação era significativamente menor do que é hoje, né? Obviamente, também, eu não sabia muito onde procurar, né? E isso é um ponto significante para encontrar os resultados que você está buscando. Então, hoje, eu acho que tem muito mais conteúdo. Só que eu vejo de duas formas, tá? Eu acho que a maior parte do conteúdo que é criado na internet sobre cerveja é direcionado, mesmo que não seja de propósito, né? Na fonte, ele é direcionado para aquela pessoa ou para aquelas pessoas que já deram o primeiro passo. O cara que, eventualmente, ele sabe que é uma IPA, ele sabe que é uma Weiss, ele não entende muito de estilos de cerveja, ele sabe que existe muita coisa, mas ele não conhece ainda. Então, eu acho que tem muito conteúdo para esse cara.” Cheruti

 

Rafael explica que esse conteúdo iniciante, o Topo de Funil, vai acabar atingindo pessoas que nunca ouviram falar de alguns termos, pessoas que são completamente novatas, etc. “Sinto que esse é o momento de trazer esse volume de pessoas que querem aprender sobre cerveja”, afirma nosso convidado.

Porque, de fato, muita gente quer aprender sobre cerveja, só que talvez não seja abrindo uma duquesa de Borgonha que vai gerar esse interesse no cara, mas sim uma cerveja com a qual ele está familiarizado. Cheruti considera, desde o início, intercalar com algumas cervejas um pouco diferentes, mas ainda assim cervejas que a pessoa encontre no supermercado, para fazer com que essa pessoa se sinta inclinada a provar alguma coisa diferente antes de dar um passo.

“Talvez para mim seja lá o fundo do funil mesmo, né?” Eu vou tratar na sequência que é de começar a visitar a cervejaria do bairro, tentar entender, tentar estudar um pouco mais sobre cerveja. E esse meio de funil que eu tenho tentado fazer, não necessariamente com os conteúdos, mas mais com esse sentimento de comunidade, sendo falando com a galera nos stories, sendo abrindo caixinha de perguntas, para a galera tirar dúvidas que para a gente parecem as coisas mais simples do mundo, mas que são dúvidas de muita gente. Então, eu estou tentando criar esse senso de comunidade. Tentar trazer essa galera para o meio através de algumas questões nesse sentido. Vou dar um exemplo para vocês, tá?

Rafael explica que no Rio Grande do Sul existem algumas marcas que a gente encontra com muita facilidade, que são cervejas especiais de grandes companhias. Por exemplo, Patagônia, Lagunitas. Essa cerveja se encontra praticamente no Brasil inteiro, né? E algumas dessas cervejas, mesmo que elas às vezes custam um real, um real e cinquenta mais caro que algumas, são cervejas que para muitas pessoas são como “Não vou provar isso aqui, porque isso aqui é muito diferente”.

 

Papel dos sommeliers e influencers:

mulher vendo o celular enquanto icones de like sobem

Rafael afirma ser um papel de relevância, tanto do sommelier quanto do influenciador, ou do sommelier-influenciador, desde que todos consigamos fazer a comunicação necessária e consigam fazer esse papel da maneira o mais adequada. Porque o papel do sommelier possui frentes para atacar nesse processo que são bem importantes.

 

“A primeira delas é que a gente consiga passar a nossa mensagem de que a cerveja não é só uma bebida alcoólica. Ela pode ser um instrumento de gastronomia, ela pode ser um instrumento de outras coisas, trazendo muito mais a questão sensorial e de experiência do que qualquer outra coisa. Porque, vamos lá, se o objetivo é consumir álcool e ficar bêbado, talvez tu não vás conseguir, de fato, converter essa pessoa, como tu disseste, porque, eventualmente, de fato, ela nem quer, ela não está pronta, não seja o momento dela. Mas para aquelas pessoas que, eventualmente, querem ouvir isso, eu acho que a gente usa cerveja com as questões gastronômicas e com as questões de experiência, seja um ponto importante que a gente tenha. Essa é a primeira coisa de que eu queria falar.”

 A segunda coisa, continua Rafael, é que temos uma possibilidade muito grande de produtos que não são novos na sua concepção, mas são novos no sentido de estarmos falando mais sobre eles agora: a cerveja sem álcool, cerveja de baixa caloria, cerveja sem glúten etc. Desde que a gente consiga fazer a nossa comunicação, mostrar que essas cervejas têm o seu valor.

É muito triste ver sommeliers, cervejeiros, profissionais da área menosprezando e falando algumas coisas não tão legais sobre esse tipo de produto. Porque estamos perdendo ano após ano, a galera mais nova não está bebendo, ou está bebendo muito menos do que nós bebíamos há alguns anos atrás. Estamos bebendo menos porque estamos ficando mais velhos também, com mais sabedoria e com escolhas melhores.

Rafael afirma que precisamos conseguir trabalhar bem esses produtos. Fazer com que as pessoas entendam o valor desses produtos, especialmente essa galera mais nova, para que tenhamos uma leva de consumidores de cerveja, que talvez não sejam os consumidores que vão estar bebendo cerveja em grandes quantidades ou, enfim, de outras maneiras, mas vão saber que, apesar de algumas restrições que, eventualmente, as pessoas têm ou que eles têm, eles conseguem, ainda assim, unir algumas coisas que eles gostam de fazer, como, por exemplo, atividade física, como a cerveja de baixa caloria, de teor alcoólico mais baixo e tudo mais, unindo isso talvez ao prazer de beber cerveja, sem deixar de lado algumas coisas que as pessoas eventualmente façam.

Ele conclui: “Se a gente conseguir trazer a cerveja para contextos mais de experiência e não necessariamente de consumo de álcool, obviamente as coisas estão ligadas, mas muito mais para o lado de experiência, gastronomia, e talvez trabalhar melhor esses produtos, pensando nesse nicho de mercado, que esse nicho de mercado de fato é crescente, as pesquisas mostram isso de fato, e fazer com que as pessoas vejam que existem produtos bons a serem consumidos, mesmo que eventualmente existam algumas restrições por parte das próprias pessoas”.

 

Como as cervejas artesanais podem crescer?

Rafael diz que falta muito esse trabalho de sommelier, inserido mesmo, de criar esse elo, essa ponte entre o produto e o consumidor. Sempre de maneira simples, acessível e criando uma ponte, não criando ainda mais barreiras e obstáculos. Sabemos que o preço, muitas vezes, é um impeditivo de algumas coisas numa análise mais superficial. Ele continua dizendo consumir redes sociais mais no dia a dia e que todos estão muito bem informados.

Cheruti fala sobre seu case, de uma cervejaria em que trabalhou anteriormente. Durante a pandemia, fizemos uma ação. Naquela época, estava absolutamente tudo fechado, e todos estavam com muitos problemas. Ninguém sabia o que ia fazer, porque basicamente na época a cervejaria não tinha bar, então basicamente a venda da cervejaria era alguma coisa de varejo e venda para outros bares.

A venda simplesmente existia em uma semana e na outra semana ela não existia. As contas todas estavam para serem pagas, os tanques estavam cheios de cerveja e não acondicionados. Na época, fizemos uma ação mais concentrada nos moradores do local e vendíamos pet, um litro, dois litros. E a comunicação foi muito em cima de preço, mas de produto também, que era assim. “O valor desse pet aqui custa tanto, e o valor de três garrafinhas da cerveja, aquela da garrafinha verde, custa tanto.” “O líquido é mais ou menos a mesma quantidade, e aqui tu tens um produto fresco e local.” Rafael diz que esse case funcionou porque às vezes é necessário mostrar para as pessoas que não é só valor no sentido financeiro. É uma paixão coletiva.

Formar público não é fácil e já ouvimos muito dono de cervejaria dizer que não quer ou não sabe fazer isso. Estamos enfrentando um dilema: ou formamos novos bebedores interessados em cerveja especial, ou nosso mercado morre em si.

 

cerveja tim-tim e até a próxima cerveja

 

Beba melhor. Beba com moderação.

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Nana Ottoni

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