Neste episódio do Surra de Lúpulo, falaremos da famosa Lei Seca Norte Americana, mais um programa da nossa série documental que trata sobre eventos e personalidades históricas que marcaram o mundo das cervejas. Essa série contou com a colaboração do Sérgio Barra (sommelier e historiador), responsável por toda pesquisa para o tema selecionado. Ouça na íntegra:

 

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LEI SECA, UMA INTRODUÇÃO

mosto sendo jogado no esgotoPode-se afirmar sem medo de errar que a Lei Seca ou, em termos historicamente mais precisos, a 18ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, é um dos eventos mais importantes da história da cerveja no século XX. 

Ratificada por 36 dos então 48 Estados norte-americanos em janeiro de 1919, com previsão de entrada em vigor um ano depois, a lei proibia a fabricação, transporte e venda de bebidas com teor alcóolico maior de 0,5% ABV em todos os territórios dos Estados Unidos da América e colocou na ilegalidade, de uma hora para outra, a quinta maior indústria do país.

A aprovação da 18ª Emenda não aconteceu do dia para a noite. Foi a culminância de um longo processo que se iniciou na primeira metade do século XIX. E encontra as suas origens nos movimentos pró-temperança impulsionados principalmente, mas não exclusivamente, por grupos religiosos.

Grupos que uniam pautas que nos dias de hoje nos pareceriam inconciliáveis, como a proibição das bebidas alcoólicas, a abolição da escravidão e os direitos políticos das mulheres. 

Nem sempre a importância da Lei Seca é corretamente avaliada por autores do meio cervejeiro. É muito comum ver a “explicação” de que a Lei Seca teria sido a responsável pelo domínio das American Lagers no mercado de cerveja, não só nos Estados Unidos, mas no mundo.

A proibição das bebidas teria desacostumado o paladar dos consumidores a cervejas amargas. Mas, apesar de muito repetida, essa é uma daquelas “explicações” que não encontram qualquer suporte documental.

A relação entre os dois fatos certamente existe, mas não é exatamente esta. Essa “explicação” também deixa de levar em conta outros acontecimentos importantíssimos da história mundial, contemporâneos à Lei Seca, como as duas Guerras Mundiais e a Grande Depressão.

Por outro lado, essa “explicação” também não presta atenção, àquele que talvez tenha sido o principal efeito da proibição sobre o “paladar alcoólico” do público estadunidense: uma maior inclinação ao consumo de drinks e bebidas destiladas no lugar de cerveja. Invertendo a tendência de consumo que vinha se desenhando antes da entrada em vigor da lei.

Enquanto nos speakeasies se criava uma cultura dos coqueteis e drinks, a indústria cervejeira norte-americana recebia um duro golpe. Que fez desaparecer boa parte das cervejarias existentes antes da entrada em vigor da lei, e sentenciou à morte estilos históricos produzidos desde o século XIX, como o Kentucky Common e as Pre-prohibition Porter e Lager. Essa última substituída, depois da revogação da lei, pela sua versão menos alcoólica e menos amarga que dominará aos poucos o mercado mundial de cerveja. 

Por fim,  entrando no perigoso terreno da especulação e da história contrafactual, se não fosse a Lei Seca, talvez a Escola Cervejeira Norte-americana, nascida após a revogação da proibição do homebrewing pelo presidente Jimmy Carter em 1978, tivesse surgido antes, a partir daquelas cervejarias e estilos que já existiam nos Estados Unidos desde o século XIX.

Mas esse caminho foi definitivamente bloqueado pela entrada em vigor da 18ª Emenda. E a indústria cervejeira estadunidense teve que se reinventar praticamente a partir do zero.  

 

ANTECEDENTES DA LEI SECA

 

Os movimentos pró-temperança nos Estados Unidos tiveram início no final do século XVIII, mas ganharam força ao longo da segunda metade do século XIX. Ao lado de argumentos morais e religiosos, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, principalmente de destilados, era considerado prejudicial à saúde física e psicológica, estando relacionado a problemas de violência doméstica e perda de produtividade no trabalho.

Como afirma Pete Brown: “Pobreza, crime, escravidão, prostituição e alcoolismo eram vistos como pragas no rosto de uma nação jovem, e as classes médias estavam ansiosas para definir uma moralidade e senso de sociedade que sentiam que poderia ser descrito como americano.” (BROWN, 2012, p. 865)

Mas a campanha contra o consumo de bebidas alcoólicas foi principalmente impulsionada por grupos religiosos (especialmente metodistas, batistas e luteranos). Os movimentos sociais começaram a almejar uma sociedade perfeita por meio da reforma moral, que incluía não apenas a temperança, mas também o abolicionismo.

 A primeira associação pró-temperança dos Estados Unidos foi criada ainda no início do século XIX: a  American Temperance Society (ATS), fundada em 13 de fevereiro de 1826, em Boston, Massachusetts. 

Conhecida como American Society for the Promotion of Temperance, seus 170.000 membros originários haviam feito um juramento de abster-se de beber bebidas destiladas, não incluindo as fermentadas como vinho ou cerveja.

Em 1830, os americanos consumiam em média 1,7 garrafas de bebidas destiladas por semana. Em 1835, a ATS havia alcançado 1,5 milhão de membros, sendo de 35% a 60% mulheres. Em 10 anos, esses membros eram distribuídos em mais de 8.000 grupos locais.

A ATS defendia não apenas a temperança com relação ao consumo de bebidas alcóolicas, mas também a abolição da escravidão e a expansão dos direitos das mulheres.

Como resposta aos crescentes problemas sociais em áreas urbanizadas, os movimentos se radicalizaram, passando a pregar a abstinência total das bebidas alcoólicas, fossem destiladas ou fermentadas. Como, por exemplo, no caso da American Temperance Union, criada em 1836. Que, não era um movimento pró-temperança, mas propriamente um movimento anti-alcoólico. As duas correntes de pensamento continuaram a conviver ao longo de todo o século XIX, até a aprovação da 18ª Emenda, no início do século seguinte.

Após a década de 1850, à medida em que os movimentos pró-temperança ou antialcoólicos foram ganhando força, os esforços corretivos para facilitar a recuperação de alcoólatras foram se consolidando na aprovação de leis preventivas de proibição de produção e consumo.

Em 2 de junho de 1851, foi aprovada no estado do Maine (Nordeste dos EUA)  uma lei que proibia a fabricação e venda de bebidas alcóolicas, exceto para “fins medicinais, mecânicos ou de fabricação”.

O exemplo do Maine rapidamente se espalhou para outros lugares e, em 1855, um total de 12 estados se juntaram ao Maine na proibição total (Delaware, Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, Michigan, Texas, Ohio, New York, Pennsylvania, Iowa e Kansas). Esses estados passaram a ser conhecidos como os “estados secos”, em contraposição aos “estados molhados”, onde não existiam leis de proibição.

A lei era altamente impopular, principalmente entre trabalhadores e imigrantes. Levando ao evento que ficou conhecido como Portland Rum Riot, quando opositores da lei invadiram a prefeitura de Portland (capital do estado do Maine) porque acreditavam que o prefeito Neal Dow estava guardando bebidas no porão. O prefeito ordenou às forças de segurança que atirassem contra os manifestantes, matando um e ferindo sete. O acontecimento serviu de motivação para a revogação da lei em 1856.

No mesmo ano de 1855, aconteceu em Chicago episódio semelhante, que ficou conhecido como a Revolta da Lager de Chicago (Chicago Beer Riot). Quando o prefeito Levi Boone, um pastor batista e defensor da temperança, decretou que os bares permanecessem fechados aos domingos por acreditar que ter estabelecimentos de bebidas abertos no fim de semana profanava os mandamentos.

Enquanto o Conselho Municipal, que tinha seis dos seus dez assentos ocupados por representantes do mesmo partido do prefeito, decidiu aumentar o custo da licença para a venda de bebidas alcoólicas de US$50 para US$300, renovável trimestralmente.

Além de prejudicar fabricantes e comerciantes de cerveja, essas medidas afetaram principalmente os hábitos de operários imigrantes alemães e irlandeses, que utilizavam os bares para socializar com seus conterrâneos no seu único dia de folga: o domingo. Ao lado de argumentos religiosos, essas medidas tinham também nítido caráter xenofóbico, que não passou despercebido pelos imigrantes.

No dia 21 de abril daquele ano mais de 200 pessoas deveriam ser julgadas pelo tribunal de justiça de Chicago por violação tanto da licença, quanto das ordenanças dominicais. Centenas de manifestantes encheram a sala do tribunal e os seus corredores externos e acabaram por entrar em confronto com a polícia.

Na tarde do mesmo dia, ondas de imigrantes vindos da parte norte invadiram o centro da cidade, tocando flautas e tambores. A polícia disparou contra os manifestantes, que revidaram, havendo mortes dos dois lados. Canhões carregados foram posicionados na praça do tribunal para conter os manifestantes. Também nesse caso, a revolta levou à suspensão da lei logo no ano seguinte. 

Com a eclosão da Guerra Civil Americana (também chamada de Guerra de Secessão) em 1861, a questão da temperança foi empurrada para segundo plano na bússola moral da sociedade norte-maericana, sendo substituída pela questão da abolição da escravidão. 

A “cruzada seca” foi ressuscitada pela criação do Partido Nacional da Proibição (Prohibition Party), em 1969, e da Associação das Mulheres Cristãs pela Temperança (WCTU), em 1873. Apesar de ter a proibição de bebidas alcoólicas no nome, a primeira plataforma do Prohibition Party incluía também a eleição direta de senadores, moeda baseada em prata e ouro, tarifas baixas, sufrágio universal para homens e mulheres de todas as raças e aumento da imigração estrangeira.

A Woman’s Christian Temperance Union (União Cristã de Temperança Feminina – WCTU) se tornou a maior organização de mulheres do seu tempo, chegando a ter mais de 345 mil membros.

Seu propósito declarado era criar um “mundo puro e sóbrio” pela abstinência, pureza e cristianismo evangélico. Elas acreditavam que os bares eram o centro dos males da sociedade e defendiam o seu fechamento e a proibição total da fabricação e venda de bebidas alcoólicas.

Advogando também contra o tabaco. A princípio usavam uma mistura de oração e ação direta e confrontacional, evitando o envolvimento em política. Quando a educadora Frances Elizabeth Willard se tornou presidente da WCTU, em 1879, ela defendeu que a organização apoiasse qualquer partido que defendesse a proibição do álcool.

Passando a atuar também politicamente, a WCTU passaria a apoiar o Prohibition Party até a morte de Willard, em 1898. A organização militava também pelo sufrágio feminino e por direitos trabalhistas, sempre tendo em vista os efeitos positivos dessas medidas na vida familiar. 

É no campo da ação confrontacional direta que encontramos a personagem mais famosa da WCTU: Caroline Amelia Nation ou Carrie Nation, como era mais conhecida. A morte do seu marido devido ao alcoolismo em 1869, a levou a um ativismo apaixonado contra a venda de álcool. Chegando a dirigir a filial local da WCTU na cidade de Medicine Lodge, no estado do Kansas.

A princípio, ela fazia protestos pacíficos em bares, cantando hinos religiosos sozinha ou acompanhada de outras mulheres. Insatisfeita com os resultados, passou a adotar métodos mais violentos.

Em 7 de junho de 1900 destruiu a pedradas o estoque de bebidas de um saloon. Repetindo o ato nos meses seguintes, em saloons por todo o Kansas. Até que um dia o seu segundo marido falou em tom de brincadeira que ela deveria usar uma machadinha para causar mais dano. A resposta de Nation foi simplesmente: “Essa é a coisa mais sensata que você disse desde que me casei com você.”

Passou a invadir os estabelecimentos armada de uma machadinha para quebrar acessórios e o estoque de bebidas. O que lhe valeu o apelido de Hatchet Granny (Vovó Machadinha). Entre 1900 e 1910, Nation foi presa mais de 32 vezes por ação violenta e dano criminoso. Morreu em 1911, sem ver a promulgação da Lei Seca. 

Em 1893 foi criada em Ohio a Liga Anti-Saloon (ASL), considerada como o primeiro grupo de lobby nos Estados Unidos, exercia forte pressão sobre os congressistas pela aprovação de leis que proibissem a fabricação e venda de bebidas alcóolicas.

A ASL tinha um foco claro em como os políticos votavam, sem se interessar se eles bebiam pessoalmente ou não. Ela apoiava candidatos políticos “secos” e pressionava os vacilantes. Além da pressão direta sobre os políticos, a ASL realizou também uma campanha de demonização da bebida, utilizando estudos supostamente “científicos” e histórias assustadoras. Como nos informa Brown:

 

Eles alegavam que o álcool matava 50.000 pessoas por ano e que, depois de um gole de álcool, as pessoas ficavam viciadas e desenvolviam um hábito ruinoso. Desenhos animados poderosos apareceram, como um mostrando um homem algemado a uma garrafa gigante de cerveja com o rótulo “hábito de beber” em um bar de salão, enquanto em casa sua filha pergunta: “Mamãe, por que o papai não vem para casa?” Outro, “Manhã de Natal na Casa do Bêbado”, simplesmente mostra crianças em roupas de dormir esfarrapadas chorando ao ver suas meias vazias. (BROWN, 2012, p. 866-867)

 

Em 1895, tornou-se uma organização nacional e rapidamente se tornou o lobby de proibição mais poderoso da América, ofuscando a antiga WCTU e o Prohibition Party. O líder mais proeminente da ASL foi Wayne Wheeler.

Sob a liderança de Wheeler desde 1902, a ASL concentrou-se inteiramente no objetivo de alcançar a Lei Seca. Ele era contrário à medidas de redução do consumo de álcool através de tratamento e educação. O seu método, que ficou conhecido como “wheelerismo” incluía a persuasão direta daqueles que estavam no poder com táticas como ameaças de retirar o apoio à campanha; endossar e financiar oponentes; e revelar informações embaraçosas para obter apoio às restrições ao comércio de bebidas alcoólicas. Durante os anos Wheeler, a ASL elegeu vários funcionários e legisladores estaduais e membros do Congresso.

Wheeler expandiu habilmente a influência da ASL através de alianças oportunas com os defensores de outras causas. Um de seus principais sucessos foi apoiar o movimento pelo sufrágio feminino na crença de que as mulheres apoiariam os candidatos da ASL nas urnas.

Porém, por outro lado, a ASL fez também alianças com a Ku Klux Klan em estados como o Alabama, onde os dois movimentos eram muito fortes. Um editor de jornal local no pós-Primeira Guerra escreveu que: “No Alabama, é difícil dizer onde termina a Liga Anti-Saloon e começa a Klan”. A atuação política da ASL foi fundamental para a aprovação da 18ª Emenda. 

 

APLICAÇÃO DA LEI SECA

 

Em janeiro de 1917, os “secos” superaram os “molhados” por 140 a 64 no Partido Democrata e 138 a 62 entre os Republicanos. Em abril daquele mesmo ano, os Estados Unidos declararam guerra à Alemanha, entrando na Primeira Guerra.

Os imigrantes alemães e seus descendentes, uma grande força anti-proibição, foram marginalizados e ignorados. A Guerra forneceu uma nova justificativa a favor da proibição: a de que proibir a produção de bebidas alcoólicas permitiria que mais recursos fossem dedicados ao esforço de guerra, especialmente os grãos que seriam usados para fazer álcool.

Uma resolução pedindo uma emenda constitucional para realizar a Lei Seca em todo o país foi introduzida no Congresso e aprovada por ambas as casas em dezembro de 1917. Porém, a Primeira Guerra terminou em 11 de novembro de 1918, antes que a Lei Seca nacional fosse promulgada. 

A maioria dos economistas durante o início do século XX era a favor da promulgação da 18ª Emenda. Simon Patten, um dos principais defensores da proibição, previu que a proibição acabaria acontecendo nos Estados Unidos por razões competitivas e evolutivas.

O professor de economia de Yale, Irving Fisher, era um ardoroso defensor da Proibição por motivos econômicos. Ele escreveu três livros sobre o tema, onde afirmava que um trabalhador que consumia bebidas alcoólicas era 10% menos produtivo do que um trabalhador abstêmio. E de que a Lei Seca ia gerar 6 bilhões de dólares anuais para a economia norte-americana.

Ele batizou de “Blue Monday” as segundas-feiras de trabalho desperdiçadas pelos trabalhadores de ressaca depois de um fim de semana de bebedeira. Pesquisas posteriores desacreditaram as pesquisas de Fisher, baseadas em experimentos não controlados. Independentemente disso, o valor de US$ 6 bilhões de ganhos anuais para os Estados Unidos com a Lei Seca continuou a ser citado.

Em 16 de janeiro de 1919, a Emenda foi ratificada por 36 dos então 48 Estados norte-americanos, tornando-a lei, com previsão de entrada em vigor um ano depois. Quando foi ratificada a 18ª Emenda, 33 dos 48 estados americanos já estavam “secos”. Ou seja, já possuíam leis estaduais que reduziam em algum nível o consumo de álcool.

Mesmo assim, recebeu o veto do Presidente Woodrow Wilson, que a considerava uma medida hipócrita: 

 

“Esses hipócritas miseráveis ​​na Câmara e no Senado… muitos com suas adegas abastecidas com bebidas alcoólicas e não acreditando em proibição alguma — pulando no chicote dos lobistas… O país estaria melhor com vinhos leves e cervejas”. (BROWN, 2021, p. 867). Veto que foi revertido no Congresso.

 

A 18ª Emenda entrou em vigor em 17 de janeiro de 1920, juntamente com a Lei Volstead que a regulamentava (batizada em homenagem ao congressista proibicionista Andrew Volstead),  definindo bebidas alcoólicas como todas aquelas com mais de 0,5% ABV, proibindo a fabricação, venda ou transporte de licores embriagantes dentro dos Estados Unidos e de todos os territórios submetidos à sua jurisdição, bem como a sua importação para os mesmos: 

 

Nenhuma pessoa deverá, na data ou após a data em que a décima oitava emenda à Constituição dos Estados Unidos entrar em vigor, fabricar, vender, trocar, transportar, importar, exportar, entregar, fornecer ou possuir qualquer bebida alcoólica, exceto conforme autorizado nesta Lei, e todas as disposições desta devem ser liberalmente interpretadas para o fim de que — o uso de bebida alcoólica como bebida possa ser evitado. (Volstead Act, Título 2, Seção 3)

 

A lei também continha uma série de exceções e isenções que foram aproveitadas por todos aqueles que pretendiam burlar a lei. Havia, por exemplo, a permissão de fabricação e venda de alcoólicos para outros fins que não bebidas, como uso em pesquisas científicas; permitia o consumo de álcool sob prescrição médica (até o limite de 1 litro a cada 10 dias); pastores, padres, ministros, rabinos e outros que praticavam ações religiosas podiam adquirir uma licença para fornecer álcool apenas para fins sacramentais; e também era permitida a fabricação caseira de até 200 galões por ano (o equivalente a cerca de 1000 garrafas de 750 ml). 

Importante ressaltar que a proibição não incluía a compra ou o consumo de bebidas alcóolicas. Muitas pessoas estocaram vinhos e licores para uso pessoal no final de 1919, antes que as vendas de bebidas alcoólicas se tornassem ilegais em janeiro de 1920.

Eles compravam os estoques de varejistas e atacadistas de bebidas alcoólicas que, a partir de então, estariam proibidos de vendê-los. E uma semana após a entrada em vigor da lei, pequenos alambiques portáteis estavam à venda em todo o país para quem quisesse produzir o seu destilado em casa.

A Proibição entrou em vigor às 12:00:01 da madrugada de 17 de janeiro de 1920 e a primeira infração documentada da Lei Volstead ocorreu em Chicago às 12:59 da tarde do mesmo dia 17 de janeiro. De acordo com relatórios policiais, seis homens armados roubaram US$ 100.000 em uísque “medicinal” de dois vagões de trem de carga.

Foram encarregados da aplicação da lei 1.520 agentes de dois órgãos federais: o Gabinete de Aplicação da Lei da Guarda Costeira dos EUA e o Gabinete de Proibição (Bureau of Prohibition), primeiramente submetido ao Departamento do Tesouro e a partir de 1930 ao Departamento de Justiça dos EUA.

Logo ficou claro que aquele efetivo não era suficiente. Nos primeiros seis meses de 1920, o governo federal abriu 7.291 casos por violações da Lei Volstead. No primeiro ano fiscal completo de 1921, o número de casos de violação da lei saltou para 29.114 e aumentaria dramaticamente nos treze anos seguintes. No seu auge, o Bureau of Prohibition contava com 2.300 agentes.

A primeira dificuldade encontrada foi a sua fiscalização em todo o território nacional, que não conseguiu impedir o contrabando de bebidas. Muitas vezes facilitado pela conivência de agentes públicos de segurança corruptos.

Como o álcool era legal em países vizinhos, destilarias e cervejarias no Canadá, México e Caribe floresceram, pois seus produtos eram consumidos por americanos visitantes ou contrabandeados para os Estados Unidos ilegalmente.

Como nos informa Pete Brown, não há números sobre a quantidade de bebida contrabandeada pela fronteira canadense, mas as receitas de impostos sobre bebidas para o governo canadense aumentaram quatro vezes durante a Lei Seca, ao mesmo tempo em que as estatísticas de consumo sugerem que a quantidade de bebidas alcoólicas consumidas pela população canadense caiu praticamente pela metade. (BROWN, 2021, p. 868)

O mercado de bebidas contrabandeadas enriquecia mafiosos e era alvo de uma disputa pelo seu controle entre grupos de gangsters, marcada por confrontos violentos e assassinatos. Até 1920, grupos mafiosos e gangues limitavam suas atividades principalmente à prostituição, jogos de azar e roubo.

O contrabando de álcool ilegal fez surgir uma nova e lucrativa área de atuação para esses grupos. Foi o caso, por exemplo, da organização criminosa conhecida como Chicago Outfit, criada em 1910, que chegou a ser a maior, mais poderosa e mais violenta organização criminosa de Chicago.

Quando a Lei Seca entra em vigor, a gangue se envolve no contrabando ilegal de bebidas. Era dirigida pelo imigrante italiano Johnny Torrio, que tinha como seu guarda-costas e braço direito o filho de imigrantes italianos chegado há pouco de Nova York, chamado Alphonse Gabriel Capone. Mais conhecido como Al Capone. Em 1925, após sofrer um atentado, Torrio se aposentou e se mudou para Nova York, deixando a direção da gangue com Capone.

Durante a Lei Seca, Capone se envolveu com contrabandistas canadenses que o ajudaram a contrabandear bebidas alcoólicas para os EUA, com proteção policial e política. Uma vez que a Chicago Outfit comprava departamentos inteiros de polícia e fazia grandes doações para campanhas de políticos simpáticos às atividades da organização.

O confronto entre gangues rivais levou ao aumento da criminalidade. Qualquer estabelecimento que se recusasse a comprar bebidas alcoólicas de Capone frequentemente explodia. Se tornaram frequentes assassinatos e tentativas de assassinatos de rivais, que aconteciam à luz do dia e em ruas movimentadas.

Em 1928, a gangue Capone atuou nas violentas eleições primárias de Illinois. Capone havia doado US$ 250.000 para a campanha corrupta de Big Bill Thompson (apelido de Willian Hale Thompson) para prefeito e, em seguida, usou seus gangsters para intimidar, agredir e bombardear os rivais políticos de Thompson em uma tentativa de manter o partido Republicano no poder. Um estudo estima que o crime organizado em Chicago triplicou durante a vigência da Lei Seca. 

Capone era visto como uma celebridade devido às vultosas doações que fazia para instituições de caridade. Escapou de várias tentativas de assassinato.

Em 1931, foi finalmente indiciado por 22 acusações de sonegação de imposto de renda de 1925 a 1929 e por 5.000 violações da Lei Volstead, sendo sentenciado a 11 anos de prisão federal, multado em US$50.000 mais US$ 7.692 por custas judiciais e US$ 215.000 mais juros de seus impostos atrasados.

A bebida contrabandeada era vendida em bares clandestinos: os famosos Speakeasy (“falem baixo”, em tradução literal). Também chamados de blind pig ou blind tiger. Importante ressaltar que os speakeasy existiam nos Estados Unidos pelo menos desde a década de 1880, segundo o The New York Times, que atribuiu a criação do termo à Kate Hester, dona de uma bar que funcionava sem licença, que dizia a seus clientes barulhentos para falarem baixo para não chamar a atenção das autoridades.

Os outros dois termos se devem a um estratagema de proprietários de estabelecimentos ilegais que cobravam dos clientes para ver uma atração (como um animal) e então serviam uma bebida alcóolica “de cortesia”. 

Os speakeasies foram uma forma que os bebedores encontraram para manter os seus hábitos de consumo de álcool. E dos proprietários de bares de manterem as suas receitas. Eles funcionavam no porão ou nos fundos de outros estabelecimentos de fachada e vendiam o álcool contrabandeado.

A qualidade do álcool vendido nos speakeasies podia variar de muito boa a muito ruim, dependendo da fonte onde o proprietário conseguisse o seu abastecimento. Foi nos speakeasies que se desenvolveram muitos novos drinks, no intuito de mascarar a má qualidade do álcool servido.

Os speakeasies não precisavam ser grandes para operar. Bastava uma garrafa e duas cadeiras para fazer um speakeasy. Um agente da Lei Seca calculou que em 1926 havia 100.000 deles apenas em Nova York. Contavam inclusive com autoridades locais entre os seus clientes regulares.

Embora a polícia e os agentes do Bureau of Prohibition frequentemente os invadissem e prendessem seus donos e clientes, eles eram tão lucrativos que continuaram a florescer. E Pete Brown informa que no final da década de 1920 todos os 10.000 speakeasies existentes em Chicago eram controlados por Al Capone, que chegou a afirmar: “Eu dou ao público o que o público pede” (BROWN, 2012, p. 868).

Um efeito inesperado da proibição foi uma maior aceitação social da presença de mulheres nesses ambientes clandestinos. Antes da Lei Seca, as mulheres que bebiam em público em bares, especialmente fora de grandes centros urbanos como Chicago ou Nova York, eram vistas como imorais ou provavelmente eram prostitutas.

Depois da proibição, as mulheres encontraram seu lugar até mesmo no negócio do contrabando, com algumas descobrindo que poderiam ganhar a vida vendendo álcool, com uma probabilidade mínima de levantarem suspeita por parte da polícia. Foi o caso de Texas Guinan (nome artístico de Mary Louise Cecilia Guinan), uma ex-atriz de cinema e teatro que abriu diversos bares clandestinos durante a Lei Seca, como o 300 Club e o El Fey. 

Como ficou dito acima, entre as exceções previstas na lei estava a de que os médicos podiam prescrever álcool medicinal para seus pacientes. Apenas seis meses após a entrada em vigor da Lei Seca, 15.000 médicos e 57.000 farmacêuticos receberam licenças para prescrever ou vender álcool medicinal.

Os médicos prescreveram cerca de 11 milhões de receitas por ano ao longo da década de 1920. O Comissário da Lei Seca John F. Kramer, afirmou que um médico que escreveu 475 receitas de uísque em um único dia. Não era difícil para as pessoas escreverem e preencherem receitas médicas falsas.

Algumas farmácias vendiam “vinho medicinal” com cerca de 22% de teor alcoólico. Para justificar a venda, o vinho recebia um sabor medicinal artificial. Contrabandistas compravam formulários de receitas de médicos corruptos. Em 1931, 400 farmacêuticos e 1000 médicos foram pegos em um golpe em que vendiam formulários de receitas assinados para contrabandistas. 

Fazer álcool em casa se tornou comum durante a vigência da Lei. A venda de suco de uva não era restringida pela lei. Então, as lojas vendiam concentrado de uva (conhecidos como “tijolos de vinho ou “blocos de vinho” com rótulos de advertência que listava as etapas que deveriam ser “evitadas” para que o suco não fermentasse e se transformasse em vinho: “Após dissolver o tijolo em um galão de água, NÃO coloque o líquido em uma jarra no armário por vinte dias, porque então ele se transformará em vinho”.

A demanda levou os produtores de uvas da Califórnia a aumentar suas terras cultivadas em cerca de 700% durante os primeiros cinco anos da Lei Seca. Outra bebida muito fabricada principalmente nas áreas rurais da Virgínia, Virgínia Ocidental, Kentucky, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Geórgia e Tennessee era um destilado forte chamado de gin de banheira ou moonshine.

Batizado dessa forma, não porque era misturado em banheiras, mas porque se usava a água do chuveiro para diluí-lo. Qualquer pessoa podia comprar de forma totalmente legal os ingredientes para fabricação de bebidas alcoólicas como vermute, scotch e álcool etílico em lojas que simpatizassem com a causa dos “molhados”. 

O jogo virou quando o Departamento do Tesouro começou a adicionar veneno ao álcool industrial para impedir a sua utilização para a produção de bebidas. Primeiramente, o governo federal ordenou a desnaturação dos álcoois industriais. O que significava que eles deveriam incluir aditivos para torná-los desagradáveis ou venenosos.

Em resposta, os contrabandistas contrataram químicos que removiam com sucesso os aditivos do álcool. A tréplica do Departamento do Tesouro exigiu que os fabricantes adicionassem mais venenos mortais, incluindo a combinação particularmente mortal referida como “álcool metílico”: 4 partes de metanol, 2,25 partes de base de piridina e 0,5 partes de benzeno por 100 partes de álcool etílico. Os legistas da cidade de Nova York se opuseram proeminentemente a essas políticas por causa do perigo para a vida humana.

O já citado líder da Liga Anti-Saloon Wayne Wheeler, por outro lado, se opunha à utilização de substâncias não letais, como sabão, e argumentava que os venenos letais no álcool industrial eram uma medida aceitável porque o governo não tinha obrigação de proteger a vida dos seus cidadãos se estes infringissem a lei ao consumir álcool.

Ocorreram entre 10.000 e 50.000 mortes, e Wheeler argumentou que, em essência, as vítimas cometeram suicídio. A sua atitude insensível começou a mudar a forma como o público via a Liga Anti-Saloon, e a própria Lei Seca. 

 

REVOGAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS

 

Depois de 13 anos de vigência ficou claro às autoridades norte-americanas que o “nobre experimento”, como o definiu o Presidente Herbert Hoover, não havia dado os resultados esperados. 

A Era da Proibição teve grande impacto sobre a indústria de bebidas. Segundo Silvia Limberger, das 1568 cervejarias existentes em 1910, apenas 756 voltaram à atividade em 1934 (LIMBERGER, 2016, p. 31). Pete Brown dá números diferentes: fala de 1392 cervejarias antes da Proibição e 164 depois (BROWN, 2012, p. 869).

O número de destilarias foi reduzido em 85%. Historiadores da produção de vinho nos Estados Unidos defendem que a Lei Seca destruiu a incipiente indústria vinícola norte-americana. Produtores de vinho emigraram para outros países ou abandonaram completamente o negócio.

Ou seja, Lei Seca acabou tendo o efeito oposto ao que os defensores da temperança pretendiam. Segundo Pete Brown, antes da Lei Seca, havia uma tendência constante de mudança do consumo de bebidas alcoólicas em direção à cerveja. Porém, como cerveja era muito mais difícil de produzir ilegalmente do que o gin de banheira, durante a Proibição os destilados passaram a representar 75% de todo o álcool consumido nos Estados Unidos.

A partir de 1929, fatores como o aumento da violência entre gangsters e os gastos públicos para se tentar fazer cumprir a Lei, impulsionaram a discussão sobre a possibilidade de revogar a 18ª Emenda. Em um estudo em mais de 30 grandes cidades dos EUA durante os anos da Lei Seca de 1920 e 1921, o número de crimes aumentou em 24%.

Além disso, furtos e assaltos aumentaram em 9%, homicídios em 13%, agressões e espancamentos aumentaram em 13%, dependência de drogas em 45% e os custos do departamento de polícia aumentaram em 11,4%.

Durante a década de 1920, o orçamento anual do Bureau of Prohibition do Departamento do Tesouro passou de US$ 4,4 milhões para US$ 13,4 milhões. Enquanto, a Guarda Costeira dos EUA gastou uma média de US$ 13 milhões anualmente na aplicação das leis de proibição. Apenas entre 1920 e 1927, 65 agentes do Bureau of Prohibition foram mortos. A imensa maioria por armas de fogo.

A pá de cal sobre os argumentos econômicos em favor da Lei Seca foi a Quebra da Bolsa de Nova York em outubro de 1929, que jogou os Estados Unidos no período conhecido como a Grande Depressão. Os argumentos econômicos então viraram a favor da legalização da bebida. A Lei Seca criou um mercado negro que competia com a economia formal.

Os governos estaduais passaram a necessitar com urgência da receita tributária gerada pela venda de bebidas alcóolicas. De acordo com um estudo da Washington State University, a Lei Seca causou uma perda de, pelo menos, US$ 226 milhões por ano em receitas fiscais somente sobre bebidas alcoólicas.

Antes da implementação da Lei Volstead em 1920, aproximadamente 14% das receitas fiscais federais, estaduais e locais eram derivadas do comércio de álcool. Os defensores da proibição esperavam um aumento nas vendas de bebidas não alcoólicas para substituir o dinheiro obtido com a venda de álcool, mas isso não aconteceu.

A retomada da indústria também geraria mais empregos, movimentando a economia e aumentando a arrecadação de impostos como um todo. O retorno da produção de cerveja em 1933 criou 81.000 empregos em um período de apenas 3 meses. 

Em 1932, Franklin Roosevelt concorreu à presidência com uma plataforma de revogação da Proibição, vencendo a eleição em 42 dos 48 Estados e obtendo 57,4% do total de votos. 

Em 22 de março de 1933, Roosevelt assinou uma emenda ao Volstead Act, conhecido como Cullen–Harrison Act, permitindo a fabricação e venda de cerveja de 3,2% de álcool por peso (aproximadamente 4% de álcool por volume) e vinhos leves. A Proibição foi revogada à meia-noite do dia 7 de abril. Um minuto depois, cervejeiros de Milwaukee e St. Louis abriram seus portões e enviaram 15 milhões de garrafas de cerveja. A Anheuser-Busch, cervejaria criada em 1860 e que sobreviveu aos anos de Proibição produzindo bebidas não-alcoólicas à base de cereais, enviou a sua primeira remessa de Budweiser para a Casa Branca. 

No dia 5 de novembro de 1933, o Congresso dos Estados Unidos da América aprovou a 21ª Emenda da Constituição norte-americana. Essa emenda revogou a 18ª Emenda aprovada 13 anos antes. Até hoje a 18ª Emenda é a única emenda à Constituição dos Estados Unidos a ser revogada. Após sua revogação, alguns antigos apoiadores admitiram abertamente o fracasso. Por exemplo, John D. Rockefeller Jr. explicou sua opinião em uma carta de 1932:

Quando a Lei Seca foi introduzida, eu esperava que fosse amplamente apoiada pela opinião pública e que logo chegaria o dia em que os efeitos malignos do álcool seriam reconhecidos. Lenta e relutantemente, cheguei a acreditar que esse não foi o resultado. Em vez disso, a bebida aumentou em geral; o speakeasy substituiu o saloon; um vasto exército de infratores apareceu; muitos dos nossos melhores cidadãos ignoraram abertamente a Lei Seca; o respeito pela lei foi muito reduzido e o crime aumentou para um nível nunca visto antes.

Após a revogação da proibição nacional, 18 estados continuaram a proibição em nível estadual. O último estado, Mississippi, finalmente a encerrou em 1966. Portanto, apesar da revogação da proibição em nível nacional, 38% da população do país vivia em áreas com proibição estadual ou local.

 

CONCLUSÃO

 

Se você já assistiu a alguma aula sobre história da cerveja, certamente deve ter ouvido a explicação que diz que a principal consequência da Lei Seca nos Estados Unidos foi o domínio do mercado mundial de cerveja pelas American Lagers.

O argumento, repetido por Pete Brown entre outros, é o de que “uma geração que não conhecia nada além de refrigerantes rejeitou o amargor das cervejas de estilo bávaro, populares nos Estados Unidos antes da Lei Seca, exigindo algo mais doce” (BROWN, 2012, p, 869).

Mas isso só poderia ser verdade se realmente tivesse havido “uma geração que não conhecia nada além de refrigerantes”. Ou seja, se tivesse acontecido, de fato, uma drástica redução no consumo de bebidas alcóolicas. O que não parece ter sido o caso. 

Obviamente não existem estatísticas confiáveis a esse respeito porque a maioria absoluta do álcool consumido durante a lei seca ou era ilegal ou era de fabricação caseira. Como esperamos que tenha ficado claro neste episódio, a 18ª emenda proibiu a fabricação, venda e transporte de bebidas alcóolicas, mas não a posse ou o consumo de álcool. Deixando várias brechas legais para que consumidores possuíssem bebidas alcoólicas ou mesmo as fabricassem em casa.

Então, quem tinha o hábito de consumir bebidas alcóolicas antes de 1920, não parece ter encontrado dificuldades para continuar consumindo durante os treze anos seguintes. Principalmente as classes mais altas.

Mesmo quem ainda não tinha idade para consumir bebidas alcóolicas em 1920 não parece ter tido dificuldades para conseguir um destilado ilegal durante a vigência da Proibição. Principalmente se os seus pais fossem adeptos de um golinho. 

A ascensão das American Lagers parece ter começado ainda antes da Proibição. Em 1901, a Anheuser-Busch já produzia um milhão de hectolitros do seu rótulo principal, a Budweiser, uma American Lager produzida com arroz.

O que parece ter dado o impulso para o domínio do mercado mundial pelas American Lagers foi não a Lei Seca, mas o cenário de crise econômica da Grande Depressão na década de 1930. Que obrigou as cervejarias que sobreviveram aos anos de Proibição a apostar na produção de cervejas mais baratas de se produzir e mais fáceis de se vender. 

Portanto, cervejas mais leves, que alcançassem um maior público. A eclosão da Segunda Guerra Mundial desestruturou a produção de insumos e destruiu cervejarias na Europa, jogando o velho continente também em um cenário de crise econômica. O que ajudou as American Lagers a dominarem o mercado de cervejas também do outro lado do Atlântico.

O principal efeito da Proibição sobre o “paladar alcoólico” dos estadunidenses (e apenas deles) parece ter sido uma inclinação ao consumo de drinks e destilados no lugar da cerveja, como dito antes. Destilados que sempre foram o principal alvo das campanhas anti-alcoólicas e pró-temperança, não a cerveja.

Então, vale descarregar nas tintas o peso da Lei Seca nos mercados de cerveja fora dos Estados Unidos; e a importância da cerveja como alvo da Lei Seca. 

Durante o século XIX e o início do século XX, o movimento da temperança se tornou proeminente em muitos países, particularmente nos de língua inglesa, escandinavos e protestantes majoritários, e eventualmente levou a proibições nacionais no Canadá (1918 a 1920), Noruega (somente bebidas destiladas de 1919 a 1926), Bélgica (1919), Finlandia (1919 a 1932), bem como proibições provinciais como na Índia (1948 até o presente). 

Movimentos “pró-temperança” existiram também no Brasil, nessa mesma época. Mas, como explica Teresa Cristina de Novaes Marques, No Brasil, esses movimentos tinham um forte caráter elitista, vinculando alcoolismo a pobreza , elegendo como alvo principal as classes populares e o seu hábito de beber cachaça. Como você já pode imaginar, essa condenação afetava particularmente a população negra. 

A cerveja, por sua vez, gerava controvérsias. De um lado, os seus defensores argumentavam que ela passava por rígidos mecanismos de controle na sua produção e tinha qualidades alimentares e até mesmo medicinais.

Um detalhe importante é que essa argumentação se restringia às cervejas de baixa fermentação (“industriais”). Não incluindo as cervejas de alta fermentação (ditas “artesanais”). Os defensores da proibição total, por outro lado, argumentavam que a cerveja podia ser a porta de entrada para o consumo de bebidas mais fortes, que levariam à dependência irreversível. E condenavam a associação entre cerveja e alimento.

Porém, diante do perigo representado pelo consumo de bebidas destiladas de maior teor alcoólico, como a cachaça, pelas classes populares, a cerveja acabou sendo vista como um mal menor. Dessa forma, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, aqui os movimentos pró-temperança podem ter colaborado para fazer da cerveja a bebida preferida dos brasileiros. 

 

cerveja tim-tim e até a próxima cerveja

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

🔞 Beba local. Beba com moderação. 

Ninkasi e as deusas da cerveja | Surra de Lúpulo #231

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Nana Ottoni

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