Boas vindas a mais um episódio do seu podcast de cervejas artesanais favorito, o Surra de Lúpulo! No programa de hoje, vamos falar sobre a propaganda cervejeira. Para essa conversa temos a participação de Ken Fujioka, co-fundador da butique estratégica ADA Strategy, e da Raphaella Martins, que atua na liderança de negócios do Creative X, da Meta. Ambos grandes publicitários com histórias incríveis de vida e profissional. Ouça na íntegra:
Antes de falar de propaganda cervejeira, precisamos saber: como surgiu a publicidade?
Rapha em 11’05’’: Eu sei uma questão principal relacionada a área da propaganda porque eu entrei na publicidade sem necessariamente ter todo o repertório do que era, etc. E no final das contas a propaganda nessa construção de se comunicar é a parte mais questionável, porque a gente usa propaganda para vender coisas. Em 1600 já começaram as propagandas nos jornais, para fazer a comercialização. Isso faz a gente saber de onde veio, o motivo pelo qual ela existe e também para entender como a gente se beneficia desse conhecimento até para pautar a forma que a gente quer construir a propaganda que vai ser feita nos novos tempos. Tudo bem, é sobre grana, sobre vender mais. Mas tem muita gente esperando mais do trampo que a gente faz como profissionais de comunicação. Então acho que passei muito rápido pela história, acho que o Ken vai conseguir complementar.
Ken em 12’53’’: A Rapha resumiu muito bem! Acho que hoje, nós profissionais, e principalmente profissionais que ainda trabalham em agência de publicidade. Algumas dessas pessoas estão tentando hackear a publicidade por dentro. Já que vivemos em um mecanismo capitalista, podemos tirar proveito da comunicação e também alcançar coisas positivas. Mas lá atrás, como a Rapha falou, o jornal vendia espaço publicitário, não existiam agências de publicidade. Então o próprio jornal criava o anúncio para pessoal e agenciava essa venda, por isso o nome agência. Mas hoje cada vez menos as agências sobrevivem por conta de agenciamento de compra de espaço, e cada vez mais tentando sobreviver de fato com a prestação de serviço. Nos jornais antigos, não se cobrava pelo anúncio, só pelo uso do espaço. Até pouco tempo atrás, a agência só tinha essa receita também, de veicular o espaço publicitário, mas hoje em dia mudou.
Rapha em 14’52’’: A agência existia mais ou menos pra ganhar a grana que o veículo pagaria, mas como podemos tirar proveito da expansão? É isso que o Ken falou. Da prestação de serviço. E principalmente hoje em que a comunicação está tão diluída. Podemos usar a agência como um agente de transformação, no que for possível também, sem romantização. Sem achar que esse espaço é o espaço vai transformar grandes coisas. […] O processo que também começa lá atrás é todo mundo entender quem estava comprando. A mulher entra muito no processo da comunicação, daquela forma horrorosa, o estereótipo que foi construído ao redor dela. Mas ela foi reconhecida como parte do papel de influência na decisão de compra. O entendimento sobre a audiência e sobre o consumidor foi começado a construir naquela época, e não só refletir o que é a sociedade, mas também pautar um novo comportamento. Por exemplo, sobre a pesquisa de vocês dos consumidores de cerveja, diz que quem mais consome são homens, então eu tenho a escolha de reforçar o estereótipo que existe hoje do que é o homem ou pautar um debate gigantesco sobre o que é masculinidade. Hoje o que temos, além de refletir podemos pautar também. Podemos ser espelho e refletir o que é a sociedade, mas também podemos ser janela para mostrar novas possibilidades.
Lud complementa que muita coisa precisa mudar para que outras pessoas se sintam à vontade para entrar no universo das artesanais. Rapha diz ainda que é preciso olhar dados como oportunidades.
Em determinado momento, as propagandas associavam cervejas a um produto que fazia bem à saúde, bom para todos as idades e até grávidas. O que fez isso mudar?
Ken em 21’56’’: Sem querer passar pano pra indústria publicitária, a publicidade nessa época, ela tenta se utilizar nos argumentos que ela encontra inclusive na ciência na medicina etc. e é por conta de pesquisas equivocadas na época que a gente vê esse tipo de argumento. Tínhamos argumentos até do cigarro fazer bem à saúde. depois de ter participado por algumas épocas dentro da fábrica de salsicha, aprendemos que sim, existem tentativas de forçar argumentos sem tanto embasamento. E como a gente não tinha departamento jurídico na época, era mais fácil. Existia uma permissividade generalizada. Não quer dizer que depois da revolução industrial as coisas mudaram. Mas na época era comum pegar UM estudo que dizia que a cerveja faz bem pra saúde e ignorar todos os outros 49 estudos que diziam o contrário. E se você pesquisar mais a funda, vai ver que aquela pesquisa foi financiada pela própria empresa. Quem nunca ouviu o podcast Ciência Suja, eu recomendo demais. Hoje nós temos mecanismos mais sofisticados para evitar esse tipo de sofisma, mas nós como cidadãos precisamos ficar muito atentos. Porque pra vender, a fronteira da ética fica frouxa. Claro que tem fiscalização, mas também cabe a sociedade ficar ligada nisso. Tem se falado muito hoje sobre letramento racial etc, mas também precisamos fazer um letramento sobre como a publicidade influencia. Hoje em dia nossos filhos assistem muitos streamers que falam de produtos e nem sempre fica claro se aquilo é publicidade ou não, então não fica claro.
Rapha em 25’57’’: Teve um momento de regulamentação, tem uma lei hoje para bebidas alcoólicas, mas como ela é uma regulamentação pautada em mídias tradicionais, mas se conecta ao ponto que o Ken trouxe, porque isso foi feito com base na mídia tradicional. E hoje, o famoso conteúdo, que pode ser qualquer coisa, pro bem e pro mal. Sim, parou-se de relacionar bebida com saúde por conta da regulamentação que existiu. Mas hoje precisamos nos perguntar se isso seria o suficiente.
Ken complementa que não, a legislação atual não é o suficiente por conta das diversas mídias que existem.
No nosso papo com o Leandro Ramos, ele comenta que alguns publicitários acreditam que a propaganda tem um papel social. Se tem ou não, cabe a discussão, mas algo que é muito concreto é que desde sempre ele influencia na nossa cultura, como vocês acham que tem sido essa formação cultural a ocasião de consumo de cervejas?
Rapha em 36’45’’: Tem alguns caminhos. Tem o caminho que hoje é usado pela publicidade, que inclusive a gente percebe em algumas marcas de cervejas, uma apropriação de pautas importantes usadas para realizar a venda. Com isso, você diminui a importância do que você está trazendo, conversas rasas. Ainda mais depois de tantas campanhas machistas e sexistas. Teve uma movimentação importante sobre como podemos produzir uma comunicação que se conecte melhor com as conversas e pautas urgentes que minha audiência e se relacionam. Mas o que eu vejo é o seguinte, para simplesmente resolver a questão da comunicação, as marcas se apropriam dessas pausas na execução final, na criativa, e na verdade, isso precisa começar muito antes. Como focamos nossa lente e energia em que a mudança se vire para dentro. Quem são as pessoas que estão pensando a comunicação? Quem está pautando os dados? Porque se ainda temos no ambiente corporativo um ambiente completamente branco, elitista, a gente só tem uma decisão. […] Eles acabam se utilizando de pautas importantes apenas como perfumaria, maquiagem. E isso pra mim é a maior violência da indústria da comunicação. Porque dá pra você pautar e transformar e construir estratégias de comunicação genuínas que sejam respostas de conversas que aconteceram anteriormente.
Ken em 39’54’’: Achar que o papel social e a transformação vai acontecer de fora para dentro é uma falha. A primeira coisa que as marcas mexeram para se mostrar mais atenta às diversidades foi mudar o casting. Vamos colocar pessoas pretas, vamos colocar gays, vamos colocar trans na propaganda. Isso deveria ser o último passo! Não adianta nada você ter um casting todo trans se a equipe de produção é toda cis, se a equipe de estratégia é toda cis. Não houve transformação nenhuma, é perfumaria. Então quando se fala sobre transformação social é saber quem é que dita o criativo. No começo dos anos 2000, todas as marcas pararam de usar mulheres sensuais no comercial de cerveja, a mudança foi no casting. Quem continuou criando as campanhas foram homens.
Rapha em 42’30’’: Eu acredito profundamente que a propaganda e a publicidade podem influenciar a cultura porque tem muita grana envolvida no que a gente faz. E isso pode pautar transformações grandiosas, de escala mesmo.
Antigamente, muita propaganda cervejeira era um ode machistas. Como isso nasceu? Como e quando isso começou a mudar? Qual foi o motivador disso?
Rapha em 48’12’’: Isso se conecta muito com a conversa que a gente teve agora. Eu realmente acho que a gente vai continuar tendo a diferença entre o que gostaríamos de fazer e o resultado final, e a indústria que temos dentro de casa. São pessoas que não estão conseguindo avaliar o potencial, ou elas conseguem avaliar e sabem o poder. Mas a conversa é mais sobre como proteger o que está posto e não em abrir o espaço para o novo. Eu vejo muita energia sendo gasta, entendendo que é um movimento que não tem volta, que dá pra manter uma estrutura privilegiada, e não trabalhar com transformação e sim preservar o que já se tem. […] As pessoas sabem o que precisam fazer, mas não querem fazer. Abrir pro novo é entender que a conversa não está mais nos espaços tradicionais.
Lud diz que o movimento artesanal tem muito mais potencial para criar comunicação de impacto social.
Para encerrar o programa de hoje, fiquem com o Jingle da Brahma!
Até a próxima, pessoal!
Escute também: Surra de Lúpulo Ep.135: Marketing Cervejeiro (direto da FICC)
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O que bebemos durante o programa? Raphaella bebe refrigerante. Ken bebe água. Lud bebe Fights The Power, da Dádiva. Bulkool bebe Viena Lager, da Malteca.
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